Crítica | Motel Destino é um neo noir sexy que nunca chega ao seu clímax
Gullane/Divulgação

Crítica | Motel Destino é um neo noir sexy que nunca chega ao seu clímax

“Quando o amor é invadido pelo medo, não é mais amor, é ódio”, escreveu James M. Cain em seu inesquecível e eterno romance noir “O Destino Bate à Sua Porta”, de 1934. O diretor Karim Aïnouz (“Vida Invisível”) retorna ao Brasil para sua terra natal, entregando uma versão queer do texto em Motel Destino.

O longa começa com uma explosão de energia e mistério, preparando o terreno para um promissor thriller neo-noir ambientado no vibrante cenário nordestino. O filme acompanha Heraldo (Iago Xavier) e seu irmão, cujos passatempos favoritos, como passeios à praia e práticas de capoeira, escondem seu lado sombrio como pequenos criminosos endividados com uma cafetina local. Sua última missão — um assassinato arriscado — os mergulha em um mundo de perigo e desespero.

Os irmãos são encarregados de assassinar um francês em troca da quitação de sua dívida. Antes da missão, Heraldo decide relaxar em uma boate, onde conhece uma mulher misteriosa que o leva ao motel que dá título ao longa. Na manhã seguinte ele acorda para descobrir que ela havia sumido, levando seu dinheiro e deixando-o trancado no quarto. Lá, ele encontra Dayana (Nataly Rocha), a co-proprietária do motel, que exige o pagamento pela estadia. Sem dinheiro, Heraldo promete pagar após completar o trabalho, mas ao sair do motel, descobre que chegou tarde demais. Sem ter para onde ir, ele retorna, oferecendo trabalho em troca de abrigo e comida.

O dia a dia no motel

A nova vida de Heraldo no motel está longe de ser simples. O prédio é uma representação metafórica de um labirinto — reforçado pela forma como o espaço é filmado —, repleto de salas de voyeurismo, vigilância por câmeras 24 horas e uma sensação constante de aprisionamento. Enquanto Heraldo navega por esse novo ambiente e anseia por escapar, ele se vê preso em um perigoso triângulo amoroso com Dayana e seu marido, Elias (Fábio Assunção), que é o co-proprietário do lugar.

As cenas iniciais do filme são eletrizantes, cheias de mistério e movimento. No entanto, uma vez que Heraldo se torna um residente permanente no motel, o ritmo desacelera drasticamente. A promessa de emoção dá lugar a cenas dele limpando, lamentando sua situação e envolvendo-se em um romance sem brilho com Dayana. Durante quase 90 minutos, a trilha sonora de gemidos e suspiros substitui o impulso narrativo, deixando o público a questionar a transformação de Heraldo — ou a falta dela.

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Apesar de um passado rico em potencial — pobreza, traumas de infância e uma vida de fuga —, o protagonista permanece praticamente inalterado até o final do longa. Em contraste, Dayana, que se move com uma confiança notável, emerge como uma personagem mais complexa e dinâmica. Desde o início, sua jornada é multidimensional, seus desejos e intenções são claros, e ela experimenta um crescimento genuíno ao longo do filme. Dayana, e Rocha, são os verdadeiros destaques de Motel Destino.

O roteiro frequentemente compromete sua própria lógica. Por exemplo, o local é equipado com câmeras de segurança, aumentando a sensação de vigilância e perigo. No entanto, no terceiro ato, esse elemento é inexplicavelmente abandonado, já que Heraldo e Dayana conduzem seu caso amoroso descaradamente à vista das câmeras. Essa conveniência narrativa impulsiona a ação de Elias, mas diminui a tensão e a credibilidade da história. Parece uma oportunidade perdida para uma resolução mais sutil.

Seu corpo suado e você por cima de mim

Apesar dessas falhas, a direção de Aïnouz e a cinematografia de Louvart são as maiores conquistas de Motel Destino. O design, o visual e a atmosfera do cenário são impressionantes — o clima suado e decadente é acentuado pelo uso de luz natural que destaca lindamente a pele brilhante dos personagens, fazendo-os parecer luminosos tanto sob o sol quanto sob as luzes de neon.

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O filme transforma os corredores em um local cheio de mistério e atração, reforçando a atmosfera erótica e de suspense. O trabalho magistral garante que os personagens e o cenário sejam visualmente cativantes, mesmo quando a narrativa vacila.

É sexy, mas poderia ser mais quente

Elias de Assunção é uma caricatura, um sudestino que se mudou para o nordeste, que precisa impor sua suposta autoridade aos cearenses que o cercam. O que, em mãos menos habilidosas, esse poderia ser um personagem tão caricatural, que afetaria diretamente nos rumos do longa. Por sorte, tanto o ator, quanto o diretor do projeto conduzem Elias de forma muito competente. Afinal, só em um filme brasileiro um antagonista poderia ser amedrontador enquanto canta “Pega o Guanabara”.

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A abordagem de Aïnouz não assume grandes riscos narrativos, optando por deixar os desejos de Elias pairarem na periferia. A tensão sexual ferve entre Heraldo e seus novos “anfitriões” durante tarefas administrativas específicas. Dayana raspa cocaína de saquinhos deixados para trás no quarto, tentando seduzir Heraldo enquanto eles trocam lençóis manchados de sêmen. Elias prefere o voyeurismo adolescente como um caminho para as roupas curtas de Heraldo, espiando os hóspedes durante um ménage à trois, com um homem no meio cujos gemidos o levam a testar limites.

Motel Destino e o cinema queer de Aïnouz

Motel Destino busca explorar temas de destino, sugerindo que os altos e baixos da vida unem e separam as pessoas de maneiras inesperadas, mas grande parte disso parece ser um enchimento que carece de ritmo até que seja tarde demais. Quando a história finalmente chega ao fim, o público é deixado com uma sensação de anticlímax.

Ainda assim, é um noir queer envolvente com Aïnouz retornando ao cinema com toques eróticos, evidenciado em trabalhos anteriores como “Madame Satã” e “Praia do Futuro”. O cineasta realmente consegue canalizar uma poesia sombria digna da prosa ameaçadora de Cain, deixando seu duo sobrevivente se divertindo na praia, onde eles parecem ter adquirido “Beijos com sonhos neles. Beijos que vêm da vida, não da morte”.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.