Crítica | Manual de Assassinato para Boas Garotas: livro ótimo, série razoável

O desaparecimento misterioso da jovem Andie Bell aterrorizou a pequena cidade de Little Kilton, na Inglaterra, resultando na confissão do crime por seu namorado, Sal Singh, seguida por seu suicídio. Cinco anos depois, a adolescente Pippa Fitz-Amobi (Pip), que nunca ficou satisfeita com a resolução da polícia para o caso, resolve investigá-lo por conta própria. Este é o enredo de Manual de Assassinato para Boas Garotas, nova série da Netflix e da BBC que adapta o sucesso literário com o mesmo nome.

A adaptação de um livro cheio de nuances para uma série de 6 episódios não é fácil, principalmente quando se trata de uma investigação detalhada em que o papel do telespectador não é apenas acompanhá-la, e sim refletir por conta própria, tentar antecipar o raciocínio da protagonista. Infelizmente, quando se trata de investigação (o foco principal da série) a história deixa a desejar o aprofundamento nas pistas.

Mural de investigação da Pip (Foto: Reprodução/Netflix)

Na visão de quem nunca leu o livro, é perfeitamente possível presumir que Pip conseguiu investigar melhor do que a polícia sem nenhuma dificuldade, e que os suspeitos facilmente confessam seus crimes e mentiras à medida que a série está ficando sem tempo para explorar melhor os fatos. A impressão que fica é de que a adaptação focou apenas nos que já são fãs dos livros de Holly Jackson, que conhecem a história. 

Desenvolvimento de personagens

Pip e seu grupo de amigos (Foto: Reprodução/Netflix)

O grupo de amigos de Pip é unido e querido pelos fãs, mas alguns não cumprem nenhuma função na série além de um apelo ao fan-service, ocupando um tempo de tela que poderia ser melhor utilizado para administrar melhor todo o conteúdo que precisa ser apresentado em meia dúzia de episódios. Assim, pela falta de tempo, os suspeitos não tem tanta personalidade, e o telespectador fica refém de desconfiar dos mesmos que Pip desconfia, pois a série direciona eles a isso. Sem conhecer melhor cada um, suas motivações, seus álibis e seus contextos, não é possível expandir o leque de possibilidades.

Existem, porém, pontos positivos nos personagens, como o desenvolvimento do relacionamento entre Pip e Ravi Singh, irmão de Sal que ajuda na investigação. No livro, ambos são puramente profissionais e não dão indícios de interesse um no outro antes de ficarem juntos de repente. Já na adaptação, podemos acompanhar a aproximação emocional dos dois, a construção de um relacionamento à base da confiança, preocupação, parceria e brincadeiras em comum. É satisfatório e divertido assistir a esse sentimento crescer e se fortalecer entre ambos.

Pip e Ravi investigando o caso (Foto: Reprodução/Netflix)

Outras relações interessantes de assistir é de Pip com seus pais e com sua amiga Cara, que se destacaram positivamente e deram mais uma camada à vida de Pip, não permitindo que tudo fosse apenas mistério e investigação. Ela é, antes de tudo, uma adolescente que vive dramas de adolescentes, que se preocupa com sua família e valor, mesmo com o cotidiano conturbado. Todas essas nuances dão à Pip a força de um personagem realista.

Atuação

Outro grande destaque positivo é a atuação brilhante da protagonista Pip, interpretada por Emma Myers (“Wandinha”) que surpreende nesta série ao mostrar a versatilidade de uma ótima atriz. Emma já era conhecida por seu papel carismático e extremamente feliz em “Wandinha”, e por interpretar uma mãe no corpo de adolescente em “Trocados”, mas só agora teve a possibilidade de expandir suas emoções desde a felicidade, amor, raiva, desespero e tristeza. 

Emma Myers como Pippa Fitz-Amobi (Foto: Reprodução/Netflix)

A seleção da Netflix e da BBC para o elenco foi acertada, pois todos os atores passaram a energia e a aparência necessária para convencerem no papel de seus respectivos personagens. Temos Zain Iqbal (“All Crazy Random”) como Ravi, Asha Banks (“A Flauta Mágica”) como Cara, Henry Ashton (“Minha Lady Jane”) como Max Hastings e outros atores.

Apesar do bom elenco, nenhum foi tão bem escolhido quanto Emma, que quase respira como Pip, com coragem para se impor apesar da timidez e introspecção da protagonista. Ela não apenas convence no papel, como também não há quem diga que ela não saiu diretamente das obras de Holly.

A ambientação de Little Kilton

Fazer com que o telespectador se sinta ambientado na vida e cotidiano dos habitantes de Little Kilton é parte da imersão do perigo iminente e justifica o impacto que todo o caso da Andie Bell causou naquela população. Com diversas cenas amplas de vistas de cima, mostrando a misteriosa floresta que tantos segredos guarda, logo ao lado da pequena cidade de construções clássicas, silenciosa e supostamente tranquila.

A série optou pela repetição de algumas cenas na edição, buscando forçar um suspense que não conseguem transmitir com o roteiro ou com a ambientação. A tentativa se torna forçada quando, ao invés de intrigar o espectador, na verdade cansa e perde sua atenção. Por exemplo, na cena em que Pip lembra a última vez que viu Andie Bell, que volta a aparecer mais vezes do que o necessário para reforçar para o público um sentimento da protagonista que já foi compreendido. 

Lembrança da última vez que Andie Bell foi vista (Foto: Reprodução/Netflix)

A trilha sonora acerta no público alvo adolescente, apostando em músicas de estilo alternativo de indie, eletrônica e outros, com destaque para as artistas Wet Leg e Billie Eillish. Uma escolha diferente do comum é a de, em todo episódio, alternar a música de abertura e tentar fazê-las encaixar com a montagem, o que muitas vezes não combina e acaba por não funcionar.

Conclusão

Manual de Assassinato para Boas Garotas é, como livro, um grande êxito no gênero de mistério da atualidade entre os jovens; como série, se torna só mais uma história de investigação que falha em integrar o público junto ao raciocínio da protagonista. A adaptação não conquista grandes trunfos, apesar de ainda ser bem interessante e, no geral, uma série razoável e fácil de digerir.

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