Crítica | Os Sonhos de Pepe: Mujica, a política simples e as falhas de mensagem

Crítica | Os Sonhos de Pepe: Mujica, a política simples e as falhas de mensagem

Quando Os Sonhos de Pepe, documentário de Pablo Trobo sobre o ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica, começa, logo somos bombardeados por imagens que mais lembram aqueles filtros exagerados de Instagram de antigamente. A fotografia, com seus efeitos forçados e edições toscas, dá uma sensação de desconforto. Não é uma escolha ousada ou algo feito para provocar, mas sim uma falha técnica que acaba prejudicando a experiência. A montagem, com colagens de imagens, além de desnecessária, soa artificial. E a trilha sonora, que poderia ser o ponto alto, não ajuda, mais atrapalha. A música sinfônica, por mais grandiosa que seja, não combina nada com o tom desse documentário. Ou seja, o filme acaba falhando na primeira impressão.

Porém, é impossível não notar a figura de Pepe Mujica, o “presidente filósofo”, que se distorce do padrão de líder global. Ao longo do filme, Mujica se mostra um homem cheio de princípios, preocupado com a crise climática, a desigualdade do capitalismo e os efeitos da globalização. Suas reflexões sobre o papel dos governos em relação a um sistema financeiro que os controla trazem algo mais do que política: ele fala sobre um retorno ao essencial, aos valores que deveriam guiar a política, mas que muitas vezes ficam esquecidos, atropelados pelos interesses financeiros.

Crítica | Os Sonhos de Pepe: Mujica, a política simples e as falhas de mensagem

É aí que Os Sonhos de Pepe encontra seu verdadeiro valor. O filme tem uma grande mensagem, que vai além de um simples registro sobre o ex-presidente: ele é um convite para pensarmos no nosso papel no mundo. Quando Mujica diz que “os presidentes fazem o que podem, e os Estados Unidos são o lugar onde eles podem menos”, fica claro que o documentário não quer só explorar o Uruguai, mas sim o papel de Mujica na política mundial. Ele, um ex-presidente de um pequeno país, se tornou uma figura global, e o filme busca mostrar isso, algo muito maior do que suas ações dentro do seu próprio país.

O problema, porém, é que o foco do filme acaba sendo um pouco errado. O Uruguai, suas políticas internas e sua gente aparecem pouco. O documentário prefere mostrar Mujica como uma figura de importância mundial, como se ele fosse um messias político capaz de inspirar uma geração inteira. Mas, enquanto o filme tenta apresentar Mujica como um herói internacional, ele esquece de retratar o que realmente ele significa dentro da realidade de seu país, o que acaba tirando um pouco da sinceridade da mensagem.

A tentativa de tornar Mujica ainda mais grandioso com uma trilha sonora exagerada também enfraquece o documentário. A música, sempre que ele se encontra com outros líderes internacionais, sobe e fica quase épica, mas isso só torna tudo cansativo — e cafona, convenhamos.

À medida que o filme avança, o truque da música vai perdendo seu impacto, tornando-se repetitivo e até um pouco irritante. Mujica, em seus discursos, está longe de querer se engrandecer; ele busca uma política mais simples e verdadeira, mais próxima das pessoas. No entanto, o filme acaba elevando sua imagem, o que vai contra tudo o que ele defende.

Mas o documentário não é todo ruim. Quando Trobo se desvia da música exagerada e da fotografia artificial, ele faz boas escolhas criativas. Algumas edições rápidas de paisagens urbanas, por exemplo, ilustram as palavras de Mujica de forma bem poética. Esses momentos fazem o filme respirar, porque não buscam esconder a mensagem, mas sim explicá-la de forma acessível. Essas intervenções artísticas, como a inserção de CGI em uma cena específica, podem parecer estranhas, mas têm um propósito: ajudar a entender a filosofia de Mujica de maneira simples, sem pretensão.

Crítica | Os Sonhos de Pepe: Mujica, a política simples e as falhas de mensagem

Essas escolhas criativas, apesar de ousadas, acabam funcionando porque estão alinhadas com a proposta de Mujica, que sempre busca tornar a política algo mais tangível para o povo, não algo distante ou difícil de entender. O que Trobo acerta aqui é a forma como ele se aproxima de Mujica sem querer ofuscar sua mensagem com efeitos ou truques visuais. É um documentário simples, mas eficaz, que não tenta ser grandioso, mas que cumpre bem seu papel de transmitir uma ideia importante.

Os Sonhos de Pepe é um filme que falha em seus aspectos técnicos, mas acerta na mensagem. A figura de Mujica, com suas palavras simples e sinceras, se destaca, mesmo diante de uma produção técnica abaixo das expectativas. É um documentário sobre as ideias que ele traz para o público. E essas ideias são essenciais, especialmente no momento atual, em que precisamos de vozes que nos lembrem do que realmente importa: uma política mais humana, mais voltada para o bem-estar das pessoas e não dos mercados.

A mensagem de Mujica, ao fim de tudo, é clara e poderosa. Ele pede por um mundo mais justo, mais focado nas necessidades reais das pessoas, e não nas demandas do capitalismo global. E, apesar das falhas no formato e na estética do filme, é essa mensagem que faz o documentário relevante. Os Sonhos de Pepe nos lembra que, por trás de toda a grandiosidade e dos efeitos, o que realmente importa é o que temos a dizer e como podemos, juntos, mudar o rumo do mundo.

Leia outras críticas:

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.