Primeiras Impressões | Alien: Earth começa querendo estabelecer um novo espaço dentro do universo
Disney+/Divulgação

Primeiras Impressões | Alien: Earth começa querendo estabelecer um novo espaço dentro do universo

O início ousado e atmosférico da nova série da franquia

Alien: Earth chega com o peso de décadas de altos e baixos da franquia e, ao menos nesses dois primeiros episódios, consegue oferecer uma experiência que mistura reverência ao passado com ousadia narrativa. A trama gira em torno da nave de pesquisa USCSS Maginot, que cai na Terra carregando espécimes alienígenas, incluindo o Xenomorfo. A queda desencadeia uma série de eventos que envolvem Wendy (Sydney Chandler) e um grupo improvável de jovens sintéticos – antigos salva-vidas de um paraíso corporativo – que se veem em meio a um conflito que é tão político e econômico quanto aterrorizante.

Um dos aspectos mais notáveis dessa introdução é o cuidado com a ambientação. O interior da Maginot evoca diretamente a Nostromo do primeiro filme, trazendo de volta o retrofuturismo característico da série. Os computadores, por exemplo, são capazes de proezas tecnológicas complexas, mas têm a estética e interface muito semelhante a do MS-DOS, um detalhe que remete ao charme nostálgico da franquia. Fora da nave, outros cenários internos mesclam esterilidade e decadência, transmitindo a sensação de que algo errado é conduzido ali. E, como já é tradição no universo Alien, quando uma empresa está envolvida, dificilmente é para o bem.

Desde o início, a série não hesita em mostrar a que veio. O suspense inspirado em “Alien, o Oitavo Passageiro” é evidente, mas logo cede espaço para a ação. O Xenomorfo aparece cedo, acompanhado de outras criaturas alienígenas bem caracterizadas. A combinação entre efeitos práticos e digitais é um ponto alto, a ameaça é crível.

Inicialmente, a presença de outros alienígenas poderia parecer um risco, desviando o foco do monstro principal. Mas, dentro do contexto – uma nave de pesquisa biológica carregando diversas espécies –, faz sentido. Essas novas ameaças são secundárias, surgindo apenas nos momentos certos, e isso acaba enriquecendo o mundo apresentado sem roubar o protagonismo do Xenomorfo.

Por trás da produção, Noah Hawley reforça sua reputação como mestre em adaptar e expandir universos. Sua carreira nesse formato ganhou força em 2014 com a série “Fargo”, inspirada no filme dos Irmãos Coen, e seguiu em 2017 com “Legion”, considerada uma das adaptações mais criativas de quadrinhos para TV. Agora, ele encara a missão de revitalizar Alien, com a 1ª temporada de Alien: Earth atrasada por fatores como a pandemia e a greve dos atores em 2023.

A história se passa em 2120, dois anos antes dos eventos do filme original de 1979 e 16 anos após “Alien: Covenant”. Embora alguns detalhes tecnológicos não se encaixem perfeitamente na linha do tempo, Hawley não demonstra – felizmente – preocupação excessiva com a canonicidade rígida. O foco está na qualidade narrativa e na construção de um espaço próprio dentro do universo.

Essa liberdade criativa é visível na maneira como a série começa. Em “Terra do Nunca”, o primeiro episódio, o enredo apresenta a queda da Maginot em New Siam, cidade da corporação Prodigy, rival da Weyland-Yutani. O jovem gênio Boy Kavalier (Samuel Blenkin) lidera a empresa e tem como projeto a transferência de mentes humanas para corpos sintéticos. A primeira a passar pelo processo é Marcy Hermit (Florence Bensberg), uma menina de 11 anos gravemente doente que renasce no corpo de Wendy. Esse recurso narrativo levanta questões éticas importantes desde o início.

O cenário da Terra do Nunca – uma ilha controlada pela Prodigy – transmite um falso paraíso: jardins impecáveis, supervisão afetuosa da enigmática Dame Sylvia (Essie Davis) e a presença inquietante de Kirsh (Timothy Olyphant), possivelmente um sintético. A relação de Wendy com seu irmão de outra vida, Joe Hermit (Alex Lawther), agora médico da força de segurança da Prodigy, é o gatilho para que ela e outros jovens sintéticos se envolvam na missão de resgate após a queda da Maginot.

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O segundo episódio, “Mr. October”, muda o tom, aproximando-se mais da ação de “Aliens, o Resgate”. A narrativa se acelera, as mortes se multiplicam e o Xenomorfo ganha destaque caçando sem discrição. Há até momentos de humor, como na cena com ricaços em uma festa à fantasia, que acabam servindo como vítimas fáceis. Além do Xenomorfo, outras criaturas, como a bizarra “Audrey” e um polvo de múltiplos olhos, aparecem sem rodeios.

No entanto, a série não se resume à ação. Hawley insere discussões sobre ética, identidade e maturidade. Um exemplo é a escolha de transformar crianças em adultos sintéticos: elas têm força e resistência, mas continuam emocionalmente frágeis, temendo o escuro e reagindo como crianças diante do perigo. Isso levanta a questão, seriam elas realmente humanas? E qual o custo de colocá-las em missões letais?

A figura de Boy Kavalier é outro destaque. Seu discurso de que não busca lucro, mas sim “ter uma conversa inteligente” ao criar sintéticos com mentes humanas, revela arrogância extrema e o coloca como um personagem intrigante – e irritante. Sua dinâmica com a antagonista Yutani (Sandra Yi Sencindiver) promete bons embates corporativos.

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Estou surpreendido porque quase nada realmente pareceu incômodo, talvez a entrada de Kirsh e sua equipe na Maginot, sem armamento ou plano claro, beira a ingenuidade. A falta de estratégias de segurança que façam sentido no contexto. Por outro lado, momentos mais sutis, como a reconexão infantil entre Wendy e Joe, soam coerentes com o histórico emocional dos personagens. Outro elemento ainda misterioso é a aparente conexão telepática que os irmãos têm com o Xenomorfo, algo que deve ser explorado nos próximos episódios.

Esteticamente, a série impressiona. O visual da Maginot, a fotografia que alterna tons industriais e orgânicos, e a mistura equilibrada entre efeitos práticos e CGI reforçam a sensação de um mundo vivo e ameaçador. É uma homenagem clara aos dois primeiros filmes, mas sem se limitar a copiá-los. Há também um uso interessante de sobreposição de imagens que, além de evocar Hitchcock, é um recurso visualmente criativo no momento mais emocional da série até aqui. Ah, claro, não poderia deixar que citar que a sobreposição de imagens nessa série sem citar a referência mais aleatória que poderíamos ter: “A Era do Gelo” agora é cânone no universo Alien.

Primeiras Impressões | Alien: Earth começa querendo estabelecer um novo espaço dentro do universo
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Nos primeiros episódios fica evidente que Alien: Earth aposta em um ritmo calculado, resistindo à tentação de entregar respostas ou ação incessante. A série trabalha para criar um espaço próprio no vasto universo da franquia, sem deixar de agradar os fãs com referências bem posicionadas. É cedo para dizer se manterá a qualidade, mas o início demonstra segurança criativa e ambição temática muito maior do que vimos em Alien: Romulus.

Se Hawley conseguir equilibrar o desenvolvimento das tramas corporativas, o dilema ético dos sintéticos e o terror característico da franquia, Alien: Earth tem potencial para se tornar mais do que apenas uma boa adição à saga, mas sim uma das melhores histórias já contadas nesse universo.

Novos episódios da série, às quartas, exclusivamente, na Disney+.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.