Ozzy Osbourne faleceu na terça-feira (22), aos 76 anos, cercado pela família, em sua casa, após anos enfrentando o mal de parkinson e complicações de saúde que o afastaram dos palcos. Sua morte não foi discreta nem esquecida. Ao contrário, marcou o fim de uma era do rock em que o gênero ainda carregava em si o peso da rebeldia, do perigo e do descontrole. Ozzy não era apenas um vocalista, era a encarnação do lado sombrio da cultura pop-rock, uma figura que dividia opiniões mas jamais passava despercebida.
Chamado de “Príncipe das Trevas”, Ozzy não precisou se forçar a criar uma persona sinistra. Essa imagem brotou naturalmente da forma como ele cantava, agia e vivia. A escuridão era, em seu caso, mais do que visual: era política, emocional, espiritual. Representava o niilismo de uma juventude desencantada e a raiva contra o sistema. Era também uma forma de arte que se permitia vir do fundo do poço. Por isso, mesmo sendo temido e criticado, Ozzy foi reverenciado.

Durante mais de cinco décadas, Ozzy Osbourne moldou não só o heavy metal como também o próprio conceito de estrela do rock. Sua trajetória foi marcada por reinvenções, tragédias e escândalos, mas também por genialidade musical e uma autenticidade impossível de copiar. Ele nunca quis agradar a todos, e justamente por isso se tornou uma figura universal. Seu legado permanece como um dos mais duradouros da música contemporânea.
A cultura pop sempre tenta domesticar o estranho, tornar o incômodo palatável. Mas Ozzy resistiu a isso até o fim. Mesmo nos momentos em que parecia estar à beira da autodestruição, ainda era ele quem conduzia a narrativa. Sua morte não silencia sua influência, apenas reforça sua importância. O rock, desde sua origem, sempre precisou de figuras marginais. E Ozzy foi uma das maiores.
Neste especial do Conecta Geek, relembraremos as camadas dessa trajetória, de seu nascimento em Birmingham ao último show em sua cidade natal, passando pelas décadas de transformação pessoal e cultural que ele atravessou. Uma vida contada em gritos, acordes distorcidos e momentos que alternam entre o grotesco e o sublime. Um verdadeiro Príncipe das Trevas!
A voz do fim do mundo
Nascido John Michael Osbourne em Birmingham, em 1948, Ozzy cresceu em um ambiente sufocado pelo desemprego, pela pobreza e pela desesperança. Era filho da classe operária inglesa, criado em uma cidade industrial onde as oportunidades eram poucas e o futuro parecia pré-determinado. Disléxico e com dificuldades escolares, ele se sentia deslocado desde muito jovem. Sua primeira conexão real com a vida veio através da música, ao ouvir os Beatles. Foi nesse momento que entendeu que talvez houvesse uma saída.
Em 1968, juntou-se a Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward e formou uma banda chamada Earth. A mudança para o nome Black Sabbath aconteceu após se inspirarem em um filme de terror italiano. Era um presságio perfeito. O grupo rapidamente se distanciou do rock psicodélico da época, criando um som mais sombrio, pesado e lento, repleto de críticas sociais, imagens religiosas distorcidas e temas como guerra, loucura e vício. Assim nasceu o heavy metal, ainda sem saber que estava sendo nomeado.

A voz de Ozzy era fundamental para esse novo som. Aguda, irregular e quase espectral, ela não seguia os padrões da técnica vocal tradicional. Era, ao mesmo tempo, frágil e assustadora, como um grito de alerta vindo do além. Com ela, as músicas do Sabbath ganhavam um ar profético. Ele não era apenas um cantor: era o mensageiro de algo maior e mais sombrio. Sua presença no palco era como a de um xamã urbano, sempre à beira de um colapso.
O disco “Black Sabbath” inaugurou essa fase, mas foi “Paranoid”, lançado em 1970, que definiu o gênero. Com faixas como “War Pigs”, “Iron Man” e “Paranoid”, o álbum se tornou uma bíblia involuntária para o metal. Ao mesmo tempo em que assustava a crítica, conquistava uma legião de fãs que viam naquela música a expressão mais honesta do seu tempo. Ozzy se tornou, aos poucos, a personificação do desespero jovem traduzido em som.
Era um período em que o rock ainda carregava o peso de dizer verdades incômodas. E o Sabbath, com Ozzy nos vocais, dizia todas. Não havia promessas de futuro, apenas o retrato do presente brutal. E foi exatamente por isso que a figura de Ozzy começou a ganhar status mitológico. Ele não era um herói, nem um vilão: era a própria voz do fim do mundo.
Entre vícios, demônios e genialidade
O sucesso estrondoso do Black Sabbath nos anos 1970 trouxe fama, fortuna e um estilo de vida que Ozzy não estava emocionalmente preparado para suportar. As drogas e o álcool se tornaram não apenas um hábito, mas um sistema de sobrevivência. Enquanto a banda crescia, Ozzy se perdia cada vez mais em excessos. Sua instabilidade começou a afetar os ensaios, as turnês e os relacionamentos. Era como se ele estivesse em guerra com o próprio sucesso.
Em 1979, após anos de tensão interna, Ozzy foi demitido do Sabbath. Estava física e mentalmente destruído. Muitos pensaram que ali se encerraria sua carreira. Mas ele ressurgiu com força em “Blizzard of Ozz”, lançado em 1980. O álbum trouxe sucessos como “Crazy Train”, “Mr. Crowley” e “Suicide Solution”, marcando sua estreia como artista solo e revelando o jovem guitarrista Randy Rhoads. A parceria entre os dois trouxe uma sofisticação melódica inédita para sua música.
A morte de Randy Rhoads, em 1982, num acidente de avião durante a turnê de “Diary of a Madman”, foi uma tragédia profunda. Ozzy nunca superou totalmente essa perda. Mas ela também o consagrou como sobrevivente, alguém destinado a carregar a dor como parte da lenda. Em vez de sumir, Ozzy usou a tragédia para alimentar sua arte. Continuou lançando discos marcantes como “Bark at the Moon” e “No Rest for the Wicked”, sempre equilibrando autodestruição e reinvenção.
Ao longo dos anos, se acumulavam os episódios bizarros: a mordida no morcego durante um show, a pomba degolada em uma reunião com executivos da gravadora, a prisão por urinar próximo ao Álamo, nos EUA. Esses momentos viraram parte da sua persona. O que para qualquer outro artista seria o fim, em Ozzy virava combustível. Ele parecia crescer no escândalo, se alimentar do absurdo, transformar o grotesco em espetáculo.
Mesmo em meio ao caos, Ozzy manteve uma consistência musical impressionante. Seus álbuns solo exploravam temas como isolamento, morte e transcendência. O caos pessoal jamais comprometeu sua entrega artística. Ele provava que era possível ser um gênio disfuncional e ainda assim entregar beleza, complexidade e verdade. Ozzy era, antes de tudo, um artista comprometido com sua escuridão.
Vulnerabilidade, família e recomeços
Durante décadas, a imagem de Ozzy Osbourne foi construída com base em escândalos, drogas e caos. Mas com a estreia do reality “The Osbournes” na MTV, entre 2002 e 2005, o mundo viu um lado inédito da lenda do metal. Dentro de casa, ele era um homem confuso, atrapalhado, tentando viver uma vida normal com a esposa Sharon e os filhos Jack e Kelly. O programa fez sucesso imediato e revelou que o “Príncipe das Trevas” também era um pai amoroso, ainda que completamente perdido.
O contraste entre o ícone do rock e o homem desorganizado e vulnerável cativou o público. Ozzy se tornou meme antes da era das redes sociais. As cenas dele tentando lidar com eletrodomésticos, reclamando dos cães ou se esquecendo do que estava falando geraram identificação e riso. Mais do que isso, mostraram que por trás do mito havia um ser humano real, com falhas, inseguranças e muito afeto.
Sua relação com Sharon Osbourne, que também era sua empresária, foi marcada por altos e baixos intensos, mas também por lealdade e admiração mútua. Foi Sharon quem reergueu sua carreira, organizou turnês, criou o festival Ozzfest e manteve o legado de Ozzy vivo. Juntos, enfrentaram doenças, dependência química, crises públicas e transformações na indústria. Sharon foi o porto seguro de Ozzy e a âncora de sua sanidade.

Nos últimos anos, Ozzy passou a lidar com problemas graves de saúde. Em 2020, revelou ter parkinson. Sofreu cirurgias complicadas na coluna e no quadril, e ficou com mobilidade reduzida. Ainda assim, lançou dois álbuns nesse período: “Ordinary Man” e “Patient Number 9”. Neles, refletia sobre envelhecimento, morte e legado, com participações de músicos como Elton John, Jeff Beck, Eric Clapton e Tony Iommi.
Em entrevistas, ele sempre dizia que a música era sua razão de existir. Mesmo quando o corpo já não respondia como antes, sua vontade de se comunicar pelo som permanecia intacta. A voz podia vacilar, mas o coração nunca. E esse coração, exposto ao mundo por mais de 50 anos, continua batendo nas canções que ele deixou.
A última performance e o fim de uma era
O último show de Ozzy Osbourne aconteceu em julho, 17 dias antes de sua morte, em Birmingham, sua cidade natal. Intitulado “Back to the Beginning”, o evento reuniu os membros originais do Black Sabbath — Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward — além de participações especiais como Billy Corgan, vocalista e guitarrista do The Smashing Pumpkins; David Draiman, vocalista do Disturbed; Duff McKagan e Slash, baixista e guitarrista do Guns N’ Roses; Frank Bello e Scott Ian, baixista e guitarrista do Anthrax; Fred Durst, vocalista do Limp Bizkit; Jake E. Lee, guitarrista que tocou com Ozzy nos anos 80; KK Downing, guitarrista do Judas Priest; Lzzy Hale, vocalista e guitarrista do Halestorm; Mike Bordin, baterista do Faith No More; Rudy Sarzo, baixista que já tocou com grandes nomes do rock; Sammy Hagar, vocalista do Van Halen; Sleep Token, grupo que mistura metal e post-rock; Papa V Perpetua, associado ao Ghost;Youngblood, Tom Morello, guitarrista do Rage Against The Machine; e Zakk Wylde, guitarrista histórico de Ozzy e líder do Black Label Society. O palco foi montado no estádio Villa Park, com transmissão global em pay-per-view e cobertura total nas redes. Era mais do que uma despedida: era uma canonização em vida.

Ozzy foi levado ao palco em um trono gótico construído especialmente para a ocasião. Com dificuldade para andar, optou por cantar sentado, cercado por telões que exibiam imagens de sua carreira, desde o jovem de olhos arregalados em “Paranoid” até o senhor frágil que desafiava o tempo com dignidade. A primeira música foi “Black Sabbath”, e a última, “Ordinary Man”. Entre uma e outra, ele falou pouco, mas olhou muito. Cada gesto, cada expressão parecia carregar cinquenta anos de história.
A performance, apesar das limitações físicas, emocionou profundamente o público. Ozzy estava visivelmente debilitado, mas a voz permanecia intacta em sua estranheza arrebatadora. O tom não era de celebração eufórica, mas de reverência. Era um adeus consciente. Um fim aceito com serenidade.
O show arrecadou mais de 140 milhões de libras, destinados a instituições voltadas à pesquisa sobre Parkinson, saúde mental e dependência química. Ozzy sempre disse que devia sua vida à música e ao público. Essa apresentação foi sua forma de retribuir, de agradecer, de fechar o ciclo. Era como se dissesse: “A dor valeu a pena. Obrigado por terem ficado até o fim.”
Poucas figuras públicas têm a chance de encerrar sua história diante de uma plateia que os acompanhou por gerações. Ozzy teve. E soube transformar esse momento em arte, em gesto, em testemunho. A performance não foi um epílogo… foi uma assinatura. O ponto final escrito por quem sabia que, na memória coletiva, seria sempre lembrado como um profeta das trevas que, no fundo, só queria cantar.
Príncipe das Trevas é título que não se dá, se conquista
Chamar Ozzy Osbourne de “Príncipe das Trevas” pode parecer, à primeira vista, um clichê do marketing do rock. Mas, no caso dele, o título não foi imposto, foi conquistado. Ele não encarnava apenas a estética sombria. Ele era essa estética. Não como um personagem montado, mas como alguém que atravessou de fato os labirintos internos da dor, da loucura e do vício, e voltou para contar.
Ao longo de sua vida, Ozzy expôs suas falhas e seus colapsos com uma honestidade brutal. Não buscava absolvição nem queria servir de exemplo. Ele apenas se mostrava. E isso, em um mundo de aparências cuidadosamente fabricadas, era mais assustador do que qualquer maquiagem ou pentagrama. Sua autenticidade era o que tornava suas trevas tão convincentes. Ele não performava o descontrole, ele sobrevivia a ele.
A cultura pop muitas vezes cria ícones perfeitos, polidos, domesticados. Ozzy foi o completo oposto. Foi dissonante, sujo, imprevisível, inconveniente e, justamente por isso, verdadeiro. Sua figura não apenas resistiu ao tempo, como moldou o tempo ao seu redor. Influenciou gerações de músicos, de fãs, de rebeldes em busca de um ídolo imperfeito o suficiente para ser humano. O metal, sem ele, seria outro.

Mesmo nos seus momentos mais frágeis, ele manteve firme a conexão com quem sempre o acompanhou. Não eram apenas fãs: eram cúmplices de uma jornada caótica, mas profundamente honesta. Sua música nunca foi feita para agradar. Era feita para exorcizar. E, de alguma forma, nos ajudava a exorcizar também nossos próprios fantasmas.
Ozzy Osbourne não foi apenas um cantor. Foi símbolo. Foi metáfora. Foi o grito de uma geração que se recusava a sorrir enquanto tudo ardia em volta. Sua morte encerra uma era, mas seu nome, sua voz e suas trevas seguem vivos. Porque algumas sombras não apagam. Apenas se tornam parte da luz que deixamos acesa para lembrar de onde viemos.
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