Crítica | Tubo de Ensaio germina 'Endofloema' e os frutos são deliciosos!
Tubo de Ensaio/Divulgação

Crítica | Tubo de Ensaio germina ‘Endofloema’ e os frutos são deliciosos!

Há discos que nascem como sementes lançadas ao vento, sem saber onde vão germinar. Endofloema, primeiro álbum da paulistana Tubo de Ensaio, é um desses frutos raros: uma obra que já chega com raízes profundas, capaz de sustentar não apenas a identidade da banda, mas também uma proposta estética que dialoga com a tradição da música experimental brasileira enquanto se projeta para o futuro. Lançado em março deste ano, o disco é um organismo vivo – tal qual sugere o título, que remete ao tecido vegetal responsável pelo transporte de nutrientes. E, de fato, aqui a música é seiva, circulando entre instrumentos, vozes e uma temática que celebra (e questiona) a relação entre humano e natureza.

A Tubo de Ensaio não esconde suas influências, mas as metaboliza de forma única. Se há um paralelo imediato a ser traçado, é com “Seres Verdes Ao Redor”, da finada Supercordas – uma das bandas mais inventivas do Brasil neste século. Ambos os trabalhos compartilham uma obsessão pela natureza não como pano de fundo, mas como linguagem. Enquanto Supercordas mergulhava em paisagens cósmicas e microbiológicas, Tubo de Ensaio opta por uma abordagem mais terrena, quase ritualística.

Tome-se “Ardil”, faixa que abre o disco (e que, ao vivo, ganha contornos de performance teatral): começa como uma narração que beira a um conto surrealista de horror, que vai crescendo como se o personagem narrado fosse, aos poucos indo de encontro com esse homem misterioso.

Crítica | Tubo de Ensaio germina 'Endofloema' e os frutos são deliciosos!
Carlos Alberto Jr/Conecta Geek

O tom muda bruscamente na segunda faixa, “Domingueira”, quando aparecem pela primeira vez os sopros de Gabriel Gadelha que completam as estrofe cantada por Manuela Cestari, tornando algo com “cara de um domingo ensolarado” mesmo, mas que aos poucos vai ganhando novas estruturas e quando menos esperamos aquela música agradável se tornou um rock progressivo, com solo de flauta e um peso nos teclados de Lorena Wolther

A primeira música lançada pela banda foi “Taioba” e essa canção, com uma letra nonsense poética (“O que há daquele cachorro ter seis patas? / O que há dos cacos de vidro em minha boca”), a música constrói um clímax instrumental que lembra a dinâmica do Black Country, New Road – especialmente em “Ants From Up There”, onde os arranjos de cordas e sopros criam narrativas sem palavras. Curiosamente, a banda inglesa também passa por uma transição: após a saída do vocalista Isaac Wood, o grupo abraçou um pluralismo vocal liderado por três mulheres, diminuindo o peso das guitarras em favor de texturas acústicas e atmosféricas. Tubo de Ensaio, por sua vez, já nasce nesse equilíbrio: Lorenzo Zelada (guitarra) e Francisco Barbosa (baixo) não dominam o som, mas o irrigam, enquanto os sopros e teclados ocupam o centro. E para citar todos, há algo que a ótima versão de estúdio da banda (um feito incrível, tratando-se de uma produção independente com músicas complexas e com muitas camadas) não condiz está na bateria de Gabriel Ribeiro, que no ao vivo tem muita mais força personalidade, quanto no disco, a bateria parece muito mais um preenchedor de espaços.

Já que comecei a citar a performance ao vivo da banda, é evidente que tudo que citei de um disco com apenas seis faixas temáticas, se amplifica. O último show da banda pode ser descrito como um casamento performático, prova que Tubo de Ensaio entende o palco como extensão do disco.

Crítica | Tubo de Ensaio germina 'Endofloema' e os frutos são deliciosos!
Carlos Alberto Jr/Conecta Geek

Em “Orvalho”, minha música favorita do disco, ela encapsula (sem trocadilhos) tudo que há de melhor na banda. Pela canção ser mais introspectiva, todos os instrumentos ganham mais força com o crescer, com destaque para o vocal de Manu e da guitarra de Zelada, onde há um dueto que conduz e parece permear até a faixa seguinte – e último. “Jurema” fecha o curto é temático disco de forma muito redonda, tal o sol que é uma grande gema.


Endofloema não é um álbum para ser ouvido, mas habitado. Suas faixas não seguem uma estrutura linear – elas crescem, se ramificam, morrem e renascem.

Para quem está em São Paulo, a oportunidade de ver essa criatura ao vivo é amanhã (15), quando a banda divide o palco com Baque! – outro grupo que entende música como ritual.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.