Crítica | Mountainhead é uma sátira sem graça onde os ricos e nós bocejamos
HBO Max/Divulgação

Crítica | Mountainhead é uma sátira sem graça onde os ricos e nós bocejamos

Jesse Armstrong, o criador da aclamada “Succession”, volta ao universo dos bilionários desconectados da realidade em Mountainhead, seu primeiro longa-metragem como diretor. A promessa era de um filme ácido, uma crítica afiada aos magnatas da tecnologia e sua influência nefasta no mundo. No entanto, o que se vê é um exercício de repetição cansativa, onde o diretor parece mais fascinado pelo objeto de sua sátira do que disposto a desmontá-lo de verdade.

Logo de início, o filme estabelece seu cenário: quatro bilionários se reúnem em um refúgio isolado para uma noite de pôquer enquanto, lá fora, o mundo colapsa devido a uma crise global causada por deepfakes de inteligência artificial. A premissa é interessante e atual, mas Armstrong não consegue extrair dela nada além do óbvio. Há momentos em que as falas até arrancam risos devido ao senso de ridículo que o filme sabe que não está tão distante do real. Mas a maioria cai no vazio, sem impacto ou originalidade.

A fotografia tenta compensar a falta de substância com um visual estilizado. Os ambientes são luxuosos, mas propositalmente frios, refletindo a alienação desses homens. A câmera muitas vezes os enquadra de forma claustrofóbica, como se estivéssemos presos na mesma bolha que eles. No entanto, essa escolha estética, embora coerente, não salva o roteiro de sua superficialidade. A montagem, por sua vez, oscila entre ritmos desencontrados — lenta demais nos momentos de debate filosófico entre os personagens, acelerada demais quando a tenta virar uma comédia de erros no terceiro ato.

As atuações são o que segura Mountainhead de desabar completamente. Steve Carell, no papel do bilionário mais “humanizado” do grupo, entrega um desempenho sólido, mesmo quando o material não o ajuda. Ramy Youssef e Jason Schwartzman também têm momentos engraçados, mas seus personagens são tão unidimensionais que fica difícil se envolver. O grande destaque fica com Cory Michael Smith, que consegue trazer uma energia imprevisível ao seu papel, mesmo quando o roteiro o reduz a um caricatura.

Crítica | Mountainhead é uma sátira sem graça onde os ricos e nós bocejamos
HBO Max/Divulgação

O maior problema do filme, porém, é sua falta de foco. A primeira metade funciona como um estudo de personagem, explorando como esses homens enxergam o mundo — uma visão distópica onde vidas humanas são apenas números em um jogo de poder. Há uma cena particularmente em que um deles discute a ética da inteligência artificial enquanto ajusta um travesseiro high-tech que monitora seu sono. A ironia é clara, mas Armstrong insiste tanto nesse tipo de piada que ela perde a força. Quando o filme tenta virar uma comédia sombria sobre um plano de assassinato desastrado, a transição é tão abrupta que parece que estamos assistindo a outra obra.

E é aí que Mountainhead mais decepciona: ele não tem coragem de ir até o fim. A sátira fica na superfície, repetindo clichês sobre bilionários egoístas sem acrescentar nada novo. Não há consequências reais para suas ações, nem um olhar verdadeiramente crítico sobre o sistema que os sustenta. Eles são apenas bonecos grotescos, e a graça de ridicularizá-los se esgota rápido.

O final, pelo menos, é coerente com o que vemos no mundo real. Sem revelar o que acontece, digamos apenas que os poderosos saem ilesos, e o público fica com a sensação de que nada realmente importa. É um desfecho que reflete nossa realidade, mas isso não o torna mais satisfatório como arte.

Confesso que nunca assisti Succession, mas pelo que ouço, a série consegue fazer o que Mountainhead não faz: humanizar seus personagens mesmo quando os condena. Aqui, Armstrong parece mais interessado em regurgitar manchetes sobre Elon Musk e Peter Thiel do que em criar algo verdadeiramente relevante. Até “Triângulo da Tristeza”, de Ruben Östlund — outro filme que critica os ricos de forma pouco sutil — pelo menos tinha um humor que funcionava de vez em quando.

Crítica | Mountainhead é uma sátira sem graça onde os ricos e nós bocejamos
HBO Max/Divulgação

Não me entendam mal: eu também acho que bilionários não deveriam existir. Mas isso não significa que qualquer obra que os ridicularize automaticamente merece aplausos. Mountainhead tem suas cenas divertidas e um ou dois momentos de lucidez, mas no geral, é um filme que não sabe pra onde quer ir. Se essa era a intenção — mostrar a incoerência desses homens —, então o tiro saiu pela culatra, porque o resultado é tão vazio quanto o mundo que ele tenta criticar.

Talvez um dia eu dê uma chance a Succession e entenda o fascínio que Armstrong exerce sobre tantos espectadores. Mas se Mountainhead é um exemplo do que ele tem a oferecer no cinema, meu entusiasmo não será tão grande. Afinal, se há uma coisa que esse filme prova, é que até a crítica mais bem-intencionada pode cair no mesmo poço sem fundo que ela tenta denunciar.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.