Rosalía em Lux
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Crítica | Rosalía desafia os limites entre o pop e o clássico; o sagrado e o profano em ‘Lux’

Desde quando deu início a sua carreira com o disco “El Mal Querer” (2018) Rosalía vem dobrando a aposta no que diz respeito ao que se pode fazer com a música pop. Seja fazendo uma releitura contemporânea do Flamenco em sua estreia, ou dando forma a experimentações frenéticas em torno de ritmos latinos e a música eletrônica em “Motomami” (2022), a cantora espanhola está sempre tensionando limites e caminhando em direções na contramão do que se espera para uma artista pop. Lux, seu terceiro e mais novo álbum é seu passo mais ousado e grandioso nessa direção.

Capa de Lux
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Ao longo de 15 faixas, Rosalía apresenta uma obra densa, dramática, mas ao mesmo templo com uma atmosfera sublime que em nenhum momento soa complicada ou distante. Aqui, a artista borra as fronteiras entre a o pop e a música clássica; uma proposta que não é inédita, mas em “Lux” ganha uma outra dimensão e impressiona pela riqueza de detalhes e caminhos inesperados que vai tomando.

Arranjos orquestrais luxuosos feitos pela Orquestra Sinfônica de Londres sob a regência de Daniel Bjarnason, são entrelaçados com elementos eletrônicos, sintetizadores, batidas do pop. Nada chega a ser festivo, mas há momentos de maior leveza que revezam com músicas de maior densidade dramática. Tudo isso acontecendo em completa harmonia e maestria, com a cantora parecendo dominar universos tão distintos na palma da mão.

Rosalía
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A religião está no centro de todo esse universo. Na obra, Rosalía usa da sua formação católica e uma infinidade de referências e simbolismos religiosos para refletir sobre o sagrado e o papel feminino na religião ao longo da história, ao mesmo tempo em que traz o profano através de relatos pessoais ,desabafos sobre o fim do relacionamento com o astro porto-riquenho Rauw Alejandro, e um pouco de suas experiências ao redor do mundo, com direito a ela cantando em 13 línguas diferentes

Em “Berghain”, primeira faixa a ser divulgada, a artista faz uma espécie de síntese da obra e traz a espanhola indo do canto lírico em alemão para a atmosfera eletrônica, contando com os vocais marcantes de Björk e finalizando com uma intervenção de Yves Tumor. Em outras faixas, Rosalía conta histórias de santas, como que evocando o que há de mais humano nas figuras históricas.

“Reliquia” impressiona pelo domínio vocal da artista. “Divinize”, faz uma ponte entre sexualidade e o divino. “Porcelana” traz ecos de reggaeton em uma interpretação intensa da cantora, com vocais masculinos aparecendo no final que parecem Frank Ocean, amigo íntimo da artista. “Dios Es un Stalker”, vai pelo mesmo caminho, trazendo mais referências de ritmos latinos. “La Perla” é um dos momentos mais leves do álbum, mas que não deixa de ser interessante.

O ato final, tem alguns dos momentos mais dramáticos da obra, sempre impressionantes pela pela performance vocal deslumbrante de Rosália. Em “Memória” ela canta um fado em português de Portugal ao lado da cantora Carminho. “Magnolias” encerra o disco com beleza tomada pela emoção e a aceitação de todos os conflitos e contrastes que fazem parte do que é ser humano.

Em “Lux” Rosalía desafia mais uma vez a noção do que é ser uma artista pop e apresenta um álbum completamente diferente de tudo o que vem sendo feito no mainstream atualmente, mas ainda assim não deixa de ser pop e de conseguir dialogar com diferentes públicos sem necessariamente precisar ser entendido em sua completude. Os sentimentos que são evocados através da obra é que regem toda a experiência. Em meio a onda de nostalgia que toma conta da cultura pop, a artista segue sendo uma das poucas que movem o pop para frente, para direções surpreendentes.

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