Algumas bandas envelhecem como um bom whisky: ganham complexidade, mas não perdem o fogo. King Gizzard & The Lizard Wizard, essa usina australiana de rock psicodélico que já lançou 27 discos em 15 anos, parece ter descoberto um novo tipo de alquimia em Phantom Island. Se antes eles eram a banda do caos controlado, dos riffs alucinados e das mudanças abruptas de estilo, agora soam como um grupo que encontrou um equilíbrio entre aventura e maturidade. E o mais curioso? Fizeram isso sem perder a essência – só que, desta vez, com um pé no sol e outro na escuridão.
Sim, Phantom Island pode até soar mais “solar” se comparado ao passado sombrio da banda – afinal, estamos falando de um grupo que já gravou um álbum sobre apocalipses ecológicos (“Murder of the Universe”) e outro sobre microtonalidades assassinas (“Flying Microtonal Banana”). Mas não se engane: essa é uma luz que queima. A faixa-título, que abre o disco, é a prova. Começa com cordas dramáticas, metais que dão grandiosidade e uma levada que lembra o melhor do jazz fusion dos anos 70, como se “Bitches Brew” do Miles Davis tivesse sido regravado por uma orquestra psicodélica. E, no meio disso tudo, a guitarra de Stu Mackenzie ainda consegue soar como um aviso: “Isso aqui ainda é King Gizzard, só que mais refinado.”
A colaboração com Chad Kelly, compositor inglês especializado em música microtonal e erudita, foi um grande acerto. Ele trouxe uma sofisticação que nunca antes havia aparecido tão claramente na discografia da banda. Em “Deadstick”, segundo single do álbum, o blues pesado ganha camadas de sopros e cordas que lembram Clube da Esquina em um dia particularmente sombrio. É como se a banda tivesse pegado a melancolia de Milton Nascimento e misturado com a fúria de “Led Zeppelin III”. E funciona absurdamente bem.
A progressão do álbum é quase uma viagem. “Lonely Cosmos” e “Eternal Return” são faixas que flutuam, com harmonias que remetem ao yacht rock dos anos 70, mas com uma pitada de space rock – algo como se Pink Floyd e Electric Light Orchestra tivessem feito uma jam session. Já “Panpsych” e “Spacesick” mergulham no jazz fusion, com metais que soam como uma homenagem ao Bitches Brew, mas sem nunca perder a pegada psicodélica que é a marca registrada do King Gizzard.
E então vem “Sea of Doubt”, uma das faixas mais interessantes do disco. Começa com um riff de southern rock que poderia ter saído de um álbum do Lynyrd Skynyrd, mas logo é invadida por violinos e um clima quase cinematográfico. É aqui que fica claro: Phantom Island não é apenas um álbum, é uma experiência. Uma que exige paciência e atenção, mas que recompensa com camadas de som que vão se revelando a cada escuta.
Mas o que realmente diferencia este disco dos anteriores é a densidade das letras. King Gizzard sempre foi uma banda de conceitos grandiosos – apocalipses, viagens no tempo, histórias de ficção científica. Desta vez, porém, as letras soam mais pessoais. Em “Silent Spirit”, há um verso que resume bem essa mudança: “O tempo não para, mas eu paro pra pensar.” Não é difícil imaginar que isso tenha a ver com o fato de muitos dos integrantes agora serem pais. A urgência juvenil deu lugar a reflexões mais profundas, mas sem nunca perder aquele toque de loucura que sempre definiu a banda.
É engraçado como Phantom Island divide opiniões. A Pitchfork reclamou dos “exageros”, enquanto o Popload achou as faixas “menos empolgantes” que as do disco anterior. Mas será que o problema não está justamente na expectativa? King Gizzard nunca foi uma banda fácil de categorizar, e Phantom Island exige paciência. Não é um álbum para ser digerido em uma escuta – é um trabalho que se revela aos poucos, como um vinho que precisa respirar.
E então chegamos ao final com “Grow Wings and Fly”, uma faixa que é quase um resumo do álbum: um rock grandioso, quase épico, com um clipe que parece uma mistura de “O Mágico de Oz” com “2001: Uma Odisseia no Espaço”. É uma música que celebra a liberdade, mas também a passagem do tempo. E, de certa forma, é isso que Phantom Island representa: um disco sobre envelhecer sem perder a sede de experimentação.
King Gizzard já lançou discos geniais (“Nonagon Infinity”, “Polygondwanaland”) e outros que soam como experimentos falhos (“Eyes Like the Sky”). Phantom Island, no entanto, está longe de ser um erro. Pelo contrário: é um dos trabalhos mais coesos e ambiciosos da carreira deles, possivelmente no top 5.
Phantom Island é um convite a repensar o que significa envelhecer no rock. Não com nostalgia, mas com a coragem de quem ainda tem muito a dizer. E, principalmente, a ousadia de quem não tem medo de errar.
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