A animação brasileira vive um momento de efervescência criativa, mas ainda enfrenta o desafio de convencer o público de seu valor. Mundo Proibido, dirigido por Alê Camargo e Camila Carrossine, é mais uma prova de que o cinema nacional pode produzir obras visualmente deslumbrantes, embora nem sempre consiga equilibrar forma e conteúdo. O longa, uma aventura espacial infantojuvenil, acerta na estética e na homenagem às referências clássicas da ficção científica, mas tropeça na construção de personagens e no desenvolvimento emocional da trama.
Dizer que a animação nacional está em ascensão já virou lugar-comum, mas é difícil ignorar o salto técnico dos últimos anos. Mundo Proibido não foge à regra. Cada frame parece esculpido à mão, com uma paleta de cores que varia entre os tons terrosos de um planeta desértico e os azuis eletrônicos de estações espaciais futuristas. A direção de arte bebe de fontes óbvias — Star Wars, Guardiões da Galáxia, os gibis dos anos 50 e 60 — mas consegue imprimir uma identidade própria, especialmente nos designs dos personagens.
Fujiwara Manchester, com seu queixo quadrado e pose de galã espacial, é uma caricatura proposital do aventureiro clichê, enquanto Lydia Moshivah carrega uma elegância que a coloca como a verdadeira força da dupla. A animação em si é fluida, com sequências de ação coreografadas como se fossem cenas de blockbuster live-action. Há um cuidado visível com a física dos movimentos, seja no balé de uma nave desviando de meteoros ou no impacto de um soco durante uma briga de bar interplanetária.

Mas eis o problema: um filme não é feito apenas de quadros bonitos. A narrativa de Mundo Proibido gira em torno da busca por um tesouro cósmico, um mote simples o suficiente para servir de pano de fundo a grandes aventuras e, quem sabe, a grandes dramas. Fujiwara e Lydia são apresentados como um casal de exploradores que mal sobrevive às próprias escolhas irresponsáveis, mas a dinâmica entre eles nunca vai além do superficial.
Ele é o típico herói impulsivo, ela a parceira mais pé no chão — arquétipos que poderiam funcionar se o roteiro se dispusesse a questioná-los. Há um momento em que Lydia revela seu desejo de uma vida tranquila, longe da adrenalina das missões perigosas, enquanto Fujiwara ri da ideia de se tornar pai. É um conflito potencialmente rico, mas que é abandonado tão rápido quanto surge. Em vez de explorar essas fissuras, o filme prefere seguir para a próxima cena de explosões.
A chegada de Zi, uma criança órfã com poderes incendiários, deveria ser o catalisador para uma virada emocional. Afinal, histórias de famílias improvisadas no meio do caos são um prato cheio para desenvolvimento de personagem. Mas, novamente, a oportunidade escorre entre os dedos. Zi funciona mais como um acessório de trama do que como uma pessoa de verdade — ela está ali para desencadear certas ações, não para mudar ou ser mudada pelos protagonistas.
Quando o trio finalmente forma uma unidade, falta aquela química que faz o público torcer por eles. A comparação com “Os Incríveis” é inevitável: lá, cada membro da família tinha personalidade, conflitos e um arco claro. Aqui, temos apenas a sugestão de um vínculo, nunca sua realização.

E não é por falta de talento na dublagem. Shallana Costa empresta a Lydia uma voz cheia de personalidade, alternando entre sarcasmo e vulnerabilidade com naturalidade. Pierre Bitencourt, como Fujiwara, captura bem o tom do aventureiro folgado, mas charmoso. O problema é que o roteiro não lhes dá material suficiente para trabalhar. Até a nave Cara-de-Cavalo, com sua IA sarcástica (voz do próprio Alê Camargo), tinha potencial para roubar a cena—mas suas interações com a dupla são tão esparsas que, quando um momento dramático envolvendo ela finalmente acontece, a cena não ressoa.
A montagem prioriza o ritmo acelerado, o que funciona nas sequências de ação, mas prejudica os momentos que deveriam respirar. Uma cena em que Fujiwara e Lydia discutem seus futuros opostos poderia ter sido poderosa se o filme permitisse uma pausa no meio do caos. Em vez disso, a discussão é interrompida por uma perseguição, e o conflito nunca é retomado com a profundidade necessária. É como se os diretores tivessem medo de deixar o público entediado, mesmo quando a história pede um pouco de introspecção.
E então há as escolhas temáticas que deixam a desejar. Os nativos do planeta onde se passa a aventura são retratados como seres ingênuos, que veneram trens como deuses e vivem seminus — uma clara alegoria às culturas indígenas. Quando são “libertos” da ignorância, passam a usar roupas ocidentais, numa mensagem que, sem querer, ecoa a ideia colonialista de que progresso significa abandonar suas raízes. Seria mais interessante se o filme questionasse essa lógica, mas ele a trata como um desfecho natural, quase celebratório.

Nem tudo são tropeços, claro. Mundo Proibido acerta quando abraça sua veia de comédia. As piadas com frases em latim mal pronunciadas ou o vilão gigante que pode ser derrotado ao se desligar da tomada são genuinamente engraçadas, mostrando que os diretores não levam a si mesmos demasiado a sério. Há uma leveza autodepreciativa que lembra os melhores momentos de “Homem-Aranha: No Aranhaverso” — outra referência que parece ter inspirado o visual vibrante do filme.
Mundo Proibido deixa a impressão de uma equipe que ama cinema, mas ainda está aprendendo a contar histórias. A paixão pelo gênero transborda em cada frame, mas a narrativa carece da ousadia que poderia torná-la memorável. É um filme que parece satisfeito em ser divertido, quando poderia ser também emocionante. Talvez essa seja a questão central não só dele, mas de boa parte da animação brasileira atual: como transformar toda essa competência técnica em algo que, além de bonito, seja inesquecível? Como fazer com que personagens parem de ser esboços e se tornem pessoas? Mundo Proibido não responde a essas perguntas, mas pelo menos as coloca em evidência—e, num cenário onde muitos filmes nem sequer se preocupam com isso, já é um começo.
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