No ano em que o lendário programa humorístico Saturday Night Live (SNL) completa cinco décadas, o diretor Jason Reitman (“Juno”) traz à vida Saturday Night – A Noite que Mudou a Comédia, um filme que homenageia o impacto cultural do show. Com um elenco cheio de talento e uma direção que busca capturar o ritmo frenético dos bastidores, a produção pretende ser uma imersão nostálgica para fãs de todas as idades. No entanto, algumas escolhas de direção e narrativa fazem com que essa homenagem perca parte de seu brilho.
Por trás do palco
O filme se passa nos noventa minutos caóticos antes da primeira transmissão ao vivo do SNL, em 11 de outubro de 1975. O enredo se desenrola como um conto de “corrida contra o tempo”, com Lorne Michaels (Gabriel LaBelle) e Rosie Shuster (Rachel Sennott) tentando manter o programa nos trilhos. Enquanto o elenco colide nos bastidores e os problemas técnicos se acumulam, Michaels luta para ver seu conceito revolucionário acontecer, enquanto Shuster mantém a calma, servindo como âncora para o caos.
A direção de Reitman utiliza uma abordagem inspirada na abertura de monólogos do próprio SNL, com ângulos de câmera que imitam a sensação de quem acompanha o programa pela TV. Essa técnica, embora envolvente no início, acaba por ser uma faca de dois gumes. A tentativa de manter a quarta parede intacta enquanto captura a sensação de “estar nos bastidores” limita a liberdade da narrativa. A proposta de “tempo real” é prejudicada pela coreografia de câmera um tanto artificial e pela falta de fluidez em algumas cenas de transição. Enquanto o objetivo era mergulhar o público nos momentos de tensão e urgência, a execução não alcança a energia ou autenticidade que o conceito de bastidores exige.
Além disso, a tentativa de criar uma narrativa “sem cortes” ou com poucos cortes, evoca o estilo de mestres do cinema como Orson Welles e Robert Altman. No entanto, Reitman não atinge a mesma organicidade na coreografia entre atores e câmeras, o que resulta em uma dança sem o ritmo e espontaneidade necessários. Isso, em alguns momentos, dá a sensação de que os atores e a câmera estão “se perseguindo” de maneira calculada demais, o que vai contra a promessa de uma visão “natural” dos bastidores.
Personagens, Interpretações e imitações
Um dos maiores méritos de Saturday Night é o elenco. As performances são naturais e eficazes, com cada ator capturando bem as nuances de suas contrapartes históricas. Lamorne Morris traz profundidade ao personagem de Garrett Morris, que enfrenta dúvidas sobre seu lugar no elenco.
Cory Michael Smith interpreta Chevy Chase com a arrogância necessária – embora seja, facilmente, o ator mais fraco entre os que possuem mais destaque no longa –, contrastando de forma divertida com J.K. Simmons, que brilha como a estrela consagrada Milton Berle. Dylan O’Brien, como Dan Aykroyd, e Ella Hunt, no papel doce e encantador de Gilda Radner, são igualmente carismáticos, contribuindo para o charme do filme.
Outro ponto interessante é a escolha de Nicholas Braun para interpretar dois personagens, Andy Kaufman e Jim Henson, em uma piada recorrente que exige um olhar atento. Essa decisão é um exemplo de como o filme premia o público conhecedor do SNL, mas poderia ter sido melhor desenvolvida com mais destaque visual ou um timing mais dinâmico, pois passa quase despercebida.
Embora a maioria dessas figuras se tornaram grandes lendas da comédia estadunidense, esse ainda é um filme muito local. A gente vai reconhecer um ou outro personagem, mas essas atuações baseadas em imitações dão pouca profundidade e, principalmente, do quanto eles eram engraçados.
O tempo não para
A trilha sonora assume um papel essencial para amplificar a sensação de caos e urgência nos bastidores do SNL em sua primeira transmissão ao vivo. Com uma combinação de sons rápidos e inesperados, que evocam tanto o nervosismo quanto o entusiasmo dos personagens, a música cria um ambiente quase claustrofóbico, aumentando a tensão com batidas irregulares e crescendo em momentos de maior conflito. Em vez de suavizar ou aliviar a atmosfera, a trilha sonora é intrusiva, preenchendo cada cena com um desconforto calculado, que obriga o espectador a sentir a mesma pressão vivida pelos personagens, como se estivesse prestes a entrar ao vivo em um programa de TV pela primeira vez.
Esse som desestabilizador ecoa o ambiente dos bastidores, onde cada personagem, em busca de seu momento de destaque, alimenta uma competição latente que beira o insuportável. A câmera frenética e os cortes rápidos seguem as discussões e o jogo de vaidades entre estrelas como Chevy Chase, Gilda Radner e Garrett Morris, revelando a tensão entre a necessidade de se afirmar e o medo do fracasso. Esse paralelo entre a trilha sonora desconfortável, a luta de egos e o caos estruturado transforma o filme em uma janela para o universo volátil do SNL na vida real, onde a genialidade criativa se alimenta tanto da colaboração quanto do conflito, gerando um ambiente em que a pressão e a ambição coexistem de forma explosiva.
Direção
Apesar das atuações sólidas, Saturday Night apresenta problemas de ritmo e inconsistências de tom. A tentativa de capturar os bastidores da estreia com uma linguagem visual “sem cortes” resulta em uma encenação pesada e que por vezes parece ensaiada demais. Em vez de uma câmera livre e espontânea, a direção força um estilo rígido que quebra a ilusão de que o espectador está vendo uma representação “ao vivo” e caótica dos bastidores.
Além disso, embora o filme busque criar uma ambientação de época, há uma ausência de precisão histórica em certos detalhes. Para um filme que se propõe a ser quase um “reenactment” – recriação histórica –, esses deslizes enfraquecem a imersão e sugerem que o visual foi priorizado em detrimento da fidelidade aos acontecimentos reais.
Mas talvez o maior problema do longa consiste nele ser uma comédia com pouco humor. Claro, tem momentos divertidos e algumas piadas que me arrancaram um sorrisinho, mas nem de longe tive vontade de gargalhar. Claro, aí entra também a subjetividade das experiências, mas Reitman cria momentos, principalmente quando os personagens tentam se provar engraçados diante de algumas situação, que quase beiram a vergonha alheia.
No final das contas, Saturday Night é um filme que parece tentar reviver a relevância do SNL, talvez como um gesto nostálgico, talvez como um lembrete da importância cultural do programa. Ainda assim, há uma certa ironia ao transformar o SNL, conhecido por ser irreverente e subversivo, em um produto seguro e cuidadoso. O filme corre o risco de ser visto mais como uma “propaganda” do que como uma recriação fiel ou ousada dos bastidores da época.
Com sua abordagem ambiciosa, mas que se perde em parte pela direção rígida e pelo ritmo inconsistente, Saturday Night acaba se destacando mais por suas atuações e pelo charme do elenco do que por suas escolhas narrativas. Ao final, o filme permanece uma experiência divertida e nostálgica, mas que poderia ter sido mais autêntica e coesa em sua execução.
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