Longa-metragem Memórias de um Caracol
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Crítica | Memórias de um Caracol e as camadas de uma vida miserável

Na maioria das vezes, quando falamos sobre obras de animação, nossos pensamentos se voltam para produções fofas e leves, que envolvem amizade, mensagens de cooperação, finais felizes e, às vezes, um tom cômico misturado. Muito disso se deve à supervalorização das animações provenientes de estúdios como Disney, Pixar e DreamWorks, que quase sempre entregam uma atmosfera feliz e perfeita em 99% de suas obras. Em Memórias de um Caracol, somos transportados para uma atmosfera completamente diferente: um ambiente melancólico, pitoresco e carregado de infortúnios.

Para quem acompanhou as obras anteriores de Adam Elliot, toda essa ambientação não é nenhuma novidade. O cineasta costuma explorar enredos trágicos e melancólicos em suas produções, reproduzindo acontecimentos realistas que facilmente levam o espectador a se identificar com os personagens.

Copo meio cheio, meio vazio

De forma simples e resumida, Memórias de um Caracol conta a história de Grace Pudel (Sarah Snook) e seu irmão gêmeo, Gilbert Pudel (Kodi Smit-McPhee), que, após perderem os pais, são separados pelo sistema de adoção e vivenciam perdas enquanto tentam encontrar um propósito na vida. A narração se assemelha à de um livro de histórias, já que Grace conta sua vida e as peculiaridades dos personagens para Sylvia, seu caracol.

Apesar de não ser baseado em uma história real, o filme é específico e bem construído, o que o aproxima da realidade de muitas pessoas. Ele transita entre analogias sobre otimismo e pessimismo, como a metáfora do “copo meio cheio e meio vazio”, e uma crítica escancarada ao fanatismo religioso. O design artístico de Adam Elliot, com personagens de aparência irregular e peculiar, apenas complementa essa representação, destacando as imperfeições humanas de forma genuína.

Camadas de melancolia

Memórias de um Caracol nos transporta para uma história comovente e instigante, que reflete como a vida pode ser amarga e doce ao mesmo tempo. Sem qualquer romantismo, Elliot nos mostra que a vida pode ser uma tragédia terrível e que, para lidar com isso, criamos gaiolas reconfortantes que tornam tudo mais lúdico — um placebo que apenas esconde uma existência enfadonha.

Assim como em Harvie Krumpet, há uma surpreendente tendência ao humor nos cenários. Mesmo quando as coisas ficam tristes, geralmente há uma piada à espreita. Isso, de certa forma, torna a atmosfera de Memórias de um Caracol um pouco menos inquietante. Arriscaria dizer que se trata de uma visão madura da humanidade.

Ao final do longa, é fácil compreender sua indicação ao Oscar e concordar com a aclamação e visibilidade que a obra vem recebendo. E, embora a primeira vista transmita um clima depressivo, recomendo a todos que buscam um verdadeiro tapa na cara com luva de pelica.

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