O disco Beirada da banda Varanda, lançado em 2024, marca um importante passo na trajetória do quarteto mineiro. Formada por Amélia do Carmo (voz), Mario Lorenzi (guitarra), Augusto Vargas (baixo e voz) e Bernardo Merhy (bateria), a banda se apresenta com um trabalho audacioso que transita por territórios do indie, do pop oitentista e a MPB, misturando ousadia em um produto sonoro coeso, mas ao mesmo tempo carregado de experimentações.
Com 11 faixas, o disco se caracteriza por uma produção refinada, que destaca a energia criativa do grupo, e um conteúdo lírico que explora desde paisagens introspectivas até metáforas sutis sobre a vida cotidiana.
Experimentação e Intimidade
Logo na faixa de abertura, “P.Q.P.Q”, a Varanda demonstra a sua abordagem experimental com camadas de guitarras que surgem e desaparecem, acompanhadas por uma letra pungente: “Na sua pose ignorante / Fotografa o seu fracasso e só”.
A alternância entre momentos de calma e explosão nas instrumentações é uma característica do disco e prepara o ouvinte para o que está por vir, especialmente em faixas como “Barcos no Mar” e “Cama de Vento”, que vão ganhando força à medida que se desenvolvem. Em ambas, as guitarras desempenham papel fundamental, criando atmosferas densas que culminam em clímax emocionais.
O grande trunfo da Varanda é a maneira como alterna entre a delicadeza e o caos, com arranjos que transitam entre o indie mais acessível e o experimentalismo sutil. Essa dinâmica se reflete na alternância entre as vozes de Augusto Vargas e Amélia do Carmo, como em Cama de Vento, onde os vocais se entrelaçam para criar uma tensão que é libertada na explosão final da canção.
Embora as faixas mais experimentais conquistem uma marca própria para o disco, é em algumas músicas mais acessíveis que a banda também se destaca. O single “Vida Pacata” traz um arranjo leve, com guitarras despojadas e versos que estabelecem uma analogia entre relacionamentos e futebol (“Você marcou um gol – e isolou a bola”), oferecendo uma visão bem-humorada e, ao mesmo tempo, introspectiva do cotidiano.
Essa leveza também é explorada em “Se Mexe Comigo”, que conta com a colaboração de Manu Julian, vocalista da banda Pelados, e reforça a conexão do grupo com o pop, mas mantendo as guitarras carregadas de efeitos que adicionam profundidade à música.
Participações Especiais
O uso de colaborações externas é um ponto forte do álbum. A participação de Dinho Almeida, do Boogarins, em “Desce Já”, adiciona uma camada extra de intensidade e personalidade à faixa com seu vocal agudo inconfundível.
A música não só se destaca como um dos maiores momentos de Beirada, mas também exemplifica a habilidade do grupo em criar atmosferas densas e sem perder a acessibilidade e a melodia envolvente.
Paisagens Sonoras
Em faixas como “Bahia e Aviões”, o grupo experimenta com arranjos mais delicados, levando o disco para uma direção mais contemplativa, com guitarras leves e crocantes e vocais que são sutis e cheios de emoção. A imagem evocativa de nuvens de algodão dançando ao vento, presente na letra da canção, reflete bem a sensação de leveza e acolhimento que o disco muitas vezes transmite.
Em contraste, “Tempo” e “Topo dos Prédios” trazem momentos de maior intensidade e ritmo acelerado, que preparam o terreno para o clímax da obra. Topo dos Prédios, com seu turbilhão de guitarras, batidas e vozes, absorve o ouvinte em uma montanha-russa emocional.
Coesão e Desenvolvimento ao Vivo
É interessante notar que a imersão no processo criativo de Beirada é acompanhada de uma estreita sintonia entre os membros da banda, o que se reflete também em suas apresentações ao vivo. Em seu show de lançamento no Sesc Vila Mariana, a banda executou o álbum na íntegra, reforçando a unidade narrativa e emocional do disco.
A performance foi marcada por um clima de nervosismo inicial, que logo se transformou em entrega total, destacando a química entre os integrantes e o crescente domínio do palco. As participações especiais de Manu Julian e Dinho Almeida foram momentos altos do show, oferecendo ao público uma experiência ainda mais intensa, como já ocorre nas gravações de Beirada.
Colagem e Cor
A identidade visual do disco, criada por Amélia do Carmo, é um reflexo direto da sonoridade e da proposta estética do grupo. A capa do álbum, com suas colagens e cores vibrantes, comunica a energia e a diversidade das influências da banda. A escolha pela cianotipia, técnica que mistura paisagens e modernidade, dialoga com a natureza colaborativa do projeto, onde cada elemento se soma para criar algo maior. A arte visual não só complementa a música, mas também oferece uma interpretação visual do processo criativo imersivo que caracteriza Beirada.
Para além da varanda
Beirada é um disco que não se limita a seguir tendências, mas se arrisca a definir uma nova sonoridade dentro do cenário indie brasileiro. Ao mesmo tempo em que dialoga com referências do passado — como o pop oitentista e a MPB —, o álbum também olha para o futuro, com pequenas experimentações, que não chegam a desafiar o público-alvo desse tipo de som.
Aliás, o principal fator de interesse no trabalho da banda em seu disco de estreia está na habilidade de transitar entre momentos de tranquilidade e explosão, entre o pop acessível e o experimental, é o que garante a força do álbum, que não só coloca a banda no radar de público nichado, mas também aponta para um futuro promissor.
Leia sobre outros discos:
Deixe uma resposta