A história do cinema está repleta de remakes que tentam, a todo custo, justificar sua própria existência. Seja através de um visual repaginado, de uma abordagem mais sombria ou de uma pretensa “atualização” temática, muitos refilmam com a solenidade de quem corrige um erro do passado. O novo Anaconda, dirigido por Tom Gormican (“O Peso do Talento”), faz o caminho diametralmente oposto. Ele parte do pressuposto de que ninguém precisava de uma nova versão de um thriller tosco dos anos 1990, mas entende que, se vai existir, o melhor caminho é transformar essa pergunta em piada. Seu maior mérito não está em reinventar o passado, mas em reconhecê-lo, rir dele e, principalmente, rir de si.
O Anaconda original, de 1997, ocupa hoje um lugar curioso na memória cinéfila. Pensado como um filme de terror e sobrevivência, acabou se tornando cult justamente por seus excessos, por efeitos especiais pouco convincentes e por uma seriedade que nunca combinou com uma cobra gigantesca atacando pessoas na selva. O novo filme compreende esse legado e toma uma decisão fundamental em abandonar quase por completo o terror e se apropria daquilo que sempre esteve ali, ainda que de forma involuntária – o humor. Essa escolha não é apenas de tom, mas de estrutura narrativa, de encenação e até de linguagem cinematográfica.
Gormican, cineasta que já havia demonstrado interesse por metalinguagem e autorreferência em O Peso do Talento, constrói, em seu novo longa, uma comédia de ação consciente do próprio artifício. A trama acompanha um grupo de amigos em crise de meia-idade que decide refilmar, de maneira amadora, seu filme favorito: Anaconda.
Essa decisão transforma o longa em um buddy movie clássico, subgênero calcado na dinâmica entre personagens, no contraste de personalidades e na química do elenco. Aqui, a amizade entre Doug, vivido por Jack Black, e Griff, interpretado por Paul Rudd, é o eixo central da narrativa. A relação dos dois não serve apenas como motor emocional, mas como comentário sobre frustrações pessoais, sonhos abandonados e a dificuldade de aceitar o tempo passando.

A direção de Gormican aposta em uma encenação funcional, sem grandes ousadias visuais, mas muito consciente do ritmo cômico. A câmera raramente tenta criar tensão genuína; ao contrário, muitas vezes se posiciona de maneira a antecipar o absurdo da situação. Esse é um ponto importante; o filme não quer enganar o espectador, não tenta criar sustos elaborados nem simular perigo real. Quando a ameaça surge, ela é imediatamente filtrada pelo exagero, pela reação desproporcional dos personagens e pela encenação quase cartunesca. É um cinema que entende que o riso nasce menos da surpresa e mais da confirmação do que já esperamos que aconteça.
A montagem acompanha esse espírito. O ritmo é acelerado, mas não frenético, permitindo que as piadas respirem e que o timing cômico funcione. Há uma preocupação clara em não deixar o filme se arrastar, mesmo quando a narrativa entra em situações repetitivas. Isso se reflete na alternância entre momentos de improviso verbal, típicos de Jack Black, e reações mais contidas, porém igualmente engraçadas, de Paul Rudd. A edição sabe quando segurar um plano para explorar o constrangimento e quando cortar rápido para potencializar o efeito do absurdo.
Do ponto de vista técnico, a fotografia não busca naturalismo nem realismo documental da Amazônia. Pelo contrário, a selva é filmada como um grande palco. A iluminação é limpa, muitas vezes artificial, reforçando a sensação de que estamos assistindo a um filme sobre fazer um filme. Essa escolha pode frustrar quem espera uma ambientação mais densa ou ameaçadora, mas faz todo sentido dentro da proposta. A selva aqui não é um espaço de horror, e sim de descontrole narrativo, onde tudo pode dar errado – e geralmente dá.
Os efeitos visuais, especialmente na construção da cobra, cumprem um papel curioso. Eles não são particularmente impressionantes, mas tampouco tentam ser. A criatura é suficientemente artificial para nunca ser levada a sério como ameaça. Esse distanciamento elimina qualquer possibilidade real de suspense, mas fortalece a comédia. Ao não investir em realismo, o filme reforça a ideia de que o perigo não está na cobra em si, mas nas decisões idiotas dos personagens e na insistência em levar adiante um projeto fadado ao fracasso.
O elenco sustenta essa proposta de embarcar na piada. Jack Black entrega exatamente o que se espera dele: energia exagerada, expressividade corporal e um humor que beira o infantil, mas que funciona pela honestidade. Paul Rudd atua como contraponto, mais contido, quase um observador incrédulo do caos ao seu redor, potencializando as cenas em dupla.
Steve Zahn encontra espaço para recuperar um tipo de humor escrachado que sempre foi uma de suas marcas – mesmo com pouco tempo de tela, ele sempre se destacava –, enquanto Thandiwe Newton, apesar de subaproveitada, oferece uma presença que ajuda a equilibrar o grupo, ainda que seu arco narrativo seja menos desenvolvido.
O grande destaque, no entanto, é Selton Mello. Seu personagem, Santiago, não é uma participação pontual ou decorativa. Ele é integrado à narrativa de forma orgânica, com função dramática clara e tempo de tela suficiente para se destacar. Selton compreende perfeitamente o tom do filme e entrega uma atuação que transita entre o carisma, o exagero e até mesmo uma melancolia discreta, sempre a serviço da comédia. Sua presença adiciona uma camada interessante à relação do filme com o Brasil, fugindo de estereótipos e apostando em humor de situacional.

No fundo, Anaconda funciona como uma crônica sobre um tipo de cinema que parece cada vez mais menos comum: aquele que não se sente obrigado a ser importante. O filme ri da nostalgia, da obsessão por remakes e até da própria indústria que o produziu, incluindo piadas direcionadas à lógica dos estúdios e à necessidade constante de justificar cada projeto. Ao fazer isso, encontra uma liberdade narrativa que muitas superproduções contemporâneas parecem ter perdido.
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