O cinema sempre foi palco de controvérsias. Em meio a elogios e aplausos, algumas produções acabam gerando reações intensas, com protestos, campanhas de boicote e até censura em diferentes países. Seja por desafiar crenças religiosas, abordar temas políticos ou tocar em tabus culturais, esses filmes se tornaram símbolos de confronto — entre liberdade criativa e limites sociais.
E o resultado? Nem sempre o boicote silencia uma obra. Muitas vezes, ele a amplifica. A seguir, relembramos dez dos casos mais famosos da história recente em que o boicote tentou calar o cinema — mas nem sempre conseguiu.
1. A Última Tentação de Cristo (1988)
Dirigido por Martin Scorsese, o drama bíblico causou fúria em grupos religiosos ao humanizar Jesus Cristo e apresentar uma visão alternativa de sua trajetória. “A Última Tentação de Cristo” enfrentou protestos em várias partes do mundo, foi banido em países como a Turquia e teve sessões canceladas sob pressão de movimentos religiosos. Até atentados contra cinemas foram registrados na França.

Apesar das reações negativas, o filme ganhou status cult e passou a ser debatido em círculos acadêmicos e religiosos — um clássico exemplo de obra contestada que sobreviveu ao ataque. Scorsese, inclusive, ficou anos sem conseguir financiamento para novos projetos após a controvérsia.
2. Deadpool (2016) e a censura na China
O humor escrachado e a violência gráfica do anti-herói vivido por Ryan Reynolds renderam a “Deadpool” uma censura total na China, um dos maiores mercados de cinema do mundo. As autoridades alegaram que seria impossível editar o filme sem comprometer sua essência, o que inviabilizou qualquer versão adaptada.

Mesmo sem estrear por lá, a produção bateu recordes e consolidou a imagem rebelde do personagem. A ausência no mercado chinês não impediu o sucesso, e Deadpool se tornou um dos personagens mais populares entre o público jovem global, inclusive dentro da própria China, por meios alternativos.
3. Lightyear (2022) e a polêmica LGBTQ+
A animação da Pixar, derivada do universo de Toy Story, foi alvo de censura em mais de uma dezena de países por incluir um beijo entre personagens do mesmo sexo. Conservadores alegaram que a cena seria “inadequada para crianças”, e vários países com leis anti-LGBTQ+ simplesmente vetaram a exibição do longa.

Apesar do apoio da comunidade LGBTQ+ e de parte do público, “Lightyear” enfrentou dificuldades nas bilheteiras e uma recepção morna. A polêmica, porém, trouxe à tona discussões sobre representatividade em filmes infantis e a resistência de grandes estúdios em bancar essas pautas.
4. Não Olhe para Cima (2021) e o incômodo político
A sátira estrelada por Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence incomodou públicos conservadores por sua crítica ácida à desinformação, ao negacionismo científico e à inação política diante de crises. “Não Olhe para Cima” virou alvo de campanhas online que acusavam o filme de ser “militante demais” e tentar manipular a opinião pública.

Ainda assim, a produção se tornou uma das mais assistidas da história da Netflix. A controvérsia serviu como termômetro das divisões políticas contemporâneas e provou que filmes com viés crítico ainda têm força para provocar debates globais.
5. Borat (2006) e o embate cultural
Interpretado por Sacha Baron Cohen, o personagem causou revolta em diversos países ao fazer piadas sobre temas sensíveis como racismo, antissemitismo, machismo e política internacional. “Borat” foi banido em países como o Cazaquistão, Irã e Rússia, além de gerar processos contra o ator e acusações de humilhação pública por parte dos envolvidos nas filmagens.

Curiosamente, o Cazaquistão acabou adotando o personagem anos depois como ferramenta de marketing turístico, após perceber o impacto da exposição internacional. O filme é lembrado como uma das maiores ousadias já lançadas no cinema comercial.
6. A Entrevista (2014) e o ataque hacker da Coreia do Norte
A comédia estrelada por James Franco e Seth Rogen, que satiriza o regime norte-coreano, teve consequências que ultrapassaram o mundo do entretenimento. Após o anúncio de “A Entrevista”, hackers ligados ao governo norte-coreano invadiram os sistemas da Sony Pictures, vazaram e-mails internos e ameaçaram ataques terroristas contra cinemas que exibissem o filme.

Com medo de represálias, grandes redes nos Estados Unidos cancelaram as exibições. O filme acabou sendo lançado digitalmente e se tornou símbolo da resistência à censura. A crise foi tão séria que envolveu o FBI e gerou tensão diplomática entre os EUA e a Coreia do Norte.
7. Paixão de Cristo (2004) e a acusação de antissemitismo
Dirigido por Mel Gibson, o filme causou um intenso debate ao retratar a crucificação de Jesus com realismo brutal e ênfase na responsabilidade das autoridades judaicas da época. Grupos judeus acusaram “A Paixão de Cristo” de alimentar estereótipos perigosos e perpetuar o antissemitismo.

Apesar das críticas, o filme arrecadou mais de US$ 600 milhões e teve apoio massivo de grupos cristãos. Gibson se defendeu alegando fidelidade aos textos bíblicos, mas a polêmica manchou sua imagem por anos.
8. Fahrenheit 9/11 (2004) e a pressão política
O documentário de Michael Moore criticou duramente o governo George W. Bush e a invasão do Iraque, tornando-se uma das obras mais polarizadoras do início dos anos 2000. “Fahrenheit 9/11” sofreu tentativas de boicote por parte de redes conservadoras, pressões para não ser exibido em festivais e campanhas para desqualificar seu conteúdo.

Mesmo assim, o documentário venceu a Palma de Ouro em Cannes e se tornou o mais lucrativo da história até então. O filme provocou reflexões sobre a mídia, o poder político e o papel do cinema como ferramenta de oposição.
9. A Dama de Ferro (2011) e a reação britânica
A cinebiografia de Meryl Streep como Margaret Thatcher dividiu a opinião pública no Reino Unido. Enquanto conservadores acusavam o filme de explorar a fragilidade da ex-primeira-ministra, opositores diziam que a obra tentava humanizar demais uma figura controversa.

“A Dama de Ferro” foi alvo de protestos em exibições públicas e teve sessões boicotadas por grupos de esquerda e familiares da ex-líder. Ainda assim, o desempenho de Streep lhe rendeu um Oscar, e o filme permanece como um estudo poderoso sobre o impacto político no cinema.
10. Cuties (2020) e o debate sobre sexualização infantil
Lançado pela Netflix, o filme francês dirigido por Maïmouna Doucouré foi acusado por grupos conservadores, políticos e até celebridades de sexualizar meninas. “Cuties” foi alvo de boicotes, petições para remoção da plataforma e ataques nas redes sociais.

A diretora defendeu a obra como uma crítica justamente à sexualização precoce e ao uso das redes sociais por crianças. A controvérsia levantou discussões sobre moralidade, arte e os limites da representação cinematográfica.
Boicote ajuda ou atrapalha?
Curiosamente, nem todo boicote é um golpe fatal. Ao contrário: há casos em que ele funciona como publicidade gratuita. A polêmica atrai curiosos, fortalece debates e aumenta
O alcance do filme. “Não Olhe para Cima”, por exemplo, virou hit mundial. “Deadpool” brilhou mesmo fora do maior mercado do planeta. E “A Última Tentação de Cristo” permanece vivo no debate cultural, mais de três décadas depois.
Afinal, boicotar funciona?
Em tempos de redes sociais, censura e protesto caminham lado a lado. Mas uma coisa é certa: tentar silenciar um filme quase sempre gera mais barulho. Boicotes refletem conflitos profundos da sociedade e ajudam a revelar o que ainda incomoda. No fim, o cinema continua fazendo o que faz de melhor: provocar, incomodar e fazer pensar.
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