Crítica | Quarteto Fantástico: Primeiros Passos: Entre o deslumbramento e a tímida tentativa de reinvenção do MCU
Marvel Studios/Divulgação

Crítica | Quarteto Fantástico: Primeiros Passos fica entre o deslumbramento e uma tímida reinvenção do MCU

O que se esperava de Quarteto Fantástico: Primeiros Passos era nada menos que um novo marco para o Universo Cinematográfico Marvel (MCU). Afinal, depois de mais de uma década de histórias épicas e universos paralelos, a chegada da primeira família dos quadrinhos parecia ser a oportunidade perfeita para a Marvel expandir seus limites. O filme dirigido por Matt Shakman, que já trazia com ele o frescor de “WandaVision”, prometia algo de grandioso, não só nas dimensões físicas, mas também narrativas, emocionais e estéticas. E, de fato, ao longo de quase duas horas, o longa acerta em alguns pontos, mas falha em outros, deixando uma sensação de que os Primeiros Passos nem sempre chegam a ser aqueles tão necessários.

Desde o início, uma das qualidades mais impressionantes de Primeiros Passos é sua direção de arte. A Nova York retrô-futurista que a equipe design de produção e direção de arte apresentam, cheia de arranha-céus futuristas e carros voadores, é um banquete visual. O filme claramente faz questão de exibir suas referências, com um visual que remete aos anos 60 e uma estética que facilmente poderia ser retirada de “Os Jetsons”. O mundo é repleto de pequenas delícias cinematográficas, e é notável o esforço em construir uma cidade que exala otimismo, onde o futuro parece sempre ao alcance da mão. Com uma paleta de cores vibrantes, os cenários de Primeiros Passos são hipnotizantes – sem dúvida, um dos pontos mais positivos da produção.

A direção de fotografia, comandada por Jess Hall, também acerta em cheio. As cenas de ação, quando o filme mergulha no cosmos e leva o quarteto para o espaço, são de tirar o fôlego. O espaço profundo, com seus efeitos de luz e a grandiosidade de Galactus, parece ter sido projetado para deslumbrar – e, de fato, consegue. As imagens de grande escala, especialmente quando o Quarteto se vê em confronto com o gigante cósmico, revelam um visual que muito tempo se aguardava no MCU. No entanto, o problema surge quando o filme se desvia do glamour visual e começa a se concentrar no núcleo emocional e narrativo. Aqui, o filme opta por um caminho mais conservador, um tanto medroso, o que acaba desmerecendo todo o potencial dos aspectos técnicos que estavam sendo bem explorados.

Crítica | Quarteto Fantástico: Primeiros Passos: Entre o deslumbramento e a tímida tentativa de reinvenção do MCU
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Shakman parece hesitar em aproveitar completamente o que poderia ser uma releitura ousada de um universo, deixando que os roteiristas, que incluem Josh Friedman, Jeff Kaplan, Eric Pearson e Ian Springer, se apeguem a uma fórmula que já vimos exaustivamente no MCU. Não fosse a qualidade técnica, o filme teria se perdido entre diálogos apressados e sequências de ação sem alma, o que não é algo comum no universo da Marvel, mas que aqui soa quase como uma inevitabilidade.

O que começa como uma tentativa de tratar os dilemas de Reed Richards (Pedro Pascal) com um peso mais pessoal e emocional – especialmente sua ansiedade sobre a paternidade – logo se perde no caminho. É interessante notar como o filme começa com uma dimensão muito mais introspectiva, focada no medo de Reed de criar uma vida em um universo tão imprevisível. A relação de Reed com sua esposa, Sue Storm (Vanessa Kirby), é promissora, e sua dinâmica com o medo de ser pai traz uma humanidade crua ao personagem. No entanto, logo essa nuance se dilui, e o filme retoma o caminho mais seguro, com mais foco nas cenas de ação e nas expectativas do espectador quanto a um grande espetáculo visual, que por vezes sufoca a profundidade emocional que poderia ter sido mais explorada.

Crítica | Quarteto Fantástico: Primeiros Passos: Entre o deslumbramento e a tímida tentativa de reinvenção do MCU
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Talvez por uma fadiga da superexposição Pascal acaba entregando uma performance fria e reservada, talvez até demais. Sua atuação, embora competente, acaba por se distanciar da vulnerabilidade que o roteiro propunha a Reed. A figura do cientista genial, sempre um pouco distante e perdido em sua mente, é bem representada, mas a emoção de um homem enfrentando a paternidade, e mais ainda, um homem lidando com os riscos de criar uma nova vida em um universo ameaçado, poderia ser mais impactante. Por outro lado, Kirby, como Sue, consegue entregar algo mais leve, mais profundo, mesmo com as limitações de um papel que, à primeira vista, soa quase monótono. Quando está em cena, ela brilha com sutileza, como a mulher que precisa lidar com seus próprios dilemas enquanto também tenta apoiar a família.

Mas o grande empecilho do filme reside na dinâmica do grupo. A promessa de um Quarteto Fantástico unificado e harmônico se esvai logo após a introdução dos personagens. Johnny Storm (Joseph Quinn) e Ben Grimm (Eben Moss-Bachrach) são os principais coadjuvantes, mas suas trajetórias e interações ficam aquém do esperado. A tentativa de humanizar Johnny Storm, dando-lhe um conflito interno sobre o que significa ser mais do que um herói imprudente e irresponsável, falha em estabelecer uma conexão real com o público. O personagem, que nos quadrinhos é muito mais ousado e excêntrico, aqui parece mais apagado, com a sua chama interior sendo mal aproveitada.

Ben Grimm é tratado de maneira mais sutil, mas sem a pegada de humor e tragédia que geralmente caracteriza o personagem. A ideia de um herói com um exterior monstruoso e um coração frágil deveria render cenas de grande intensidade emocional, mas acaba sendo reduzida a um clichê de personagem “forte e melancólico” (e nem tão melancólico assim). A química entre os membros do Quarteto, tão vital nos quadrinhos, não se materializa como poderia, e o filme se vê preso a uma dinâmica de grupo que, embora funcional, nunca se torna cativante.

Crítica | Quarteto Fantástico: Primeiros Passos: Entre o deslumbramento e a tímida tentativa de reinvenção do MCU
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No segundo ato, o filme, como se estivesse tentando se salvar do marasmo, dá um salto para o espaço. E aqui, Primeiros Passos alcança seu pico mais interessante. Quando os heróis se deparam com Galactus, a magnitude da ameaça ganha o tom épico prometido desde o começo.

Crítica | Quarteto Fantástico: Primeiros Passos: Entre o deslumbramento e a tímida tentativa de reinvenção do MCU
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Contudo, mesmo nessa expansão para o cósmico, o filme não consegue romper com a fórmula MCU quando acontece o segundo confronto com Galactus, que deveria ser um clímax vibrante, se torna uma sucessão de efeitos especiais sem profundidade narrativa, o que frustra, já que o potencial para algo muito mais imersivo estava ali o tempo todo. O vilão, gigante e imponente, perde boa parte de sua presença quando reduzido a uma ameaça pouco explorada, e seu exato desejo de destruir a Terra – porque está com fome – soa como um clichê mais vazio do que necessário.

Quarteto Fantástico: Primeiros Passos, definitivamente, não é lá um filme fantástico, mas consegue entregar algo muito melhor do que as quatro últimas tantativas de adaptar o longa no live-action. Com um visual fora da curva para o MCU e algumas boas ideias de roteirização que exploram temas humanos e emocionais, ele se perde na execução e na incapacidade de aproveitar ao máximo o potencial de seu elenco e de seus cenários. Não há dúvida de que o filme poderia ter sido muito mais ousado, mas, ao se prender ao conforto da fórmula Marvel, ele entrega uma obra que, embora satisfatória em vários aspectos, acaba por ficar presa na mediocridade.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.