A palavra “brutalismo” traz à mente uma estética rigorosa e intransigente, um estilo arquitetônico que, em sua essência, abraça o funcionalismo sem qualquer concessão à suavidade. Em O Brutalista, o cineasta Brady Corbet parece querer refletir essa mesma dureza não só em sua escolha visual, mas também em suas escolhas narrativas e temáticas, oferecendo ao público uma história que busca desafiar as convenções do épico hollywoodiano, mas que, na prática, cai nas armadilhas do seu próprio formalismo excessivo.
O se filme inicia com uma sequência de planos longos e imersivos, como se o diretor desejasse conduzir o espectador por uma paisagem claustrofóbica, na qual a imagem da Estátua da Liberdade de cabeça para baixo serve como um símbolo inicial, ousado, mas um tanto forçado.
Essa inversão da figura clássica da liberdade já soa como um gesto caricato de quem deseja marcar seu filme com uma crítica explícita ao “sonho americano”. No entanto, em sua busca por um grande conceito, Corbet não consegue transformar essa crítica em algo mais sutil e revelador, mas apenas em um reflexo superficial e um tanto vazio de um discurso que já havia sido esgotado por outras obras.
O personagem central do filme, László Tóth, vivido por Adrien Brody, é um arquétipo clássico do imigrante que busca uma identidade dentro de uma América em crise. Mas o que poderia ser uma jornada de autodescoberta e conflito pessoal se torna uma alegoria problemática, como se Corbet estivesse mais interessado em preencher as lacunas de sua própria narrativa autoral com referências literárias, culturais e sociais do que realmente aprofundar-se na humanidade de seu protagonista. O resultado é um filme que se orgulha de suas camadas de significado, mas se esquece de olhar para dentro delas, tornando-se algo em que o público precisa estar constantemente vigilante, como se o simples ato de reconhecer suas referências fosse o suficiente para proporcionar uma experiência de profundidade intelectual.
E é exatamente nessa tentativa de imersão que o filme começa a tropeçar. Se em seu formato O Brutalista é notavelmente ousado, com seu uso do VistaVision e a produção grandiosa, ele rapidamente se perde na própria busca pela autenticidade e “profundidade” — um desejo muito mais visível no excesso de recursos do que no trabalho de construção dramática.
O que Corbet tenta criar é um épico que se distancia dos padrões mais típicos de Hollywood, mas, em última instância, ele acaba sendo um filme que tenta ser excessivamente “sério”, quase pedante. O uso do brutalismo como metáfora de uma América endurecida e opressiva surge de forma direta, mas não consegue alcançar a complexidade de uma reflexão mais refinada. O filme se agarra a essa alegoria de maneira tão óbvia que a simetria entre as escolhas estéticas e a narrativa chega a ser desconcertante.
Há um claro desejo de elevar o filme a um patamar mais alto, quase como uma obra que pretende reivindicar a arte por meio de sua própria grandiosidade. O problema é que O Brutalista não faz muito além de exibir suas próprias ambições. Corbet é um cineasta que demonstra uma habilidade técnica formidável, mas a constante tentativa de mostrar o quanto seu trabalho é diferente e subversivo acaba prejudicando o peso emocional da história.
Por exemplo, a cena de jantar no último ato do filme — que deveria ser o clímax de toda a narrativa — soa como um exercício de exibicionismo estilístico. Cada linha de diálogo e cada gesto dos personagens parecem cuidadosamente planejados para nos forçar a enxergar a importância e o conflito da cena. No entanto, no fim, tudo se resume a uma tentativa frustrada de vender uma ideia sem que ela tenha sido realmente desenvolvida de maneira sensível ou honesta.
Além disso, a falta de sutileza no tratamento das questões judaicas ao longo do filme também é algo que não passa despercebido. Ao tentar refletir sobre a experiência judaico-americana, O Brutalista acaba caindo no erro de reduzir esse tema a uma alegoria sobre a arte e sua repressão, como se a metáfora da assimilação judaica fosse apenas uma extensão da busca pela aceitação em um sistema artístico fechado e elitista.
A forma como o filme se apropria dessas questões, sem demonstrar uma real compreensão da profundidade histórica e cultural envolvida, soa mais como um jogo intelectual vazio do que uma reflexão genuína.
O desempenho de Brody é, sem dúvida, uma das forças do filme, embora seu personagem, László, seja pouco mais do que uma caricatura do imigrante atormentado. O ator faz o melhor possível para preencher as lacunas desse personagem, mas a estrutura do roteiro e a direção de Corbet não lhe dão o material necessário para realmente criar uma conexão emocional com o público. Guy Pearce e Felicity Jones, ambos entregando performances tão estilizadas quanto as de Brody, acabam se tornando figuras secundárias em uma história que parece mais obcecada por seus próprios simbolismos do que pelos personagens que a sustentam.
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No entanto, a segunda metade do filme é onde os maiores problemas começam a surgir. A jornada de decadência e desconstrução da ideia do “sonho americano” — uma exploração das consequências de um sistema opressor e destruidor — vai se transformando em um amontoado de cenas forçadas que distorcem a ideia central em prol de uma dramatização exagerada.
Em muitos momentos, o filme se aproxima da sensação de uma novela, com acontecimentos grandiosos e melodramáticos que parecem muito mais uma busca pela grandeza” do que uma expressão genuína de emoção ou verdade. E, ainda assim, a tensão nunca se resolve; o filme continua a esticar sua narrativa até que os arcos dos personagens se tornam irrelevantes, se perdendo em um mar de excessos.
Outro ponto que merece destaque é o tratamento da questão israelense no filme. O Brutalista se dedica a abordar as questões relacionadas ao sionismo e à experiência dos judeus após o Holocausto, mas o faz de maneira rasa e inapropriada. O filme tenta pintar um quadro de Israel como um refúgio seguro, mas não vai além da superfície de uma visão maniqueísta que não consegue capturar as complexidades políticas, sociais e históricas do lugar. Ao colocar o Estado de Israel em uma posição de salvador — sem explorar as contradições e tensões internas desse movimento — o filme acaba sendo redutor, desconsiderando as profundezas do tema que tenta explorar.
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Em seu conjunto, O Brutalista apresenta como um filme ambicioso, com um grande escopo e uma gama de ideias potencialmente interessantes. No entanto, sua execução deixa muito a desejar. Corbet, como cineasta, demonstra talento, mas sua insistência em enredar seu filme em camadas de formalismo e alegorias sem realmente permitir que a história se respire ou se desenvolva de maneira orgânica faz com que sua obra perca o impacto que poderia ter. O filme tenta ser grandioso, carregando um peso de significados e metáforas, mas, ao fazer isso, se distancia de seu verdadeiro impacto.
O resultado é uma obra que fala de suas ambições sem conseguir concretizá-las de maneira satisfatória. O que se apresenta como uma tentativa de refletir sobre o brutalismo e as questões de identidade e sobrevivência no cenário americano acaba sendo, na prática, um exercício vazio de grandiosidade. Assim como a arquitetura brutalista, o filme é rígido, imponente, mas desprovido de calor humano.
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