A categoria de Melhor Curta-Metragem Documentário do Oscar é conhecida por trazer histórias reais e provocantes, que muitas vezes passam despercebidas pelo grande público. Em 2025, cinco produções foram selecionadas para concorrer à estatueta, e o Conecta Geek mergulhou em cada uma delas para trazer uma análise geral da categoria. Com temas que variam de massacres históricos a debates contemporâneos sobre a pena de morte, esses curtas provam que a força de um documentário não está no tempo de tela, mas na profundidade de sua narrativa.
A cerimônia do Oscar, que acontece no dia 2 de março, promete destacar um desses trabalhos como o melhor do ano. Mas, afinal, o que esperar dos curtas documentários indicados? Produzidos em diferentes países e com abordagens técnicas variadas, cada filme traz uma perspectiva única sobre questões que impactam a sociedade.
Death by Numbers
Death by Numbers é um curta-metragem que tenta transformar uma tragédia em poesia, mas acaba tropeçando em suas próprias ambições. A premissa é forte: explorar os desdobramentos de um tiroteio em escola através dos olhos de uma sobrevivente, Samantha Fuentes, que enfrenta o assassino no tribunal. No entanto, o filme falha em equilibrar a sensibilidade necessária para abordar um tema tão delicado com a profundidade que ele merece. Em vez de mergulhar na complexidade emocional e social do evento, o documentário se perde em escolhas narrativas questionáveis e um tom que oscila entre o pretensioso e o superficial.
Uma das decisões mais intrigantes é o uso de um “X” para cobrir o rosto do atirador, supostamente para evitar dar-lhe notoriedade. No entanto, o efeito acaba sendo contraproducente. A técnica, que deveria ser uma forma de desumanizar o criminoso, chama mais atenção para ele do que para as vítimas. Além disso, o filme tenta construir uma narrativa poética em torno da tragédia, com discursos que soam mais como performances de slam do que como reflexões genuínas. Essa abordagem, embora possa ter sido bem-intencionada, acaba esvaziando o impacto emocional que a história poderia ter.
O curta também peca ao centralizar a narrativa em uma única voz, a de Samantha Fuentes. Embora sua experiência seja válida e importante, a falta de outras perspectivas faz com o evento pareça menor do que realmente foi. A tragédia de um tiroteio em escola é coletiva, mas o filme a reduz a uma história individual, perdendo a oportunidade de explorar as múltiplas camadas de dor e resiliência que envolvem um acontecimento desse tipo.
Apesar das falhas, há um aspecto que merece reconhecimento: o processo de criação do documentário claramente serviu como uma forma de catarse para Fuentes. Isso, por si só, já justifica a existência do projeto. No entanto, a execução deixa a desejar. As escolhas estéticas, como os poemas e a tentativa de criar uma narrativa lírica, parecem desconectadas da gravidade do tema. O resultado é um filme que, em vez de honrar as vítimas, acaba parecendo mais um exercício de estilo do que uma reflexão profunda sobre o trauma e a superação.
Death by Number tenta elevar uma tragédia ao nível da arte, mas acaba caindo em clichês e escolhas narrativas equivocadas. A intenção de evitar a glorificação do assassino é nobre, mas a execução falha em cumprir esse objetivo. O filme acaba se perdendo em sua própria tentativa de ser poético, deixando o espectador com a sensação de que a história real merecia um tratamento mais autêntico e menos forçado.
I Am Ready, Warden
Em I Am Ready, Warden, a diretora Smriti Mundhra nos coloca diante de um dilema que muitos preferem ignorar: o que significa tirar uma vida em nome da justiça? O documentário, que acompanha os últimos dias de John Henry Ramirez no corredor da morte, não se contenta em ser apenas um relato factual. Ele mergulha fundo nas nuances emocionais e éticas de um sistema que, ao tentar punir, muitas vezes repete o mesmo ciclo de violência que condena.
A premissa é simples, mas poderosa: mostrar os dois lados de uma história trágica. De um lado, o filho da vítima, carregando o peso de uma perda irreparável. Do outro, o próprio Ramirez, que, anos após cometer um crime hediondo, parece ser uma pessoa diferente daquela que cometeu o assassinato. A câmera de Mundhra não escolhe lados, mas nos força a questionar se a justiça, tal como é aplicada, realmente serve àqueles que ela pretende proteger.
O filme brilha em sua capacidade de usar o tempo de forma eficiente. Em pouco mais de 30 minutos, ele consegue explorar temas complexos como arrependimento, perdão e a natureza da punição. A escolha de focar em momentos íntimos — como a última ligação de Ramirez com seu filho ou o encontro emocional com o filho da vítima — é arriscada, mas funciona. Essas cenas, muitas vezes filmadas em silêncio, são as mais impactantes, justamente porque permitem que o espectador sinta o peso das emoções sem a interferência de uma trilha sonora manipuladora.
No entanto, a abordagem às vezes parece intrusiva, como se a câmera invadisse espaços que deveriam ser reservados ao luto e à reflexão pessoal. Há um equilíbrio delicado entre documentar e explorar, e I Am Ready, Warden nem sempre acerta nessa medida. Ainda assim, é inegável que o filme cumpre seu papel principal: provocar discussões incômodas sobre um tema que muitos preferem evitar.
A ambiguidade do filme em relação à pena de morte é tanto sua força quanto sua fraqueza. Ao não tomar um lado claro, ele permite que o espectador forme sua própria opinião, mas também corre o risco de parecer indeciso. Essa falta de uma perspectiva editorial forte pode frustrar alguns, mas é justamente o que torna o filme tão humano. Ele não busca respostas fáceis, apenas nos convida a refletir sobre o custo emocional e moral de nossas escolhas.
Incident
Assistir Incident algumas horas após ler sobre a tragédia envolvendo um jornalista, confundido com um criminoso e baleado nas costas ao voltar para casa, é quase uma experiência sem subtítulos. O documentário, que narra o tiroteio de Harith “Snoop” Augustus em Chicago em 2018, é, ao mesmo tempo, uma bomba-relógio e um espelho das distorções que persistem nas nossas narrativas sobre segurança e justiça. Não há dramatizações, não há entrevistas, apenas câmeras de segurança e câmeras corporais. Mas essa escolha técnica, ao invés de ser uma opção de estilo, se torna uma alegoria. As imagens que falam por si mesmas nos lembram que, em tempos de angústia, a realidade não precisa de adornos para ser brutalmente clara.
Incident utiliza o recurso de mostrar múltiplas perspectivas simultaneamente, como se quisesses ver todos os lados de um abismo ao mesmo tempo. Às vezes, essa edição acelerada pode ser confusa, mas é exatamente aí que reside sua eficácia. As imagens se sobrepõem, se cruzam, se engolem, mas ao final o que resta é a sensação de que o caos das ruas e das câmeras não é algo incidental. Ele é a própria rotina. Enquanto você vê a tragédia se desenrolar, a frustração é inevitável. Cada movimento dos policiais parece emanar uma resposta pronta, uma justificativa que não diz respeito ao ocorrido, mas sim a uma narrativa instituída – não por acaso, em um momento crucial, ordena-se que as gravações sejam desligadas. É o reflexo do sistema em sua essência: apagar a verdade antes que ela se torne incontrolável.
Essa técnica de não intervir no que é mostrado se torna um golpe direto. O filme é, na verdade, uma crítica silenciosa a todo o aparato policial. Cada frame, cada corte entre as imagens de câmeras de segurança e as reações dos envolvidos, questiona, sem palavras, o papel da polícia não apenas no incidente, mas no que se segue – uma tentativa desesperada de fabricar a mentira que vai manter a ordem, ou o que consideram ordem. Mas o que mais choca é a desumanização do que vemos. Fica claro que o homem baleado foi tratado como um estorvo, alguém que deveria ser descartado sem que isso fosse questionado.
Em um sistema que visa controlar, e, quando não pode controlar, silencia. O Incident expõe o problema, mas também lança uma luz sobre algo ainda mais sombrio: a tentativa constante de encobrir a realidade. Como se cada morte e cada injustiça tivesse de ser escondida de nós.
É nesse ambiente, onde a confiança na autoridade é desfeita a cada imagem, a cada vídeo que emerge, que nos damos conta de algo crucial. Não são só os policiais que têm o poder de matar, mas a forma como o sistema os mantém impunes que nos dá a medida de nossa impotência. No final, é o povo, os espectadores, as testemunhas anônimas, que terão de se fazer ouvir e dar visibilidade a essas imagens, ou as vítimas continuarão a ser apagadas antes que possamos vê-las com a clareza que elas exigem. Isso é o que me faz perguntar, ao sair da tela, se a reação do público será um choque momentâneo ou um grito que nunca mais será silenciado.
Instruments of a Beating Heart
Instruments of a Beating Heart é um daqueles documentários que, à primeira vista, parece fofo e inocente, mas, ao se aprofundar, revela camadas desconfortáveis. O curta acompanha um grupo de crianças japonesas do primeiro ano enquanto se preparam para uma apresentação de “Ode à Alegria” em uma orquestra escolar. A princípio, a ideia de ver crianças tão pequenas tocando Beethoven pode parecer encantadora, mas o que o filme realmente expõe é a intensa pressão por excelência que já começa na infância.
A diretora, Ema Ryan Yamazaki, opta por uma abordagem “mosca na parede”, sem entrevistas ou narrações, deixando que as imagens falem por si. Essa escolha estilística é eficaz para criar uma sensação de imersão, mas também pode ser interpretada como uma falta de posicionamento claro. O documentário não critica nem endossa explicitamente o sistema educacional japonês, o que pode deixar o espectador em um limbo de interpretações. Por um lado, vemos a dedicação das crianças e a beleza do trabalho em equipe; por outro, há cenas perturbadoras, como a professora repreendendo uma aluna por chorar, ensinando-a a suprimir suas emoções.
A técnica de montagem é um dos pontos fortes do filme. As cenas são organizadas de forma a alternar entre momentos de tensão e alívio, criando um ritmo que mantém o espectador engajado. No entanto, a falta de um fio condutor mais claro faz com que o documentário pareça mais longo do que realmente é. A ausência de uma narrativa mais definida pode ser vista como uma tentativa de manter a objetividade, mas também pode ser interpretada como uma falha em explorar as questões mais profundas que o tema exige.
O curta levanta uma questão importante: até que ponto a busca pela excelência justifica a pressão sobre crianças tão jovens? A cultura japonesa é conhecida por seu rigor e disciplina, e isso é refletido no sistema educacional. Enquanto alguns podem ver isso como uma preparação para o sucesso futuro, outros podem questionar o custo emocional para essas crianças. O documentário não oferece respostas, mas nos faz refletir sobre o equilíbrio entre disciplina e bem-estar emocional.
Apesar de sua simplicidade, o documentário consegue provocar discussões importantes. Ele nos lembra que, por trás daquela piada de que “crianças japonesas são boas em tudo”, existe uma realidade de rigidez e pressão que pode ser prejudicial. A normalização dessa cultura de excelência é, sem dúvida, um tema que merece ser debatido, e o documentário, mesmo sem tomar um lado claro, abre espaço para essa reflexão.
The Only Girl in the Orchestra
Há algo de mágico em um documentário que consegue capturar a essência de uma vida dedicada à música. The Only Girl in the Orchestra, dirigido por Molly O’Brien, é assim: uma melodia suave que, sem alardes, nos envolve e nos faz refletir sobre o que realmente importa. Como alguém que vive com os fones de ouvido colados à pele e o coração batendo no ritmo de cada compasso, confesso que fui fisgado não apenas pela história de Orin O’Brien, mas pela forma como o filme traduz sua paixão pela música em imagens e silêncios.
Orin O’Brien, a primeira mulher a integrar a Filarmônica de Nova York como contrabaixista, é o tipo de figura que poderia facilmente ser retratada como uma heroína grandiosa. Mas o documentário escolhe um caminho mais sutil, quase íntimo. A câmera a acompanha em seu apartamento, entre livros, partituras e memórias, enquanto ela relembra uma carreira de seis décadas com a mesma humildade de quem sempre preferiu ficar nos bastidores. E é aí que o filme brilha: na simplicidade. A direção de Molly O’Brien, sobrinha de Orin, é delicada e afetuosa, como quem conta uma história familiar à luz de velas.
A música, claro, é a grande estrela. Há cenas em que Orin toca seu contrabaixo, e é impossível não se emocionar. A câmera captura não apenas a técnica, mas a emoção que ela transmite através do instrumento. É como se cada nota fosse uma extensão de sua alma, e o filme sabe disso. A edição alterna entre imagens de arquivo e cenas atuais, criando um ritmo que lembra uma sinfonia: ora suave, ora intensa, mas sempre envolvente.
Confesso que, como amante de música, sou suspeito para falar. Já perdi a conta de quantas vezes assisti a filmes medíocres só porque a trilha sonora era incrível. E, embora The Only Girl in the Orchestra não seja medíocre — longe disso —, é inegável que a música eleva a experiência. A escolha de incluir trechos de obras clássicas, especialmente aquelas que Orin tocou ao longo da carreira, é um acerto que ressoa profundamente.
No entanto, a decisão de manter um tom leve e descontraído pode, para alguns, parecer superficial. Fiquei com a sensação de que o documentário poderia ter explorado mais os desafios que Orin enfrentou como mulher em um ambiente dominado por homens. Há ali uma história de resistência e superação que merecia mais espaço, mas que acaba sendo apenas insinuada.
Assim, The Only Girl in the Orchestra não é apenas um retrato de Orin O’Brien, mas uma sinfonia sobre humildade, paixão e legado. E, para quem ama música como eu, é um lembrete de que, às vezes, as melhores histórias são aquelas que não precisam de holofotes para brilhar.
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