Tyler The Creator em CHROMAKOPIA
Tyler The Creator se aprofunda em sua mente inquieta em CHROMAKOPIA. Foto: divulgação.

Crítica | Tyler The Creator olha para o passado com maturidade e honestidade em CHROMAKOPIA

A cada novo projeto, Tyler The Creator apresenta para o público uma nova camada da sua mente inquieta, ao mesmo tempo em que deixa transparecer as constantes transformações pelas quais ela passa. CHROMAKOPIA parece ser uma grande síntese de todo esse processo. Em seu novo álbum, o rapper estadunidense usa da maturidade para revisitar lugares centrais do seu próprio eu.

Se em Cherry Bomb (2015) ele apresenta uma mente explosiva disparando provocações, experimentações e ideias muito particulares; em Flower Boy (2017) ele entrega uma das obras mais sensíveis e vulneráveis do rap; faz um épico sobre o fim de um relacionamento em Igor (2019); e se diverte em Call Me If You Get Lost (2021); agora, Tyler Okonma revisita alguns desses momentos e olha para si mesmo de um novo ponto de vista.

A chegada aos 33 anos parece ser um dos pontos centrais que definem essa autorreflexão. O artista usa da maturidade para fazer uma espécie de acerto de contas com pontos importantes do seu passado e resgata um pouco da sua ancestralidade.

Dentro da mente turbulenta de Tyler

Tyler The Creator na capa de Chromakopia.
Capa de CHROMAKOPIA, novo álbum de Tyler The Creator. Foto: divulgação.

Logo na abertura com St. Chorma, nome do alter ego que Tyler assume durante a obra, ouvimos a voz da sua mãe Bonita Smith, em meio a um vocal gospel de Daniel Caesar. “Você é a luz / Ela não tá sobre você, tá em você”, recita a matriarca que funcionará como uma espécie de guia, durante todo o disco.

Em Noid, o rapper vasculha seus cantos mais obscuros e confessa alguns dos seus maiores medos, além da relação conturbada com a fama, fãs e haters, tudo isso em meio a uma atmosfera pesada e sombria, reforçada por sintetizadores e guitarras sampleadas de Nizakupanga Ngozi, música zamrock suaíli usada como trilha sonora do filme Corra! (2017).

Em Like Him, Tyler conversa com sua mãe sobre seu pai e se questiona se repetirá o mesmo comportamento de abandono que ele, terminando por tentar entende-lo no fim. Em Hey Jane ele volta a refletir sobre paternidade após receber a notícia de uma gravidez inesperada. O tema volta a aparecer na melancólica e intensamente franca Take Your Mask Off: “Garoto, cê é egoísta pra caramba, foi assim que cê começou a ter medo de ser pai”, dispara.

Momentos de reflexões profundas e cruas, com arranjos pesados, como esse deixam claro o quanto CHROMAKOPIA é feito da oscilação entre a agressividade de Cherry Bomb e a vulnerabilidade de Flower Boy.

Faixas mais intensas em que o artista encara seus fantasmas e suas paranoias como Rah Tah Tah, I Killed You e Sticky, se revezam com passagens mais sensíveis ou sensuais, passando por versos que descrevem uma liberdade sexual, como é o caso de Judge Judy, ou Darling, fazendo um contraponto com uma estética mais minimalista.

Transcendendo o rap

Essa combinação também se reflete na sonoridade que se expande muito além das bases do rap e do hip hop e traz mais da formação musical de Tyler.

São muitas referências e elementos do r&b, da soul music, do jazz, do blues e do rock, além de influências de ritmos africanos e até mesmo samples de artistas brasileiros. Em Tomorrow, há um sample de Summertime, musica de Rosinha De Valença, gravada em 1971. Além disso, algumas músicas de CHROMAKOPIA tem a presença do músico Pedro Martins tocando guitarra.

O álbum encerra com uma excelente dobadrinha de Balloon, com destaque para a participação de Doechii, e I Hope You Find your Way Home, faixa que está na ponta do experimentalismo e apresenta um fluxo de pensamentos do artista, no qual ele vai pincelando todas as questões abordadas durante o disco.

CHROMAKOPIA pode não apresentar nenhuma grande novidade na trajetória de Tyler The Creator, mas representa um olhar afiado, sincero e profundo do artista sobre si mesmo e sua história. Com a obra, o rapper se mantém como um nome singular no gênero, com um olhar e uma musicalidade muito específica. A fala de sua mãe no final do álbum resume bem o gosto que fica: “Você nunca cansa de me impressionar; continue brilhando”.

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