MC Poze do Rodo é preso no Rio: entenda o caso e o debate sobre funk, crime e liberdade de expressão
Rede Globo/Reprodução

MC Poze do Rodo é preso no Rio: entenda o caso e o debate sobre funk, crime e liberdade de expressão

Na madrugada desta quinta-feira (29), o funkeiro MC Poze do Rodo, um dos nomes mais populares do gênero atualmente, foi preso em sua casa no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. A ação, conduzida pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), foi motivada por uma investigação que aponta suspeitas de apologia ao crime e possível vínculo do artista com o Comando Vermelho (CV), uma das maiores facções criminosas do país. A prisão temporária reacendeu um debate antigo: até onde vai a liberdade artística no funk, especialmente quando as letras e os shows parecem se misturar com o mundo do crime?

O caso específico de Poze do Rodo – nome artístico de Marlon Brandon Coelho Couto – gira em torno de seus shows em comunidades controladas pelo CV, onde traficantes armados com fuzis aparecem ostensivamente em vídeos que viralizaram nas redes sociais.

A polícia alega que esses eventos são usados para fortalecer financeiramente a facção, seja por meio da venda de drogas no local, seja pela promoção de uma imagem de poder. Além disso, suas músicas, segundo as investigações, fariam apologia ao tráfico, ao uso de armas e a confrontos entre facções rivais – temas que, para as autoridades, ultrapassam os limites da liberdade de expressão e adentram o campo do crime organizado.

O último show que chamou a atenção das autoridades aconteceu no dia 19 de maio, na Cidade de Deus. Nas imagens que circularam online, homens fortemente armados aparecem acompanhando a apresentação, o que, para a polícia, demonstra uma relação perigosa entre o artista e o crime. Horas depois desse evento, um policial civil foi morto em uma operação na mesma comunidade, embora não haja indicação de que os dois fatos estejam diretamente ligados.

O histórico do funk proibidão e a linha tênue entre arte e crime

Para entender a dimensão do caso, é preciso voltar no tempo. O funk proibidão surgiu nos anos 1990 como uma crônica musical das favelas cariocas, narrando o cotidiano da violência, do tráfico e da vida nas periferias. Músicas como “Rap das Armas”, popularizada por Cidinho e Doca e incluída na trilha de “Tropa de Elite”, retratavam a realidade crua das comunidades, muitas vezes com um tom de denúncia, mas também com certa glamorização.

Com o tempo, o gênero migrou para São Paulo, onde ganhou novas nuances, especialmente na Baixada Santista, com letras que falavam abertamente sobre o Primeiro Comando da Capital (PCC). O proibidão sempre flertou com o limite da legalidade, e muitos artistas foram alvos de operações policiais ao longo dos anos. A diferença é que, hoje, com a ascensão do trap e a profissionalização do mercado, muitos funkeiros suavizaram as letras para alcançar um público mais amplo e evitar problemas judiciais.

MC Poze do Rodo é um exemplo dessa transição. Antes conhecido por músicas com temáticas mais explícitas, ele adaptou seu repertório para se manter no mainstream, falando de ostentação, amor e vida luxuosa, sem abandonar completamente referências a armas e disputas – ainda que de forma menos direta. Essa estratégia, no entanto, não o livrou de encrencas. No ano passado, ele já havia sido alvo de uma operação que investigava lavagem de dinheiro por meio de rifas ilegais, tendo parte de seus bens bloqueados pela Justiça.

Liberdade de expressão ou incentivo ao crime?

O caso de Poze do Rodo traz à tona uma discussão complexa: até que ponto a música pode narrar a realidade das favelas sem ser considerada apologia ao crime? Juristas e defensores da liberdade artística argumentam que o funk, mesmo em suas vertentes mais polêmicas, é um reflexo de um contexto social marcado pela desigualdade e pela violência. Proibir essas expressões, dizem, seria censurar uma forma de resistência cultural.

Por outro lado, autoridades e críticos do gênero afirmam que alguns artistas ultrapassam essa barreira, tornando-se propagandistas do crime organizado. A presença de traficantes armados em shows, como no caso de Poze, é vista como uma clara sinalização de apoio tácito a essas organizações.

Não é a primeira vez que o funk vira alvo de projetos de lei que buscam restringir sua circulação. Recentemente, a vereadora Amanda Vettorazzo (União Brasil) propôs em São Paulo uma legislação para impedir shows com apologia ao crime organizado em eventos infantojuvenis – uma medida que, para especialistas, é redundante, já que a legislação atual já pune condutas criminosas.

Enquanto o funkeiro aguarda os próximos passos do processo, o caso deve continuar gerando debates. Se por um lado há um esforço das autoridades para coibir a influência do crime no entretenimento, por outro, persiste a questão: será possível separar completamente o funk de suas raízes nas comunidades, onde o tráfico e a violência ainda são parte do cotidiano?

O destino de MC Poze do Rodo pode servir como um termômetro para o futuro do gênero. Se condenado, ele se tornará mais um nome na lista de artistas perseguidos por suas letras e abre o leque para outros nomes como Oruam, filho do traficante Marcinho VP, que foi preso em fevereiro. Mas é importante ressaltar que, legalmente, o funk, mesmo em suas formas mais controversas, é uma expressão artística protegida pela Constituição.

Enquanto isso, nas periferias e nas playlists do país, o beat do funk continua tocando – com ou sem a aprovação das autoridades.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.