Jeremy Allen White vive Bruce Springsteen em novo trailer da cinebiografia do cantor; assista
20th Century Studios/Reprodução

Crítica | ‘Springsteen: Salve-me do Desconhecido’ é um filme imperfeito, como seu personagem principal

Apesar de ter vivido uma vida aparentemente sem grandes momentos de real drama, não se nega que Bruce Springsteen tenha acumulado histórias que renderiam um ou mais filmes. Mesmo sem grandes tragédias pessoais, problemas com drogas ou momentos de real declínio artístico, quem há de negar que este bilionário, que consegue manter a imagem de cidadão comum, não tenha momentos biográficos dignos de serem levados às telas? Springsteen: Salve-me do Desconhecido, que chega nesta quinta-feira (30) aos cinemas mostra um desses recortes: o período em que o astro registrou seu álbum mais fora da curva: o acústico, e sombrio, “Nebraska”.

O diretor Scott Cooper (“Tudo Por Justiça”) usou como base o elogiado livro de Warren Zanes para o seu roteiro. Mais importante, ele teve o total apoio de Bruce e do empresário Jon Landau (Jeremy Strong) durante todas as etapas da produção.

O resutado final é um filme que está longe de ser perfeito, assim como seu personagem principal, mas que tem momentos de brilho que justificam uma ida ao cinema. Também é bom avisar que ele tem apenas duas horas de duração – cerca de 90 minutos a menos que um show do artista.

Uma cinebiografia musical fora dos padrões

20th Century Studios

Esta não é uma cinebiografia típica de rockstar. Ainda que o pôster e o trailer possam dar a impressão de que teremos um longa com muitas cenas de palco, não é isso a que Salve-me do Desconhecido se propõe. E isso é uma boa notícia. A única cena de Bruce no palco, logo na abertura do filme, não é exatamente um primor e faz questionar se a escolha de Jeremy Allen White para o papel principal foi realmente um acerto.

Felizmente, a incerteza se dissipa assim que a história de fato começa. O astro da série “O Urso” criou um Springsteen na medida: sem cair na caricatura ou na “caracterização mediúnica”. A performance pode até ficar abaixo do excelente Bob Dylan de Timothée Chalamet em “Um Completo Desconhecido”, mas a entrega do ator ao personagem é clara.

Salve-me do Desconhecido começa com o último show da turnê do disco “The River” no final de 1981. Nesse ponto da carreira, Bruce já era um artista extremamente popular, mas ainda longe de ser quem se tornaria a partir de 1984, quando atingiu o superstrelato. Nessa fase, o cantor já enchia o Madison Square Graden, tinha conseguido chegar ao topo da parada americana e emplacado um single no top 10 com “Hungry Heart”. Isso tudo sem perder a credibilidade com os críticos.

Ao mesmo tempo, sua vida pessoal estava uma bagunça. Sem uma casa própria ou um relacionamento amoroso sério, o músico via seus amigos e colegas de banda constituindo famílias e virando adultos. Sem rumo, e também em dúvida sobre o que fazer a seguir, Bruce se refugiou em uma casa isolada em sua Nova Jersey local.

20th Century Studios

Ali, influencidado pelo filme “Terra de Ninguém”, de Terrence Malick, a literatura gótica de Flanerry O’ Connor e o radicalismo musical do Suicide, Springsteen começou a criar uma série de canções duras, bem diferentes do que já havia feito até então.

Esse material foi gravado de maneira informal em seu quarto pelo artista ao lado do engenheiro de som Mike Batlan (o sempre ótimo Paul Walter Hauser) sem maiores intenções. Springsteen só queria ter algumas demos para serem posteriormente trabalhadas em estúdio.

Um filme sobre música e problemas mentais

A história de como uma fita cassete caseira virou o disco seguinte do músico é uma das que Cooper nos mostra, mas não a única.

O filme intercala presente e passado – representado em preto e branco –, onde vemos a infância do futuro músico e a relação conturbada com o pai (interpretado por Stephen Graham). Em sua autobiografia, Springsteen relembrou quando sua mãe o mandava trazer seu pai de volta de um bar e de como se sentia ao adentrar aquele ambiente cheio de adultos. Um momento que o diretor soube transformar em imagem com grande força.

20th Century Studios

O longa tem outro importante tema central: os transtornos mentais que assombram o músico. Apenas recentemente o público soube que há décadas Springsteen lida com episódios de depressão e conta com ajuda profissional para lidar com o problema.

20th Century Studios

O maior ponto de discórdia entre fãs e críticos que falaram sobre o filme reside no caso amoroso que está em seu centro. Faye Romano, a personagem vivida por Odessa Young, nunca existiu na vida real. Apesar desse “pequeno” detalhe, a sua presença não deixa de ser justificada. Nesse momento, Bruce vivia cercado pela sua gangue e se mostrava incapaz de se comprometer com que quer que fosse além de sua carreira.

Faye pode não ter existido realmente, mas ela representa as várias romances com as quais o Boss conviveu. É claro, que aqui a personagem é uma mãe solteira que trabalha como garçonete (com patrões adoráveis, ainda por cima). Acima de tudo, o mito do astro do rock que é um cara comum precisa ser mantida. Isso não seria possível se o interesse amoroso fosse, digamos, uma executiva da CBS ou uma figura das altas rodas da cidade. Acima de tudo, não fosse por ela, este seria um longa totalmente dominado por homens.

Nem ‘Nebraska’ nem ‘Human Touch’

20th Century Studios

No final das contas, Salve-me do Desconhecido, consegue contar dignamente a sua história. Apesar de momentos desnecessários ou exageradamente didáticos e de se tornar um bocado cansativo em sua parte final, o filme mantém o espectador interessado.

Ele acerta na escolha do elenco, destaque para o Jon Landau criado por Jeremy Strong, e por ter seu foco em um período bem limitado, e interessante, dentro da trajetória do cantor.

Resumindo, ele não é nenhum clássico como “Born To Run” ou, para ficarmos no tem central, Nebraska, mas também está longe de ser um “Human Touch”, certamente o pior disco feito por ele. Para um artista que imaginava que sua vida daria no máximo um filme feito para televisão, “Deliver Me from Nowhere“, é certamente um avanço. Se ele fizer mais gente se interessar pela inigualável obra do artista, ele já cumpriu a sua missão.

Leia mais: