Se tem algo que ficções científicas espaciais adoram explorar é a solidão humana, mesmo quando cercado por um universo infinito. É essa contradição que Vocé É O Universo, estreia do diretor ucraniano Pavlo Ostrikov, explora com uma mistura peculiar de comédia ácida, drama existencial e referências cinematográficas que vão de “2001: Uma Odisseia no Espaço” a “Ela”. Se você assim como que escreve essa crítica, já consumiu muitas obras do gênero você encontrará aqui um espaço muito familiar, mas que encontra sua força na simplicidade com que aborda temas complexos: isolamento, conexão e a desesperada necessidade de significado quando tudo parece perdido.
Ostrikov claramente tem um pé no cinema clássico de ficção científica, mas evita cair no pastiche. Em vez de replicar visualmente as grandiosidades de grandes blockbusters, ele opta por uma abordagem minimalista. A maior parte do filme se passa dentro da Obriy, um cenário claustrofóbico que reflete o estado mental de Andriy (Volodymyr Kravchuk). A direção de arte é econômica, mas eficaz: os vinis e pôsteres no quarto do astronauta sugerem uma nostalgia adolescente, como se ele tentasse se agarrar a fragmentos de uma vida que não existe mais. A fotografia, por sua vez, alterna entre tons frios e azulados no espaço e cores mais quentes nas lembranças da Terra, criando um contraste visual que reforça o tema da saudade versus realidade.
O roteiro, no entanto, é onde o filme mais vacila. Ostrikov parece indeciso entre fazer uma comédia surreal ou um drama introspectivo, e as transições entre esses tons nem sempre são suaves. Há momentos em que uma piada sobre o nível de humor irônico meio desconcertante do robô Maxim (dublado por Leonid Popadko – que é claramente inspirado no T.A.R.S. de “Interstellar – quebra a tensão de forma brusca, enquanto em outros a narrativa mergulha em monólogos melancólicos que, embora bem-escritos, poderiam ser mais bem integrados. Ainda assim, quando o filme acerta, ele acerta com força

A relação entre Andriy e Catherine (Alexia Depicker), construída apenas através de diálogos e silêncios, é tocante precisamente porque não tenta ser épica – é uma conexão frágil, quase desesperada, como duas pessoas gritando no vácuo.
Kravchuk carrega o filme nos ombros com uma performance que oscila entre o cínico e o vulnerável. Seu Andriy não é um herói, mas também não é um anti-herói; é apenas um homem cansado, preso entre o alívio de não ter mais que lidar com a humanidade e o terror de ser o último dela. A dubiedade de suas reações – comemorar a destruição da Terra, depois entrar em pânico ao perceber o que isso significa – é o que torna o personagem tão fascinante. Já a voz de Alexia Depicker como Catherine traz uma suavidade necessária, um contraponto feminino que evita clichês da “mulher como salvação”. Ela não está ali para curar Andriy, mas para lembrá-lo (e a nós) que mesmo no fim do mundo, a conexão humana ainda importa.
Tecnicamente, o filme é modesto, mas inteligente. Os efeitos visuais são simples, com exceção de algumas sequências da nave em queda que pecam por um render pouco convincente. No entanto, a montagem compensa essas falhas com cortes dinâmicos, especialmente na sequência que mostra o desenvolvimento do relacionamento à distância entre Andriy e Catherine, usando transições criativas para sugerir a passagem de tempo e a construção de intimidade. A trilha sonora, eletrônica e melancólica, lembra “Lunar”, reforçando a solidão do protagonista sem cair no melodrama.

O terceiro ato reserva reviravoltas que, embora previsíveis, funcionam porque o filme já nos conquistou emocionalmente. Sem entrar no campos dos spoilers, é justo dizer que Maxim rouba a cena, evoluindo de um robô cômico para um novo tom. Ostrikov poderia ter explorado mais essa ambiguidade, mas escolhe manter o foco no dilema humano (ou pós-humano) de Andriy, o que é uma decisão acertada.
Vocé É O Universo não é perfeito – não é como se isso existisse mesmo né –, mas sua imperfeição é parte de seu charme. Ele fala de solidão de uma forma que só o cinema de ficção científica consegue: amplificando-a até o absurdo, para então nos lembrar que, no fundo, todos somos astronautas perdidos em nossas próprias naves. O final, tão poético quanto devastador – a pergunta não é mais “o que fazer quando você é o último humano vivo?”, mas sim “o que nos faz humanos, quando não há mais ninguém para testemunhar?”. E talvez a resposta esteja, como o filme sugere, não nas estrelas, mas naquilo que escolhemos carregar conosco, mesmo quando o universo inteiro parece vazio.
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