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Crítica | Maurício de Sousa – O Filme é uma homenagem sensível ao homem que fez o Brasil sonhar

Aos três ou quatro anos, aprendemos a ler com ele. Aos dez, rimos com suas histórias. Na adolescência, nos afastamos um pouco, mas de algum jeito ele continuou por perto, nas falas, nas revistas que insistiam em aparecer na casa de alguém, nos gibis esquecidos em caixas, nos bonecos que nunca perderam o cheiro de infância. Agora, aos vinte e seis, é quase impossível segurar as lágrimas ao ver sua vida contada no cinema. Maurício de Sousa – O Filme é mais do que uma cinebiografia: é uma volta para casa.

Logo de início, o longa convida o público a mergulhar na infância de Maurício com um olhar carinhoso e sem pressa. O diretor Pedro Vasconcelos constrói um ambiente que mistura realismo e encantamento, sem precisar de truques óbvios. Diego Lamar, como o pequeno Maurício, entrega uma atuação doce e natural, que carrega a curiosidade e o brilho de quem ainda não sabe o tamanho do sonho que tem nas mãos. É emocionante ver o garoto descobrindo a paixão pelos desenhos e entendendo que o lápis poderia ser mais do que um brinquedo, poderia ser um caminho.

O filme se destaca ao mostrar a família como o centro de tudo. A relação com o pai e, principalmente, com a avó é retratada com uma sensibilidade que toca fundo. São cenas silenciosas, cheias de gestos pequenos, que explicam muito sobre o homem que Maurício viria a se tornar. O público entende, sem precisar que o filme diga, de onde vem o humor generoso e o olhar afetuoso que sempre existiram em suas criações.

Maurício de Sousa - O Filme
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Na transição para a fase adulta, Mauro Sousa assume o papel do pai e o filme ganha outro peso emocional. Há algo de profundamente bonito e até simbólico em ver o filho interpretando o homem que lhe deu o mundo em cores e traços. Mauro não imita Maurício, ele o homenageia. A interpretação é contida, mas cheia de emoção, e faz o espectador acreditar naquele jovem que, com uma teimosia quase poética, insiste em viver do que ama mesmo quando ninguém acredita.

Pedro Vasconcelos acerta ao tratar o filme como uma extensão do universo dos quadrinhos. Há enquadramentos que lembram páginas de HQ, planos fixos que parecem quadros emoldurados e transições que brincam com a linguagem das tiras. O resultado é uma estética leve e envolvente, que conversa com a infância de quem assiste. É como se a tela se transformasse, por alguns minutos, no papel que costumávamos folhear nas manhãs de domingo.

Mas talvez o maior mérito do longa seja sua sinceridade. Maurício de Sousa – O Filme não tenta ser épico nem grandioso. É simples, direto e humano. Mostra um homem que acreditou que desenhar o cotidiano – o cachorro, a vizinha, o amigo atrapalhado – também podia ser arte. Que fez do Brasil a própria matéria-prima da imaginação.

Maurício de Sousa - O Filme
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O problema é que, justamente quando o filme atinge seu ponto mais envolvente, ele termina. A sensação é de que ainda havia muito a ser contado, como a construção da Mauricio de Sousa Produções, o impacto da Turma da Mônica Jovem e o alcance internacional das animações. Tudo isso é apenas tocado de leve, como se o longa quisesse encerrar na parte mais emotiva da trajetória, mas deixasse o público no ar, pedindo mais.

É uma decisão arriscada. O corte é tão abrupto que o espectador quase não percebe que o final chegou. E, se por um lado isso frustra, por outro também pode ser visto como um sinal de que há mais por vir. Talvez este seja apenas o primeiro capítulo de uma história que, assim como os gibis de Maurício, ainda tenha muitas edições pela frente.

Mesmo com esse desfecho repentino, a força do filme está em tudo o que ele desperta. É impossível sair do cinema sem lembrar de quando a gente tentava desenhar a Mônica na contracapa do caderno ou de quando brigava para decidir quem ficaria com o gibi novo. O filme acerta justamente por tocar esse lugar afetivo, sem nostalgia fabricada. É um tipo de emoção que só quem cresceu no Brasil consegue entender, porque, de alguma forma, crescemos todos um pouco com Maurício de Sousa.

No fim, Maurício de Sousa – O Filme deixa o coração cheio e a mente leve. É uma homenagem que respeita a sensibilidade do seu protagonista e nos lembra que sonhar ainda é uma das formas mais bonitas de existir. Se a sessão termina com gosto de quero mais, talvez seja porque o Brasil inteiro ainda não está pronto para se despedir de quem, com um lápis na mão, ensinou tantas gerações a acreditar na força do afeto e da imaginação.

Maurício de Sousa – O Filme estreia dia 23 de outubro nos cinemas, confira o trailer:

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Jornalista e formada em Cinema, apaixonada por cultura asiática e por contar histórias. Provavelmente já assisti tanto aos filmes do Adam Sandler que poderia atuar em qaulquer um sem precisar de roteiro.