Hollywood
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Hollywood e seus duplos padrões: por que alguns escândalos afundam carreiras e outros são ignorados?

Entre cancelamentos estrondosos e silenciosas reabilitações, o que realmente determina o destino das estrelas de Hollywood?

Hollywood sempre soube se vender como o grande palco do glamour. Tapetes vermelhos, discursos emocionantes, campanhas de diversidade — tudo cuidadosamente montado para sustentar uma narrativa progressista e sofisticada. Mas por trás dos holofotes, a realidade é outra. Escândalos abafados, acusações seletivamente ignoradas e o jogo de poder mostram uma indústria onde a justiça depende de mais do que da verdade: depende de quem está no centro dela.

O movimento #MeToo, que tomou força em 2017, parecia ser a ruptura que faltava. Pela primeira vez em décadas, atrizes e profissionais dos bastidores se uniram para expor décadas de abusos silenciados. A queda de gigantes deu a sensação de que uma nova era estava se iniciando. Mas à medida que o tempo passou, ficou evidente: a justiça em Hollywood não é para todos — e raramente é equitativa.

Harvey Weinstein foi o rosto dessa revolução. Acusado por dezenas de mulheres, entre elas Ashley Judd, Gwyneth Paltrow e Angelina Jolie, o poderoso produtor viu seu império ruir. Expulso da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, demitido da própria empresa e condenado a mais de 20 anos de prisão, sua derrocada foi rápida e exemplar. Por um momento, parecia que a indústria estava, enfim, disposta a se responsabilizar.

Mas o caso de Weinstein é mais exceção do que regra

Bryan Singer, diretor de sucessos como X-Men e Bohemian Rhapsody, foi alvo de várias acusações de abuso, inclusive envolvendo menores. Ainda assim, continuou trabalhando por anos em projetos milionários. Só após pressões crescentes e reportagens devastadoras ele começou a perder espaço — e mesmo assim, sem enfrentar o rigor judicial que derrubou Weinstein.

Kevin Spacey seguiu trajetória parecida. Após ser acusado por Anthony Rapp e outros homens de assédio sexual, perdeu o papel principal em House of Cards e foi digitalmente apagado de Todo o Dinheiro do Mundo. No entanto, sua tentativa de retorno foi rápida, com vídeos e discursos apelando ao perdão e à reabilitação pública. E apesar do escândalo, parte da indústria parece ainda disposta a ouvir sua versão.

Johnny Depp viveu uma batalha judicial exaustiva contra a ex-esposa Amber Heard, com acusações mútuas de violência doméstica. A opinião pública oscilou, mas sua carreira, curiosamente, sofreu menos do que se esperava: após perder contratos importantes com Disney e Warner, voltou a ser aclamado em festivais de cinema, como Cannes (2023), e manteve uma base de fãs ferozmente leal.

Ezra Miller, protagonista de The Flash (2023), protagonizou uma sequência de incidentes graves — prisões, acusações de agressão, denúncias preocupantes. Mesmo assim, foi mantido à frente de uma das maiores apostas da DC, com a justificativa de que o marketing do filme já estava em curso. A escolha gerou revolta e questionamentos: quais os critérios da indústria para perdoar?

Contrastando com esses casos, alguns artistas viram suas carreiras destruídas mesmo sem condenações formais.

Nate Parker, por exemplo, teve sua trajetória interrompida após vir à tona um caso antigo de estupro na faculdade — do qual foi absolvido. O filme que ele dirigiu e estrelou, O Nascimento de uma Nação (2016), foi boicotado e sumiu das premiações. Outro exemplo é Ansel Elgort, que enfrentou uma denúncia de conduta imprópria e teve sua imagem arranhada de forma quase irrecuperável, apesar da falta de processos oficiais.

A lógica por trás dessas reações desiguais não é apenas moral — é comercial

Estrelas que movimentam bilhões, que têm apelo global, contratos robustos e fãs fiéis, muitas vezes são protegidas pela engrenagem da indústria. O que está em jogo é dinheiro. Um nome que ainda rende nas bilheteiras, que atrai marcas e audiência, tende a ser poupado, enquanto outros, considerados descartáveis, são rapidamente deixados de lado.

Além do peso financeiro, há o jogo de bastidores. Agentes influentes, advogados midiáticos, executivos aliados — tudo isso contribui para que algumas celebridades recebam “mais uma chance”. Em contrapartida, quem não possui essa rede de proteção costuma ser o primeiro a cair.

As redes sociais também transformaram o modo como escândalos se propagam. Em um ambiente altamente conectado, onde campanhas de boicote podem ganhar tração em poucas horas, a reação do público tornou-se um fator decisivo. Mas, curiosamente, até esse clamor pode ser contornado. Com estratégias de PR bem planejadas, celebridades conseguem limpar suas imagens e ensaiar retornos cuidadosamente orquestrados.

Outro aspecto importante é o viés estrutural

Mulheres envolvidas em escândalos — mesmo quando são vítimas — enfrentam julgamentos mais duros. Em muitos casos, têm suas carreiras congeladas, rotuladas como “problemáticas” ou “difíceis de lidar”. Pessoas racializadas também enfrentam obstáculos maiores para reconstruir suas reputações. Já homens brancos, sobretudo os que carregam o status de lendas ou gênios, parecem sempre receber o benefício da dúvida — ou do esquecimento.

Mel Gibson é um exemplo gritante. Após declarações abertamente racistas, misóginas e antissemitas, passou anos afastado, mas acabou voltando como diretor de grandes produções e, aos poucos, reconquistando o respeito da crítica e do público.

O tempo, aliás, é um aliado poderoso. Em muitos casos, basta esperar. A memória coletiva tende a esfriar, a indignação se dissolve e uma nova oportunidade surge. Com o projeto certo, a equipe certa e o timing correto, o retorno de uma celebridade “cancelada” pode parecer natural — até inevitável.

Enquanto isso, o movimento #MeToo enfrenta seu maior desafio: manter-se vivo em uma indústria que, embora tenha sido sacudida, segue operando segundo seus próprios interesses. A exaustão do público, o excesso de narrativas manipuladas e o retorno gradual de nomes controversos demonstram que a cultura da responsabilização ainda é frágil.

Esse desequilíbrio se torna ainda mais evidente quando comparamos como mulheres são tratadas diante de controvérsias. Ao contrário dos colegas homens, muitas delas não recebem segundas chances — mesmo quando a polêmica nem se compara, em gravidade, aos casos que envolvem abusos físicos ou sexuais.

Janet Jackson, por exemplo, teve sua carreira profundamente afetada após o chamado “nipplegate” no Super Bowl de 2004. Em uma performance com Justin Timberlake, seu seio foi exposto brevemente em rede nacional. As consequências foram desproporcionais: Janet foi banida de premiações e teve sua imagem arranhada por anos. Timberlake, por outro lado, saiu praticamente ileso.

Megan Fox passou de queridinha de Hollywood a “persona non grata” após denunciar o comportamento abusivo do diretor Michael Bay, com quem trabalhou em Transformers (2007–2009). Suas críticas foram desdenhadas como “birra”, e sua imagem foi reduzida a estereótipos sexistas. Só recentemente começou a receber o reconhecimento que merecia.

Lindsay Lohan, uma das maiores estrelas juvenis dos anos 2000, também foi rapidamente descartada após uma série de problemas pessoais e jurídicos. Apesar de lidar visivelmente com questões de saúde mental e dependência — algo frequentemente tratado com empatia no caso de homens —, foi ridicularizada pela imprensa e perdeu espaço. Enquanto isso, figuras masculinas como Robert Downey Jr. foram celebradas por suas “jornadas de superação”.

Roseanne Barr teve sua série cancelada imediatamente após um tuíte racista em 2018 — uma punição justa, mas que contrasta com o tratamento dado a Mel Gibson, Woody Allen ou Louis C.K., que continuam trabalhando mesmo após acusações graves.

Britney Spears enfrentou anos de exploração e abuso, inclusive sob uma tutela que durou mais de uma década. Ainda assim, sua narrativa foi, por muito tempo, tratada com escárnio pela mídia — diferente de colegas homens que enfrentaram colapsos públicos e foram recebidos de volta com empatia e louros.

Esses casos revelam uma estrutura profundamente patriarcal, onde mulheres são julgadas não apenas por seus erros, mas pela forma como existem. Qualquer desvio da “conduta ideal” é suficiente para deslegitimá-las. Enquanto isso, homens seguem sendo lidos como complexos, geniais, redimíveis.

E no fim, a pergunta que ecoa é simples, mas perturbadora: por que alguns caem de vez, enquanto outros sempre têm para onde voltar?

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Jornalista e formada em Cinema, apaixonada por cultura asiática e por contar histórias. Provavelmente já assisti tanto aos filmes do Adam Sandler que poderia atuar em qaulquer um sem precisar de roteiro.