Paddington – Uma Aventura na Floresta nos leva de volta ao mundo do nosso ursinho favorito, dessa vez trocando as ruas chuvosas e nostálgicas de Londres por um cenário exuberante e vibrante: o Peru. Mas, mais do que simplesmente deslocar o ambiente físico, o filme nos propõe uma mudança na maneira como vemos os valores da franquia. Não é mais apenas sobre a história de um ursinho que se perdeu de sua família e encontrou um lar em uma cidade distante. Agora, a trama se expande para um arco de descoberta de origem, onde o conceito de família é desafiado e reconfigurado, com um toque de aventura que lembra o melhor dos filmes de exploração e tesouros.
Desde que a franquia começou, com “Paddington” em 2014, as produções têm conquistado corações não só pela sua simplicidade encantadora, mas também pela sua habilidade de capturar a essência do que é viver em um mundo desafiador, mas cheio de bondade e empatia. Uma Aventura na Floresta mantém essa fórmula, mas com um passo à frente: ao transitar por um novo cenário e novos desafios, ele também nos convida a refletir sobre o pertencimento, as escolhas que fazemos ao longo da vida e a nossa capacidade de criar uma nova família, independentemente de onde viemos.
Novo cenário

O Peru, com suas paisagens imponentes e sua cultura rica, poderia facilmente roubar a cena, ofuscando o encanto que Londres sempre teve nas duas produções anteriores. Afinal, como manter o charme de uma cidade que, em grande parte, foi construída com base no toque de uma cidade que nunca dorme? Londres sempre foi mais do que um simples cenário, ela foi parte do coração da narrativa. Foi lá que Paddington foi acolhido, uma cidade que, de maneira simbólica, representava um ponto de partida para aqueles que, como o pequeno ursinho, precisavam de um lugar para chamar de lar.
E é aqui que Paddington – Uma Aventura na Floresta se mostra inteligente. Mesmo estando longe da cidade, o espírito londrino nunca se ausenta completamente. Os membros da família Brown, com seus traços britânicos inconfundíveis, continuam a manter as tradições que remetem à Londres: o ritual do chá, as expressões de polidez inatas, a natureza cuidadosamente contida, apesar da desordem interna que representa a verdadeira dinâmica familiar. Mesmo quando o filme nos coloca no meio das selvas peruanas, Paddington, com seu jeito educado e otimista, ainda representa aquele britânico típico, talvez até um pouco exagerado em sua educação, mas ainda assim uma parte inalienável do filme.
Entretanto, o Peru traz suas próprias complexidades. O terceiro filme se distancia do foco na cidade e amplia a perspectiva para questões mais globais, como a migração e o sentido de pertencimento. Não é por acaso que o filme começa com Paddington e sua família indo atrás de sua Tia Lucy, em uma terra distante. O simples fato de ir em busca de um parente perdido simboliza o movimento migratório. Ao longo do filme, Paddington tenta entender se é possível pertencer a dois lugares simultaneamente, ou se, ao buscar suas origens, ele se perderia do que construiu em Londres. Como em qualquer história de migração, é um movimento entre o antigo e o novo, entre o conhecido e o desconhecido, e Uma Aventura na Floresta lida com essa transição de maneira profunda, mas sem perder seu tom leve e acolhedor.
Novos Personagens
Um ponto que se destaca é a introdução de Antonio Banderas no papel de um misterioso capitão de navio. Banderas, sempre carismático, parece um pouco deslocado na trama. A princípio, seu personagem parece carregar consigo uma energia que não se encaixa perfeitamente com o tom alegre e inocente do filme. Sua presença é forte, mas sua atuação não consegue atingir a leveza necessária para se integrar plenamente à natureza do universo Paddington. Não é tanto uma questão de talento, mas sim de um casting que, em termos de química com o resto do elenco, não parece encaixar de maneira natural. No entanto, a função do personagem na trama é clara: ele serve como uma representação para a complexidade do caminho que Paddington percorre. Ele, assim como o próprio Peru, representa um território desconhecido e muitas vezes imprevisível.
Por outro lado, Olivia Colman, no papel da Reverenda Madre excêntrica, se torna o destaque da produção. Colman, que já é amplamente reconhecida por seu timing cômico excepcional, se entrega à sua personagem com uma energia vibrante. Sua performance é irreverente, exagerada na medida certa e irrepreensível no humor. Como em sua atuação em “A Favorita”, ela demonstra uma versatilidade impressionante ao dar vida a um personagem que, apesar de sua natureza caricata, possui uma humanidade que a torna cativante. O número musical em que ela se entrega completamente é uma das cenas mais memoráveis do filme e mostra o quanto ela tem se consagrado como uma das grandes comediantes da sua geração.

Diversidade e Empatia
Enquanto Paddington, como sempre, é o centro das atenções, o novo filme também brilha quando se trata da família que o acolhe. Emily Mortimer, substituindo Sally Hawkins, dá vida a uma Sra. Brown mais introspectiva, mas igualmente dedicada à sua família. A dinâmica familiar é um dos pilares do filme, e, ao contrário do que alguns podem esperar com uma troca de atriz, Mortimer consegue captar o espírito da personagem, trazendo para a tela uma mulher forte, que lida com a dor do crescimento e da separação dos filhos. A transição do público de Sally Hawkins para Mortimer é suave, e sua interpretação se encaixa bem na proposta da história: uma família que, apesar das mudanças, permanece unida por amor e empatia.
E é essa empatia, o entendimento da dor alheia, que define a alma de Uma Aventura na Floresta. Não importa onde a trama se desenrole, o que se destaca em cada cena é a noção de que uma verdadeira família não é necessariamente formada por laços de sangue. A verdadeira família é escolhida. Em um mundo cada vez mais globalizado, onde as fronteiras entre países e culturas se tornam mais fluidas, Paddington nos lembra que nossa família pode ser feita de pessoas que compartilham amor e compreensão, independentemente de onde vêm.
Dougal Wilson, o diretor que substitui Paul King, enfrenta o desafio de manter a identidade visual da franquia enquanto introduz novas perspectivas. O filme é visualmente deslumbrante. As locações no Peru, com sua vegetação exuberante, montanhas majestosas e construções que refletem as antigas civilizações, contrastam com a vida cotidiana londrina dos filmes anteriores. O uso da animação também continua impecável. Paddington, com sua cara redonda e expressão ingênua, se encaixa perfeitamente nos novos cenários, criando um contraste visual que só aumenta o impacto de sua história.

A escolha de não filmar no Peru, mas ainda assim capturar a essência de suas paisagens, mostra o cuidado dos cineastas em tratar as referências culturais com respeito e sensibilidade. A mistura de elementos da cultura peruana, como as palavras em quechua e as referências aos costumes locais, reforça o aspecto simbólico de Paddington como um personagem que, apesar de ser um migrante, é sempre receptivo a novas culturas. No entanto, a crítica sobre a falta de filmagens no próprio Peru também é válida. Ao não filmar em locais reais, o filme acaba criando uma versão idealizada do país, algo que pode incomodar aqueles que esperavam uma representação mais fiel. Mas isso não diminui o impacto emocional da história.
Paddington se consilida como uma franquia consistente
Paddington – Uma Aventura na Floresta é uma continuação encantadora da franquia, mas também uma obra que sabe reconhecer as próprias limitações. Embora não alcance o incrível resultado de “Paddington 2”, ele ainda se mantém firme como uma adição que vale a pena se visto. O filme pode até não superar a excelência dos anteriores, mas é tão recheado de carinho e boas intenções que se torna impossível não se apaixonar novamente pelo ursinho de pelúcia que, mesmo perdido, sabe sempre como encontrar seu caminho de volta para a felicidade.
Assim como Paddington, todos nós temos a capacidade de criar uma família, de nos conectar com aqueles que compartilham os mesmos valores, e de encontrar um lar onde nos sentimos amados. Não importa o lugar de onde viemos, o importante é o lugar para onde vamos, e onde, de fato, pertencemos. No caso de Paddington, a resposta está onde ele sempre soube que estaria: com a família Brown, em Londres. E para nós, a lição que fica é que, por mais que busquemos novos horizontes, sempre há algo de especial em nossas origens, que nos chama de volta. A verdadeira aventura é saber que, por mais longe que possamos ir, a nossa casa está onde nos sentimos mais amados.
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