Tá na hora da gente parar de tratar filme dirigido por mulher como “diferentão”. Como se fosse um gênero à parte. Como se fosse só uma minoria tentando espaço. A real é que elas sempre estiveram por aí, criando, inovando, quebrando padrões, mesmo quando a indústria fingia que não. E agora que mais nomes estão sendo reconhecidos (ainda que a passos lentos), o mínimo que a gente pode fazer é rever os clássicos, celebrar as ousadas e, principalmente, assistir o que foi deixado de lado por puro machismo de bastidor.
Essa lista não tem “top melhores” nem “as mais premiadas”. É um convite pra assistir filmes incríveis que têm algo em comum: foram dirigidos por mulheres. E cada um deles tem alma, coragem e estilo. Não importa se é romance, terror, drama ou ficção científica, tem mulher comandando e entregando tudo atrás das câmeras.
O Conecta Geek separou aqui 15 filmes dirigidos por mulheres que todo mundo deveria assistir pelo menos uma vez na vida. Para repensar, sentir, se incomodar, se emocionar e, claro, indicar pra geral depois.
Cléo das 5 às 7 (1962), de Agnès Varda
Um dos filmes mais lindos e inteligentes da Nouvelle Vague, dirigido por uma mulher que até hoje ainda não tem o reconhecimento que merece fora dos círculos cinéfilos. Em “Cléo das 5 às 7” (1962), acompanhamos duas horas na vida de uma cantora que está esperando o resultado de um exame médico. Só isso. E ao mesmo tempo, é tudo. É uma reflexão sobre medo, vaidade, identidade, feminilidade e sobre o tempo, esse bicho que corre e pesa diferente pra cada um.
Varda filma Paris com uma leveza absurda, como se fosse amiga íntima da cidade. Mas o mais potente do filme é como ela consegue transformar o simples em profundo. É um retrato sensível da existência feminina, feito por alguém que sabia muito bem o que era observar e ser observada.

Encontros e Desencontros (2003), de Sofia Coppola
Sofia Coppola tem aquele estilo sutil, meio nostálgico, que você ou ama ou ignora. Mas com “Encontros e Desencontros” (2003) ela pegou todo mundo de jeito. A história é sobre dois americanos perdidos em Tóquio, um ator veterano e uma jovem entediada. Nada de grandes viradas, explosões ou revelações. É só a conexão de dois estranhos no meio de uma cidade que parece tão distante quanto seus próprios sentimentos.
E é aí que mora a força do filme. Sofia cria um ambiente de estranhamento e ternura ao mesmo tempo. É sobre solidão compartilhada, sobre a confusão de estar vivo sem saber muito bem pra quê. O roteiro é delicado, os silêncios dizem mais que os diálogos, e aquele final… aquele sussurro final… virou história. Merecidamente, deu a ela o Oscar de Melhor Roteiro Original.

O Piano (1993), de Jane Campion
Jane Campion não tá pra brincadeira. Quando lançou “O Piano” (1993), ela já chegou botando o pé na porta. O filme é uma explosão de sensações. Fala sobre desejo, poder, silêncio e resistência, tudo embalado numa fotografia de cair o queixo e uma trilha sonora que gruda na alma. A história gira em torno de uma mulher muda, enviada com a filha para um casamento arranjado. Seu piano é sua voz. Sua forma de existir.
Campion constrói a narrativa com um cuidado absurdo. Nada é gratuito, nada é óbvio. Ela mostra a sensualidade feminina com complexidade, dor e delicadeza. O filme ganhou a Palma de Ouro e três Oscars, mas mais do que isso: virou referência em como dirigir um drama profundo sem cair no melodrama. É forte. É poético. E é dirigido com mão firme e coração exposto.

Lady Bird (2017), de Greta Gerwig
Greta Gerwig virou queridinha de Hollywood, mas “Lady Bird” (2017) já mostrava que ela tinha muito a dizer desde o começo. O filme é aquele típico coming-of-age, mas feito de um jeito que parece que ela leu o diário da sua adolescência. Christine — ou melhor, Lady Bird — é uma adolescente tentando entender seu lugar no mundo, brigando com a mãe, sonhando alto, se ferrando, se apaixonando.
É um filme engraçado e dolorido ao mesmo tempo. Greta acerta em cheio na direção dos atores, nos diálogos rápidos e sinceros, e principalmente na relação mãe e filha, que é o coração da trama. Tem um frescor, uma sensibilidade e uma honestidade que faltavam nos filmes de “adolescente branca em crise”. É direto, íntimo e profundamente universal.

Persépolis (2007), de Marjane Satrapi
Animação também é cinema, e das boas. “Persépolis” (2007) é baseado na graphic novel da própria Marjane Satrapi, e conta sua história de vida durante e depois da Revolução Islâmica no Irã. É um filme sobre política, repressão, identidade e exílio. Mas contado de um jeito pessoal, sensível, às vezes até engraçado. A mistura de animação em preto e branco com a dureza da história cria um contraste poderoso.
Marjane dirige como quem desenha com raiva e amor ao mesmo tempo. A animação ajuda a digerir a dor, mas não esconde nada. É uma daquelas histórias que você não esquece. Que te fazem olhar pra fora da sua bolha. Que te lembram o quanto a liberdade é um privilégio, e o quanto a arte pode ser resistência.

Retrato de uma Jovem em Chamas (2019), de Céline Sciamma
Esse filme é pura poesia visual. “Retrato de uma Jovem em Chamas” (2019) criou uma história de amor que é contida e avassaladora ao mesmo tempo. Uma pintora é contratada para fazer o retrato de uma jovem que está prestes a se casar, mas sem que ela saiba. E, no processo, as duas se apaixonam. Parece simples, mas a construção de cada olhar, cada toque, cada pausa, é milimetricamente pensada.
É um filme que respeita o tempo das mulheres. Que entende o silêncio como linguagem. Que entrega uma história de amor sem concessões ao olhar masculino. A câmera observa com desejo e respeito. É sobre arte, amor, memória e liberdade. E a cena final, meu deus, é de arrebentar qualquer um.

Os Exterminadores do Além Contra a Loira do Banheiro (2018), de Fabrício Bittar (com Dani Calabresa roubando a cena)
Ok, esse aqui não é dirigido por mulher, mas quando tem mulher no time criativo, a energia muda. Dani Calabresa em “Os Exterminadores do Além Contra a Loira do Banheiro” (2018) entrega tudo e mais um pouco, e a presença feminina ajuda a quebrar os clichês de gênero dentro do próprio gênero (no caso, o terror trash comédia). Mais mulheres nos bastidores também transformam os resultados finais. Sempre.

Você Nunca Esteve Realmente Aqui (2017), de Lynne Ramsay
Lynne Ramsay é daquelas diretoras que não falam muito, e seus filmes também não. Mas quando falam, doem. “Você Nunca Esteve Realmente Aqui” (2017) é um thriller psicológico tenso, violento e ao mesmo tempo delicado. Joaquin Phoenix vive um ex-veterano que salva meninas vítimas de tráfico sexual. Mas a diretora nunca foca na violência gratuita. Ela filma os traumas, os silêncios, os fragmentos da mente dele.
É o tipo de filme que poderia cair em mil armadilhas, mas Ramsay foge de todas. Ela dirige com uma precisão absurda. E mesmo sendo um filme sobre dor, é impossível não se conectar com a humanidade do protagonista. É brutal, mas é humano. E muito, muito autoral.

Quero Ser Grande (1988), de Penny Marshall
Se você cresceu nos anos 90, viu “Quero Ser Grande” (1988) mil vezes na Sessão da Tarde. O menino que deseja ser adulto e acorda no corpo do Tom Hanks. Parece só uma comédia leve, mas o que Penny Marshall fez ali foi muito mais do que isso. Ela entregou um clássico, com coração, humor e timing perfeito.
Foi a primeira mulher a dirigir um filme que arrecadou mais de 100 milhões de dólares nos EUA. Isso já diz muita coisa. Penny fez história mostrando que sim, mulher também sabe fazer blockbuster. E fazer bem feito.

Tomboy (2011), de Céline Sciamma
Antes de “Retrato de uma Jovem em Chamas” (2019), Céline Sciamma já estava fazendo barulho com “Tomboy” (2011), um filme lindo e sensível sobre infância e identidade de gênero. “Tomboy” (2011) conta a história de uma criança que, ao se mudar de cidade, começa a se apresentar como um menino. É sobre descoberta, liberdade, opressão e pertencimento.
É um filme delicado, sem julgamentos. Sciamma olha para os personagens com carinho e sem clichês. É o tipo de filme que você termina e precisa ficar em silêncio uns minutos. Porque ele toca em pontos profundos, e faz isso com uma leveza rara.

E tem muito mais: “Aves de Rapina” (2020), de Cathy Yan, mostrando que mulher também pode fazer filme de porrada divertido; “A Hora da Estrela” (1985), de Suzana Amaral, provando que o Brasil tem diretoras incríveis desde os anos 80; “Atlantique” (2019), de Mati Diop, com sua mistura mágica de realismo e espiritualidade; “Matrix” (1999), de Lana e Lilly Wachowski, reinventando a ficção científica.
O que não falta é talento feminino por trás das câmeras. O que ainda falta, e muito, é espaço, verba, visibilidade e distribuição. Mas enquanto isso não muda, a gente assiste, divulga, valoriza e cobra. Porque quando uma mulher dirige, ela não só conta uma história. Ela muda a forma como a gente vê o mundo.
E você, já tem sua diretora favorita?
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