Crítica | O Intruso é uma jornada sexual, política e… confusa
A/POLITICAL/Divulgação

Crítica | O Intruso é uma jornada sexual, política e… confusa

Bruce LaBruce, o cineasta canadense que nunca recua diante de um tabu, está de volta com O Intruso, um filme que promete ser tudo menos convencional. Inspirado no clássico “Teorema” (1968), de Paolo Pasolini, o longa se propõe a explorar temas como xenofobia, identidade sexual e conflitos de classe, tudo isso envolto em uma narrativa que beira o pornográfico. Sim, você leu certo: pornográfico. E não estamos falando de insinuações sensuais ou cenas de sexo implícitas, mas de uma abordagem explícita que, em alguns momentos, faz você se perguntar se está assistindo a um filme ou a um festival de genitálias em close-up.

A premissa é intrigante: um visitante misterioso, interpretado por Bishop Black, invade a vida de uma família rica e, através de encontros sexuais com cada um dos membros, desencadeia uma série de transformações pessoais e sociais. A ideia, em tese, é brilhante. Afinal, quem não gosta de uma boa história sobre como o sexo pode ser revolucionário? Mas, como diria um amigo meu, “a estrada para o inferno está pavimentada de boas intenções”. E, O Intruso, infelizmente, tropeça em várias dessas pedras ao longo do caminho.

Vamos começar pelo que funciona. LaBruce é um mestre em criar imagens que grudam na sua retina – e, às vezes, na sua alma. A cena inicial, em que o visitante emerge nu de uma mala flutuando no rio Tâmisa, é visualmente deslumbrante. A combinação de cores vibrantes, sons eletrizantes e a atmosfera quase mística fazem você acreditar, por alguns instantes, que está diante de uma obra-prima. A fotografia, aliás, é um dos pontos altos do filme. Cada quadro parece cuidadosamente composto, com tons pastéis que contrastam com a crueza das cenas de sexo. É como se LaBruce dissesse: “Olha, isso pode ser pornô, mas é um pornô chique”.

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O problema é que, depois de um tempo, a repetição dessas cenas começa a cansar. Sim, entendemos que o sexo é revolucionário. Sim, entendemos que o visitante está ali para desafiar as normas sociais. Mas, depois da quinta cena de sexo explícito, você começa a se perguntar se realmente precisava ver tudo isso. E pior: se o filme não poderia ter explorado esses temas de uma forma mais… sutil.

Falando em sutileza, é aqui que O Intruso mais peca. LaBruce, conhecido por suas provocações, parece ter decidido que, desta vez, menos é menos. As mensagens políticas são entregues de forma tão explícita quanto as cenas de sexo, com cartões de título gigantescos que aparecem na tela com frases como “Foda-se o colonizadoe!” e “anarquia sexual no Reino Unido”. É como se o diretor estivesse gritando no seu ouvido: “Ei, você está entendendo a mensagem, né?!” Sim, Bruce, estamos entendendo. Mas isso não significa que precisamos ser tratados como alunos de uma aula de política básica.

Um dos momentos mais constrangedores do filme é a cena do jantar, em que os personagens fazem “confissões” que soam mais como discursos de palanque do que diálogos orgânicos. Nenhum dos atores consegue vender essas falas, e o resultado é uma sequência que ao invés de provocar alguma reflexão, na verdade, só me deu vontade de pular para a próxima cena. É uma pena, porque a ideia por trás desses monólogos – explorar as contradições da sociedade contemporânea – é válida. Mas a execução deixa a desejar.

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Outro ponto que divide opiniões é a fetichização racial. O visitante, um homem negro, é retratado como uma figura quase divina, capaz de “curar” a família branca através do sexo. Por um lado, isso pode ser visto como uma subversão dos estereótipos que associam refugiados à violência. Por outro, corre o risco de perpetuar a ideia de que corpos negros existem apenas para servir aos desejos e necessidades dos brancos. É uma linha tênue, e LaBruce, infelizmente, não consegue caminhar por ela com a delicadeza necessária.

Mas nem tudo está perdido. Há momentos em que O Intruso brilha, especialmente quando LaBruce permite que a narrativa respire. As sequências finais, por exemplo, são surpreendentemente poéticas, com uma beleza visual que contrasta com a crueza do restante do filme. É nessas horas que você percebe o potencial da história e lamenta que ele não tenha sido explorado de forma mais consistente.

E, claro, não podemos ignorar o humor. Sim, há humor no filme, mesmo que seja do tipo “eu não acredito que estou vendo isso”. A cena em que um personagem transa com a letra “L” da palavra “Capitalismo” é tão absurda que chega a ser genial. É o tipo de coisa que só LaBruce conseguiria fazer funcionar – ou quase funcionar.

No final das contas, O Intruso é um filme que tenta ser muitas coisas ao mesmo tempo: uma crítica social, uma homenagem a Pasolini, um experimento visual e, claro, um filme pornô. E é justamente essa ambição excessiva que acaba sendo sua ruína. LaBruce, que já nos presenteou com obras incríveis como “Gerontophilia” e “Saint-Narcisse”, parece ter se perdido em suas próprias provocações desta vez.

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Mas, mesmo com todos os seus defeitos, O Intruso não deixa de ser uma experiência única. É o tipo de filme que você ama odiar – ou odeia amar. Talvez seja isso que LaBruce queria: provocar. Porque, depois de assistir a essa jornada sexual, política e, às vezes, confusa, é impossível sair ileso. LaBruce quer nos transformar, mesmo que seja à força.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.