Crítica | Volveréis explora a beleza inesperada dos finais
Los ilusos films/Divulgação

Crítica | Volveréis explora a beleza inesperada dos finais

Em um mundo onde os finais são tratados como tragédias ou fracassos, Volveréis surge como um respiro cinematográfico que celebra a ambiguidade das despedidas. Dirigido por Jonás Trueba, o filme não apenas questiona as convenções sociais em torno dos relacionamentos, mas também brinca com a linguagem do cinema para dissolver as fronteiras entre realidade e ficção. Com um olhar afiado para o cotidiano e uma narrativa que se desdobra em repetições deliberadas, Trueba transforma o ato de terminar em uma comédia existencial, onde cada “adeus” é, na verdade, um convite para recomeçar.

O filme acompanha Ale (Itsaso Arana) e Alex (Vito Sanz), dois artistas que, após quinze anos juntos, resolvem se separar. Mas, em vez de um drama repleto de lágrimas e acusações, eles optam por uma celebração. A ideia, sugerida pelo pai dela, soa absurda no início — quem faz festa para marcar o fim de um casamento? —, mas aos poucos revela sua grandeza. O filme não se preocupa em explicar os motivos da separação, porque esse não é o ponto. O que importa é o processo de aceitação, a maneira como ambos repetem, para familiares e amigos, que “está tudo bem”, até que essa frase deixe de ser apenas um discurso e se torne, de fato, uma verdade.

Crítica | Volveréis explora a beleza inesperada dos finais
Los ilusos films/Divulgação

Essa repetição é a chave para entender Volveréis. Trueba recria a mesma cena diversas vezes: Ale e Alex contando a alguém sobre a separação, sempre com pequenas variações no tom e nas reações. O efeito poderia ser cansativo, mas é justamente o oposto — cada nova versão revela um pouco mais sobre como as relações são performadas socialmente. As pessoas esperam tristeza, drama, justificativas, e quando o casal insiste em tratar tudo com naturalidade, o desconforto alheio vira comédia. O diretor parece perguntar: por que um término precisa ser necessariamente trágico? Por que não pode ser apenas mais uma etapa, como tantas outras?

O cinema aqui não é apenas uma ferramenta para contar a história, mas parte dela. Ale é cineasta, e há uma clara metalinguagem em como o filme se constrói. Cenas são cortadas, repetidas, reeditadas, como se Trueba estivesse nos mostrando que a vida, assim como um filme, é feita de escolhas de montagem. O que fica, o que é descartado, o que é revisitado — tudo isso define nossa memória afetiva. A fotografia, assinada por Santiago Racaj, reforça essa ideia com planos simples e luz natural, quase como um registro documental. Há uma cena noturna em que Alex segura a mão de Ale no escuro, e esse gesto mínimo diz mais sobre a relação deles do que qualquer diálogo.

O humor de Volveréis é outro elemento fundamental. Trueba não recorre a piadas prontas, mas a situações que revelam o absurdo das convenções sociais. Quando o casal convida o encanador para a festa, por exemplo, a cena é tão inusitada quanto reveladora — o que define quem merece compartilhar momentos íntimos conosco? E quando Ale e Alex insistem em dizer que “não há mágoas”, a insistência acaba expondo justamente o contrário: talvez haja sim algo não resolvido, mas isso não precisa ser um problema. O roteiro, cheio de diálogos filosóficos (mas ditos de maneira muito simples) e referências culturais, poderia soar artificial em outras mãos, mas aqui flui com naturalidade, porque Trueba entende que pessoas reais também falam assim — especialmente artistas, que vivem entre a vida e a representação.

Crítica | Volveréis explora a beleza inesperada dos finais
Los ilusos films/Divulgação

Os atores são essenciais para essa veracidade. Itsaso e Sanz entregam performances tão orgânicas que é fácil esquecer que estão atuando. Eles não interpretam heróis ou vilões, mas pessoas reais, cheias de contradições. Ale oscila entre a segurança e a dúvida; Alex, entre a resignação e o desejo de recomeçar. Nenhum dos dois é totalmente racional, e é justamente essa humanidade que os torna tão cativantes.

O final aberto é a cereja do bolo. Trueba não nos diz se Ale e Alex realmente se separam ou se reencontram no meio do caminho. E não importa. O que fica é a sensação de que, às vezes, o mais importante não é o destino, mas como lidamos com a jornada. A festa, que no começo parecia uma contradição, no final faz todo o sentido — ela não celebra o fim, mas a liberdade de seguir em frente.

Crítica | Volveréis explora a beleza inesperada dos finais
Los ilusos films/Divulgação

Volveréis começa questionando por que associamos finais a dor e termina mostrando que, talvez, a maior sabedoria seja aprender a rir das próprias despedidas. Não há lição moral, mas um convite: que tal encarar a vida com a mesma leveza com que Ale e Alex encaram sua festa? Afinal, como o próprio filme sugere, o amor não precisa ser eterno para ser significativo — basta que seja verdadeiro. E no cinema, assim como na vida, às vezes é preciso desmontar para reconstruir.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.