Em 2024, a rivalidade entre Kendrick Lamar e Drake tomou proporções impressionantes, deixando muitos se perguntando: o que exatamente é uma diss track? A batalha entre os dois, que se desenrolou ao longo de semanas e rendeu sete faixas, reacendeu debates sobre o termo e a tradição das provocações musicais no rap.
Mas afinal, o que é uma diss track?
Diss tracks são músicas criadas para desrespeitar ou ridicularizar alguém, geralmente outros músicos. Esse tipo de música é muito comum no hip hop. Embora tenha ganhado força nos anos 1980, a ideia de atacar alguém através da música é bem mais antiga.
Essa prática, comum entre os rappers, vem do inglês “disrespect”, que significa “desrespeito”. Quando juntamos com “track” (música), temos uma “música de desrespeito”, por assim dizer. Essa ideia não é nova. No século 11, durante o trovadorismo na Europa, já existiam as “canções de escárnio”.
No século 19, com o surgimento da música popular, o desrespeito também teve sua vez. Um exemplo é a canção “Union Dixie”, muito popular nos estados escravistas do sul dos EUA antes da Guerra Civil. A letra provocava o Norte industrial: “Eu queria estar em Baltimore, onde faria os traidores da secessão rugirem imediatamente.”
Artistas como Queen, The Beatles e Sex Pistols também já usaram suas músicas para insultar pessoas, bandas e até gravadoras.
O começo de tudo
Muitos mencionam Os Beatles ao falar sobre as primeiras diss, pois a banda tinha grande notoriedade e não tinham medo de falar o que bem entendessem em seus últimos álbuns. Por exemplo, todos os elementos de uma boa diss track estão presentes na canção “Sexy Sadie” da banda, de 1968, que ficou famosa no Álbum Branco. Escrita como uma resposta aos sentimentos de abandono que John Lennon experimentava depois de estudar com Maharishi Mahesh Yogi na Índia, ‘Sexy Sadie’ era mais ou menos um ataque direto com um alvo específico em mente.
John Lennon continuou com suas diss tracks após a separação dos Beatles. Sua música mais agressiva foi “How Do You Sleep?”, do álbum Imagine (1971). Lennon escreveu essa faixa como resposta a uma provocação de Paul McCartney, que admitiu ter lançado indiretas em sua música “Too Many People”, do álbum Ram (1971). Lennon não cita McCartney diretamente, mas as referências na letra deixam claro o alvo: “A única coisa que você fez foi ‘Yesterday’ / E desde que saiu, você é só mais um dia.”
No álbum A Night at the Opera, do Queen, a faixa “Death on Two Legs” ataca o antigo empresário da banda, sendo hoje considerada um exemplo clássico de diss track no rock.
E no Brasil?
O Brasil também tem sua própria história de provocações musicais. Em 1933, Wilson Batista lançou “Lenço no Pescoço”, exaltando a malandragem. Noel Rosa, incomodado, sugeriu que Batista comprasse roupas e parasse de ser visto como um “malandro”, e sim como “rapaz folgado”.
A briga cresceu quando Wilson Batista respondeu com “Mocinho da Vila”, e em 1935, Noel Rosa deu o golpe final com “Palpite Infeliz”, defendendo sua honra e a de Vila Isabel, bairro carioca de onde veio: “Pra que ligar a quem não sabe / Aonde tem o seu nariz? / Quem é você que não sabe o que diz?”
A introdução no rap
Antes do lançamento dos primeiros discos de hip hop em 1979, a cultura do rap já girava em torno de competições ao vivo, onde letras sobre território, habilidade e identidade eram comuns, fornecendo muita munição para as diss tracks. A partir dos anos 1980, o diss se tornou sinônimo de batalhas, nas quais grupos ou indivíduos tentavam provar a superioridade de suas rimas.
Durante essa década, as mulheres no rap enfrentaram o desprezo devido à estrutura patriarcal do gênero. No entanto, rappers como MC Lyte, Monie Love e Queen Latifah responderam com diss tracks cheias de metáforas complexas e impacto social.
O termo diss track no contexto musical
O termo “diss” no contexto musical surgiu no início do hip-hop, especialmente nos anos 1980, quando MCs insultavam uns aos outros durante as batalhas, improvisando versos que humilhavam seus rivais.
Em 1987, por exemplo, KRS-One lançou “The Bridge is Over”, atacando o grupo Boogie Down Bronx, e intensificando a rivalidade entre rappers da Califórnia e Nova York.
Nos anos 1990, as diss tracks explodiram, com brigas entre rappers da costa Oeste e Leste dos EUA. Um exemplo famoso é o conflito entre 2Pac e Notorious B.I.G. A música “Who Shot Ya?”, de B.I.G., foi lançada logo após 2Pac ser baleado, o que levou 2Pac a responder com “Hit ‘Em Up”, uma faixa que não deixou dúvidas sobre o alvo da sua fúria.
O que compõe uma diss track?
Mais do que simples ofensas, diss tracks são elaboradas estratégias musicais. Cada elemento da música contribui para a efetividade da mensagem e a humilhação do oponente.
As letras são afiadas, cheias de metáforas, ironia mordaz e humor ácido. Muitas vezes, os rappers fazem referência a aspectos pessoais, como apelidos, eventos da vida privada ou erros públicos, tudo para atacar seus rivais de forma mais profunda. O objetivo é constranger, reviver traumas e expor vulnerabilidades.
Um exemplo recente é a disputa entre Drake e Kendrick Lamar em 2024. Drake acusou Kendrick de ser abusivo com sua esposa, enquanto Kendrick respondeu criticando Drake por ser um pai ausente, entre outras farpas.
Também é comum o uso inteligente de trocadilhos e jogos de palavras, criando rimas complexas e memoráveis. Os artistas precisam dominar a linguagem, rima e métrica para construir versos impactantes e criativos.
Melhores Diss Tracks
Tupac – “Hit ‘Em Up”
“Hit ‘Em Up” é um dos primeiros exemplos clássicos de diss track. Tupac direciona várias ofensas aos rappers da Costa Leste, com foco em Notorious B.I.G. Ele ataca a credibilidade musical de Biggie, sua vida pessoal e até sua esposa. Para muitos, essa é a maior diss track de todos os tempos. Não importa qual outra música você considere a segunda melhor, contanto que “Hit ‘Em Up” esteja no topo, está tudo bem. Pac foi implacável. Algumas linhas da música são tão pesadas que nem podem ser repetidas. O videoclipe só intensificou as provocações, com versos como: “Minha .44 garante que seus filhos não cresçam.”
Kendrick Lamar – “Not like Us
Kendrick Lamar entrou para o hall da fama das diss tracks com esta. As acusações de que Drake é um pedófilo são seríssimas e não devem ser ignoradas, mas transformar isso em um hit da Costa Oeste foi uma jogada ousada. Durante o verão, todos cantaram “Certified pedophiles,” “A-minorrrrrr,” e “OV-ho.” Kendrick literalmente usou a técnica de Drake: transformar uma diss track em sucesso. Uma verdadeira obra-prima de K-Dot.
50 Cent – “Back Down”
A rivalidade entre 50 Cent e Ja Rule é amplamente conhecida. Ambos lançaram diversas músicas atacando um ao outro, mas “Back Down” é, sem dúvida, a melhor. Foi esse diss que marcou o início do fim da carreira de Ja Rule como um grande nome no hip hop.
Notorious B.I.G. – “Kick in the Door”
Lançada poucos meses após sua morte, “Kick in the Door” é uma das melhores diss tracks de Biggie. Ele mirou em todos os MCs de Nova York que se achavam dignos do título de Rei de Nova York, incluindo Raekwon, Ghostface Killah, Nas e muitos outros. Biggie destruiu todos nessa faixa.
Notorious B.I.G. – “Who Shot Ya?”
Biggie e Pac dominaram o rap com uma habilidade lírica que inspirou estudos acadêmicos e debates profundos. Embora “Kick in the Door” tenha sido poderosa, “Who Shot Ya?” foi diretamente contra Pac, com insinuações sombrias e versos sutis que acertaram como golpes diretos. Linhas como “Who shot ya? / Separate the weak from the obsolete / Hard to creep them Brooklyn streets” fazem muitos acreditarem que Biggie e Puff estavam por trás do ataque a Tupac em um estúdio em Nova York.
Mariah Carey – “Obsessed“
Mariah Carey entrou no mundo das diss tracks com “Obsessed”, lançando uma indireta certeira para Eminem. A faixa foi o primeiro single do seu álbum Memoirs of an Imperfect Angel e, apesar do tom doce, o videoclipe em que Mariah interpreta tanto a si mesma quanto um perseguidor masculino (suspeito de ser Eminem) levou as provocações a outro nível. Eminem já havia citado Mariah de forma negativa em várias músicas, e “Obsessed” foi a resposta perfeita para a fúria do rapper.
Eminem – “Killshot“
Em “Killshot”, Eminem vai diretamente contra Machine Gun Kelly, disparando ofensas, humilhações e até ameaças. Ele não deixou de mencionar a ex de MGK, Halsey, trazendo G-Eazy para o conflito. Essa faixa marcou o retorno de Eminem às diss tracks, respondendo ao “Rap Devil” de MGK e derrubando cada argumento com maestria. Além disso, ele debocha da carreira, aparência e habilidade lírica de MGK. Para muitos, essa é sua melhor diss.
Nicki Minaj – “Barbie Dreams“
“Barbie Dreams” prova que uma diss track não precisa ter apenas um alvo. Nicki Minaj ataca vários rappers, incluindo Meek Mill, Drake, Young Thug e DJ Khaled, sugerindo traições e ressentimentos. A música é cheia de provocações inteligentes e divertidas, consolidando o talento de Nicki no gênero.
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