Chega. Não dá mais para chamar de “gênio incompreendido”, nem de “artista polêmico”. Kanye West se tornou o rosto de algo muito pior: a normalização do extremismo, do ódio e da impunidade. O mais chocante não é apenas o que ele diz, mas o fato de que, mesmo depois de tantas declarações absurdas, ele continua tendo espaço.
E pensar que ele já foi um dos artistas mais influentes do século. Nos anos 2000, Kanye mudou o hip-hop, trouxe uma nova estética para a música e redefiniu o que significava ser um rapper. Ele saiu de produtor promissor para um dos nomes mais respeitados da indústria. Álbuns como The College Dropout, Late Registration e Graduation não só foram sucessos gigantescos, mas também estabeleceram um padrão sonoro inovador. Ele sabia misturar samples de soul com batidas modernas, sabia contar histórias de um jeito único, sabia criar hits que atravessavam gerações.
Mas a genialidade sempre veio acompanhada de um ego inflado. Nos primeiros anos, isso era parte do charme – a arrogância era quase divertida, fazia parte do pacote. Só que, ao longo do tempo, a linha entre confiança e delírio foi se apagando. A morte de sua mãe, Donda West, em 2007, foi um divisor de águas. Sem ela, Kanye parecia ter perdido o último fio de equilíbrio que o segurava. Os surtos ficaram mais frequentes, as polêmicas mais intensas. Ele interrompeu Taylor Swift no VMA, brigou publicamente com amigos e colaboradores, se aproximou de políticos extremistas e começou a se enxergar como uma espécie de messias.
Da excentricidade ao extremismo
A virada para algo realmente preocupante veio com a era Donda. Ao invés de apenas provocar, ele começou a agir como um propagador ativo do ódio. Chamou Marilyn Manson – acusado de múltiplos abusos – para seus shows, se aliou a grupos ultraconservadores e passou a vomitar discursos conspiratórios como se fossem verdades absolutas. E então, como se ainda houvesse um limite a ser ultrapassado, ele declarou: “Eu sou nazista” e “Eu amo Hitler”.
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Isso não é uma piada. Não é apenas uma opinião. É a glorificação de um dos momentos mais sombrios da história. Em vários países, fazer isso é crime. Nos Estados Unidos, no entanto, é só mais um dia normal na internet. A frase viraliza, gera manchetes, dá engajamento – e depois é esquecida como se fosse só mais uma bizarrice de Kanye West.
E o pior é que ele ainda tem influência. Não estamos falando de um ex-artista decadente gritando ao vento. Ele continua relevante, continua movimentando milhões, continua sendo ouvido. E esse é o perigo: ele transformou o extremismo em tendência, em um produto vendável.
Kanye West ainda tem espaço?
Mas o problema não é só ele. O verdadeiro absurdo é o sistema que ainda o sustenta. Kanye só segue tendo espaço porque existe uma indústria disposta a lucrar com ele, um público que o idolatra cegamente e plataformas que alimentam o caos porque ele gera cliques. O chamado “cancelamento” não passa de ilusão. Ele perdeu contratos? Sim. Mas perdeu influência? Nem um pouco. O cara some por um tempo, volta com mais força e continua sendo tratado como um artista excêntrico, e não como o propagandista perigoso que se tornou.
Prova disso é que, mesmo após cuspir no Grammy – literalmente e metaforicamente -, ele segue sendo recebido de braços abertos pela premiação. Em 2020, Kanye postou um vídeo urinando em um de seus prêmios, um gesto claro de desprezo pela instituição. Mas, poucos anos depois, o Grammy o convida para comparecer ao evento como se nada tivesse acontecido. O problema nunca foi falta de punição. O problema é que a indústria permite que ele siga em frente, sem consequências reais.
E não é de hoje que ele tem um histórico de reações extremas. Nos anos 2010 ‘s, ele chegou a ser internado involuntariamente e recebeu um diagnóstico de transtorno bipolar. Desde então, os fãs e até colegas de profissão usam sua condição como desculpa para suas ações, ignorando que saúde mental não transforma ninguém em nazista. Kanye já demonstrou inúmeras vezes que não tem interesse em se tratar. A questão não é se ele precisa de ajuda – é que ele não quer ajuda.
O ponto já não é mais se Kanye está arrependido (ele não está), nem se ele “precisa de ajuda” (ele claramente rejeita qualquer uma). A questão é: até quando vamos fingir que isso é só mais um capítulo de sua vida e não um problema real?
Kanye West não merece palco, não merece trending topics, não merece audiência. Ele já foi um dos maiores da música, mas agora é apenas um megafone do extremismo. E cada vez que ele volta para os holofotes, não é só sobre ele – é sobre a falha coletiva de uma sociedade que insiste em transformar homens perigosos em ícones.
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