O cinema de Robert Eggers é, sem dúvida, um exemplo de apuro técnico. A atenção aos detalhes, a busca pela autenticidade histórica e o controle visual são marcas registradas do cineasta. Nosferatu, seu mais recente filme, não foge dessa assinatura. Desde os primeiros minutos, o espectador se vê imerso em um mundo gótico, meticulosamente recriado. A fotografia, as sombras e a direção de arte criam uma atmosfera densa, como se o próprio ambiente respirasse a escuridão do século XIX. No entanto, apesar desse acabamento refinado, há algo no filme que parece vazio, algo que falta para que a experiência se torne realmente memorável.
Eggers, mesmo tão novo, já se provou ser um mestre da estética. Ele constrói cenários que parecem saídos de um pesadelo, com uma iluminação que brinca com as sombras de maneira precisa, criando um jogo de luz e escuridão onde cada cena poderia ser uma pintura. A direção de arte, igualmente apurada, transporta o público para um universo claustrofóbico, com seus interiores empoeirados, ruas desertas e o próprio castelo de Orlok, que parece exalar a ameaça do sobrenatural.
A trilha sonora, composta por Robin Carolan, é um dos aspectos mais envolventes do filme. Seus acordes e sonoridades contribuem para a atmosfera opressiva e desconcertante, ampliando a sensação de perigo iminente que o filme tenta transmitir. O uso de sons agudos, quase cirúrgicos, e a alternância entre momentos de silêncio absoluto e explosões sonoras criam uma tensão palpável, mantendo o espectador à beira da ansiedade.
A beleza visual é inegável, mas, por mais que o filme se esforce para nos maravilhar com seus detalhes meticulosos, ele nunca consegue ultrapassar a camada superficial. E é aqui que Nosferatu falha: o apuro técnico não é acompanhado de profundidade emocional ou de uma narrativa que nos envolva de verdade.
É como se o filme fosse um verniz de prestígio, uma obra que brilha na forma, mas que esconde uma substância rasa. Eggers faz o que sabe fazer de melhor: compõe imagens e cria atmosferas de tirar o fôlego, mas isso não é suficiente para manter o interesse ao longo de todo o filme. A história, que se baseia no clássico de F. W. Murnau (1922), é recontada sem grandes ousadias. Falta ao filme a coragem de se arriscar, de se reinventar. Ao invés de subverter o material, como o próprio Werner Herzog fez em 1979, Eggers se apoia na estética, na recriação detalhada do terror gótico, e isso acaba tornando o filme previsível e, muitas vezes, entediante.
Esse problema é mais evidente quando olhamos para a maneira como o cineasta aborda temas centrais ao filme. A sexualidade, que foi uma das forças subjacentes no Nosferatu original de Murnau e que ganhou novas camadas na versão de 1979, surge de forma bastante tímida nessa nova revisão. O teor sexual, nesse contexto, deveria ser mais que um simples subtexto – ela deveria ser uma força disruptiva, uma tensão entre o desejo e o medo, ou qualquer nova camada que esse longa poderia trazer.
Eggers faz uma tentativa falha de explorar essa dualidade entre o desejo e o medo, em uma abordagem que não chega a ser provocativa nem reveladora. A tensão sexual entre Orlok (Bill Skarsgård) e Ellen (Lily-Rose Depp), por exemplo, está mais sugerida do que desenvolvida. A figura do vampiro, que historicamente é associada ao desejo e à corrupção sexual, aqui se apresenta como uma ameaça física, como um monstro qualquer, sem o mesmo magnetismo, sem o mesmo apelo visceral que torna vampiros seres tão únicos.
Em termos de direção de atores, o filme também falha em criar laços emocionais que sustentem o drama. Rose Depp, que entrega uma performance física intensa, se destaca ao capturar a fragilidade e o desespero de Ellen. No entanto, ela também está cercada por um elenco que parece não saber muito bem o que fazer com seus personagens. Nicholas Hoult, no papel de Thomas, é um tanto deslocado, sua atuação, embora eficiente em alguns momentos – a melhor cena, quando seu personagem conhece Orlok, é todo mérito dele – não há muita substância, ou impacto narrativo. Sua caracterização parece ser mais uma sombra do que uma presença autêntica. Willem Dafoe evidentemente está se divertindo, mas é apenas uma caricatura.
Já Bill Skarsgård, no papel de Conde Orlok, oferece uma atuação que se destaca mais pela sua voz do que pela presença física. Com um timbre rouco e quase gutural, ele constrói uma figura de mistério e ameaça através de uma vocalização carregada de tensão, que ecoa como uma presença incômoda muito antes de sua imagem surgir na tela. Mas, apesar dessa força vocal, a performance de Skarsgård acaba sendo ofuscada por um trabalho visual que, apesar de ousado, nunca nos permite sentir mais do que medo. Muito pouco para um personagem historicamente tão bem trabalhado na história do cinema, por criadores de escolas e períodos distintos.
No fundo, é isso o que incomoda. O filme tem o visual de um conto gótico antigo, mas sua alma parece desatualizada. Ele tenta se embrenhar nos corredores escuros da história, mas esquece de olhar para o que há ao redor, para as novas sombras que poderiam ser criadas. A tentativa de contar uma história clássica como se fosse uma novidade soa como uma promessa quebrada.
O Conde Orlok, figura central do filme, aparece como uma caricatura da própria ideia de monstruosidade. A iluminação, que antes parecia nos envolver, agora serve apenas para destacar o ridículo de um ser que não assusta. O vilão que deveria ser a representação do mal perde sua força na medida em que o filme o revela em toda a sua totalidade. Uma sombra que não se mexe mais, uma silhueta sem propósito.
E aí, surge a grande ironia de Nosferatu: ele não consegue ser nem o que era, nem o que poderia ser. A promessa de um filme de terror gótico e sensual se esvai na previsibilidade de seus próprios passos. As imagens de tormento, de desejos reprimidos, de corpos que se transformam, se perdem em um vazio. A sexualidade, esse aspecto vital do gênero, é tratada como um ornamento, sem profundidade, sem perigo. O filme se recusa a dar espaço para o que poderia ser inquietante e perturbador.
Mas, ao mesmo tempo, não podemos deixar de admirar a forma como o filme se comporta. Ele é, sem dúvida, belo. A luz, a escuridão, a arquitetura; tudo ali nos convida a olhar para o vazio, mas também nos faz perceber o quanto ele não está ocupado. Fica claro que Eggers, embora técnico e preciso, não soube preencher os espaços que seu próprio filme criou.
Esse novo Nosferatu tenta nos seduzir com a promessa de algo novo, mas, em vez disso, nos oferece o mesmo olhar antiquado que já vimos. A metáfora do vampiro, que se alimenta da vida dos outros, é talvez a mais adequada aqui. O filme se alimenta do que já foi feito, mas não consegue se transformar no que poderia ser. E assim, ao nos afastarmos das sombras, percebemos que a grande lição de Nosferatu não está no que ele revela, mas no que ele esconde. A verdadeira ameaça não está naquilo que vemos, mas naquilo que esperamos ver e não encontramos.
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