Crítica | Justin Bieber mistura lo-fi, polêmicas pessoais e autoperdão em 'Swag'
Justin Bieber/Divulgação

Crítica | Justin Bieber mistura lo-fi, polêmicas pessoais e autoperdão em ‘Swag’

É fascinante – e um pouco perturbador – em assistir a um artista que cresceu sob os holofotes tentar, já adulto, se reinventar como se fosse um novato. Swag, o sétimo álbum de Justin Bieber, chega como um experimento sonoro que oscila entre a busca por intimidade e a necessidade de se afirmar como um nome além dos hits adolescentes que o consagraram. E, sim, eu era um daqueles adolescentes que torciam o nariz para “Baby” – só para, anos depois, descobrir que, sem querer, já tinha ouvido outros de seus sucessos em edits de jogos de futebol.

Mas o que me levou a escrever sobre Swag foi uma frase do jornalista Chico Barney, que, em seu estilo enigmático (seria ironia? sinceridade?), soltou: “Todos os melhores álbuns da cultura pop vêm de jovens num momento de confusão mental”. Não importa se foi um gracejo ou não – há verdade ali. E Bieber, que já foi alvo de manchetes por cancelamentos de shows, crises conjugais e especulações sobre vícios, parece ter canalizado essa turbulência em um disco que tenta ser, ao mesmo tempo, confessional e despretensioso. O resultado? Uma obra que flerta com o lo-fi, mas esbarra no paradoxo de ser um “desleixo de luxo”.

O lo-fi, em sua essência, nasceu da limitação. É música feita com o que se tem: microfones baratos, gravações caseiras, imperfeições que viram estilo. Quando um artista como Bieber – que certamente tem acesso aos melhores estúdios e produtores do mundo – resolve adotar essa estética, é inevitável questionar: isso é autenticidade ou apropriação? Swag não chega a ser um álbum “pobre” sonoramente – na verdade, é minucioso em seus detalhes, com camadas de synth, batidas texturizadas e arranjos que beiram o bedroom pop sofisticado. Mas há uma certa pose em querer soar “despojado”, como se fosse um artista independente gravando no quarto.

Crítica | Justin Bieber mistura lo-fi, polêmicas pessoais e autoperdão em 'Swag'
Justin Bieber/Divulgação

Tome “Butterflies” como exemplo: a faixa começa com um violão simples, com a voz longe do microfone, quase amador, mas logo ganha harmonias vocais tão bem trabalhadas que qualquer traço de “casualidade” some. É lo-fi como conceito, não como prática. E isso não é necessariamente ruim – só levanta questões sobre como a indústria transforma movimentos orgânicos em commodity. Recentemente, escrevi sobre Lupe de Lupe, banda que já usou o lo-fi por necessidade, e a diferença salta aos ouvidos.

Musicalmente, Swag é uma das aventuras mais interessantes de Bieber. Ele abraça o minimalismo em faixas como “All I Can Take”, com sua batida pulsante e vocais sussurrados, e se permite experimentar em “Daisies”, que mistura trap com uma levada quase dream pop, mas musicalmente mais acessível. Há até um toque de Michael Jackson em “Sweet Spot”, com seus synths brilhantes e grooves dançantes. A produção é impecável – mas é nas letras que o álbum peca.

Não conheço sua carreira, mas julgando apenas por Swag, ele não parece ser um letrista profundo, e aqui ele parece contente em navegar por clichês – que contrasta com a ótima participação da rapper Sexyy Red. “First Place” fala de amor com a mesma complexidade de um post no Tumblr de 2014, e “Walking Away” soa como um placeholder para algo que poderia ser mais elaborado. Pior ainda são os interlúdios com o comediante Druski, onde Bieber tenta, sem sucesso, abordar questões raciais. Num deles, Druski diz: “Sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” – e a resposta desajeitada do cantor (“Obrigado?”) só evidencia o quanto ele ainda patina ao tentar se inserir em discussões que ultrapassam sua vivência.

E é aí que Swag revela sua contradição central: Bieber quer ser visto como um artista maduro, mas ainda depende de terceiros para validar sua “autenticidade”. A participação do rapper Lil B em “Dadz Love” é divertida, mas soa como um name-drop para agradar fãs de hip-hop. Já o gospel “Forgiveness”, com Marvin Winans, parece uma tentativa abrupta de encerrar o álbum com um tom de redenção – como se Bieber dissesse: “Olhem, eu estou refletindo!”

Pesquisando para esta crítica, descobri que Bieber está longe de ser o teen idol de Baby que conhecera no passado. Ele é, hoje, um artista estabelecido, mas que ainda luta para se livrar da imagem de “cantor branco de R&B” – um rótulo que sempre carregou um desconforto histórico. O R&B e o soul têm raízes negras, ligadas a lutas e vivências que Bieber não compartilha. E, embora ele claramente ame o gênero (sua influência de Frank Ocean transparece em várias faixas), há uma diferença entre influenciar-se e ocupar espaços.

Swag não resolve essa tensão, mas também não a ignora. É um álbum que oscila entre acertos brilhantes (“Go Baby” é uma viagem sonora digna de elogios) e momentos que beiram o cringe. Mas talvez essa seja a graça: Bieber parece se permitir errar, experimentar, e até ser um pouco pretensioso. Mesmo com muitas ressalvas, citadas nos parágrafos acima, Swag soa como um disco de verdade e para um artista do nível de popularidade dele, isso é reconfortante.

Swag não é um disco revolucionário, mas é um passo interessante na carreira de Bieber. E, se há uma lição aqui, é que a maturidade artística nem sempre vem com respostas – às vezes, ela surge justamente no meio das perguntas sem resposta.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.