Confesso que não sou o maior fã de Lady Gaga, mas é impossível negar que ela é uma das artistas mais talentosas e versáteis do pop comercial desde que explodiu com “The Fame” (2008). E, depois de explorar o jazz, trilhar caminhos cinematográficos e mergulhar na eletrônica com “Chromatica” (2020), Gaga finalmente volta às suas raízes do “pop estranho” com Mayhem, seu sétimo álbum de estúdio.
A promessa era de um retorno ao caos criativo que a consagrou no final dos anos 2000, mas o que encontramos é um trabalho mais seguro e polido, que, embora consistente, deixa a desejar em ousadia.
O álbum começa com tudo. As duas primeiras faixas, “Disease” e “Abracadabra”, são singles que já haviam sido apresentados ao público e funcionam como uma abertura impactante. Disease é uma faixa pulsante, com batidas eletrônicas que remetem ao melhor do pop dançante de Gaga, enquanto “Abracadabra” traz um gancho vocal que gruda na mente, mesmo que não seja tão inovador quanto poderia ser.
Já “Garden of Eden”, a terceira faixa, é onde o álbum parece ganhar vida. Com sintetizadores brilhantes e uma energia contagiante, a música é uma ode ao pop dos anos 80, mas com a assinatura única de Gaga. É aqui que a esperança por um álbum memorável começa a crescer.
No entanto, após esse trio inicial, Mayhem começa a perder um pouco do fôlego. Apesar de bem produzido e executado, o álbum entra em um território mais genérico a partir da quarta faixa. “Perfect Celebrity” tenta trazer um toque de rock, com guitarras pesadas e uma atitude mais agressiva, mas acaba soando como uma versão menos impactante de Paparazzi. Ainda assim, é uma das faixas mais interessantes do disco, mostrando que Gaga ainda sabe como misturar estilos e criar algo que soe fresco, mesmo que dentro de sua zona de conforto.
A produção de Mayhem é, sem dúvida, um dos seus pontos altos. Andrew Watt e Cirkut, produtores renomados, ajudam a construir um som que é ao mesmo tempo moderno e nostálgico. As bases eletrônicas são ricas em detalhes, com camadas de sintetizadores que remetem aos anos 80, mas com um toque contemporâneo.
A mixagem permite que cada elemento brilhe sem sobrecarregar os ouvidos. No entanto, essa “perfeição técnica” também é um dos problemas do álbum: ele soa tão polido que acaba perdendo um pouco da espontaneidade e da loucura que fizeram de Gaga uma das artistas mais revolucionárias da última década.

Conforme o álbum avança, a sensação de que estamos ouvindo variações de músicas que Gaga já fez antes se torna mais evidente. “Zombieboy” é uma faixa divertida, com uma batida dançante e letras cheias de atitude, mas não consegue se destacar no mar de hits que a cantora já produziu. “LoveDrug” mergulha de cabeça no pop dos anos 80, com um refrão cativante e uma produção que lembra clássicos de Madonna e Prince. É uma das faixas mais dançantes do álbum, mas também uma das mais previsíveis.
Apesar dessas quedas, há momentos que salvam o álbum de ser apenas mais um trabalho pop bem-feito. “Killah”, que contou com a colaboração do DJ francês Gesaffelstein, é uma das faixas mais ousadas de Mayhem, com uma produção que mistura elementos industriais e uma vibe sombria que remete a Nine Inch Nails — aliás, a banda de metal industrial é uma das referências declaradas da artista em Mayhem. A letra é provocativa, e a entrega vocal de Gaga é cheia de personalidade. É uma faixa que mostra o que o álbum poderia ter sido se Gaga tivesse se arriscado mais.
Outro destaque é “The Beast”, uma música lenta e atmosférica que explora temas de amor e obsessão. A produção minimalista permite que a voz de Gaga brilhe, e a letra é uma das mais poéticas do álbum. É uma faixa que poderia ter sido tirada de um filme noir, com sua atmosfera sombria e melodia hipnótica.
Infelizmente, o álbum perde força no final. “Blade of Grass” não é melhor balada do mundo, mas tem uma melodia que pode grudar. É o tipo de música que Gaga faz como ninguém, e seria um fechamento digno para o álbum. No entanto, em vez de terminar com essa faixa boa, Mayhem nos presenteia com “Die With a Smile”, uma colaboração com Bruno Mars, que soa completamente fora de lugar. A música que pode até ser agradável para fãs daquele pop mais farofa, mas não dialoga com o restante do álbum, e sua presença no final do disco é totalmente anti climática.
Por fim, Mayhem é um álbum que mostra Lady Gaga em sua forma mais segura. É um trabalho bem produzido, com faixas que vão desde o pop dançante até baladas que destacam o alcance vocal da artista, mas que falta a ousadia e a inovação que fizeram da cantora uma das artistas mais importantes da sua geração. É um álbum que vai até agradar alguns fãs, mas que dificilmente será lembrado como um marco em sua carreira.
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