Anger Foot é um shooter em primeira pessoa em que duas coisas importam: os pontapés e o batidão. Parte dessa review foi escrita levando em conta a versão pré-lançamento do jogo, mas alterações foram feitas após o lançamento, já que muitas funções foram adicionadas – inclusive a tradução!
O jogo foi desenvolvido pela Free Lives — que já fez história no cenário dos jogos com “Broforce ” e “Gorn“. A Devolver Digital (“Enter the Gungeon“, “Gris“, “Cult of the Lamb“) é a responsável pela publicação. Sinceros agradecimentos à ambas pelo código para review e pela confiança.
Bem-vindos a Merdópolis
Não, não foi erro de digitação: o jogo se passa em Merdópolis (Shit City, em inglês), um grande, colorido e tóxico antro, onde a única lei é o crime. Para um jogo cujo foco não é no mundo ou personagens, Merdópolis é uma parte particularmente divertida. Após alguns níveis, o jogo dá uma pausinha, permitindo que o jogador explore — com calma — uma parte da cidade.
Nessas partes, podemos interagir com NPCs e conhecer o caráter verdadeiramente louvável dos cidadãos da cidade. De ladrões a corruptos a ladrões de novo, essa é uma versão colorida, divertida e cômica da Gotham City da série “Batman: Arkham“: pra todo canto temos sujeira, poluição e crimes; mas, em Merdópolis, é assim que deve ser.
Além disso, as individualidades de cada gangue tem um pouco de espaço para brilhar nessas pequenas fases. Podemos entender melhor com que tipo de barbaridade estamos lidando: poluição de todos os tipos? Estelionatários e desvio de verba? Ou o clássico assalto armado?
Nunca brinque com um sneakerhead
Você é o assustador Anger Foot, um dos poucos cidadãos de Merdópolis que não participa de nenhuma gangue. Isso, no entanto, não te impede de ser um arruaceiro nota dez. Na fatídica noite em que você finalmente completa sua coleção de tênis, sua maior paixão, eles são roubados pela Gangue Violenta. É aí que seu colorido, furioso e delitoso frenesi começa.
Você deve passar por cada uma das gangues até chegar ao Ministro do Crime, para recupear todos os seus pisantes. Basicamente, é isso. Anger Foot não é um jogo que foca na narrativa, nem finge focar. Isso não o diminui de forma alguma, para o formato e proposta, uma história profunda nunca foi necessária.
Se quisermos mesmo aprofundar e divagar um pouco (ou muito), dá pra dizer que, embora a história e de Anger Foot e a cidade de Merdópolis seja superficial, repleta de clichês e grosseira. Afinal, é assim que uma parcela significativa das pessoas pensa ser o mundo real do crime.
Não entendam mal, o jogo não tenta de nenhuma forma ser uma crítica às parcelas mais marginalizadas do mundo. Apesar disso, sempre é válido (e até divertido) tentar se aprofundar em uma obra.
Pensando nisso, será que Merdópolis e seus cidadãos caricaturizados — que LITERALMENTE aplaudem a violência, ensinam bebês a assaltar, nadam no lixo, se esfaqueiam na amizade etc — podem ser um reflexo de como algumas parcelas mais “civilizadas” e privilegiadas da sociedade enxergam os marginalizados?
Chute, porrada e bomba
Agora, sim: a jogabilidade. O jogo é simples, temos um botão dedicado ao chute, que pode ser executado parado, em movimento e pulando (ou seja, sempre). Temos um botão para atirar e um para arremessar a arma, e é isso. Alguns calçados tem poderes especiais ativados também com um botão (shift, no teclado).
A grande maioria dos inimigos morre com um chute ou um tiro. Alguns inimigos são imunes a tiros e precisam ser chutados. Se não tiver uma arma equipada, chutar um inimigo roubará a arma dele. As armas funcionam exclusivamente a longa distância.
Em alguns momentos, essa disposição de comandos e mecânicas pode parecer escassa. Verdade, poderíamos ter algumas outras opções de combate ou combinações que fizessem diferença.
Por exemplo, se você pular em movimento e chutar em seguida, o personagem dá uma voadora com os dois pés. No início, é visualmente interessante, mas não serve nenhum propósito e não difere em nada do chute normal. É claro, não é um obstáculo para a diversão… aliás, é uma complexidade legal para quem é fã de dominar as mecânicas – o que é sempre é bem-vindo.
Música
A música é um elemento importantíssimo para o jogo. O ritmo contagiante dos batidões é o que vai te motivar e, às vezes, te hipnotizar. Em incontáveis momentos, dá pra realmente se perder na música e no tiroteio, só indo com o fluxo sem nem pensar — e parece que esse é exatamente o intuito.
No entanto, não há muitas variedade no repertório musical do jogo, então se não gostar no início, provavelmente não vai gostar mais tarde.
Níveis
O jogo é dividido em cinco “mundos” e níveis que progridem de forma linear. Cada mundo tem entre 13 e 15 níveis (com exceção do último, que é menor). Cada um deles representa o território de uma gangue e, ao final, temos uma luta com os diferentes chefes de gangue.
Os níveis costumam funcionar de forma bem parecida: a música começa meio abafada e lenta até você chutar uma porta e ir de encontro aos inimigos. Daí para frente, a música fica frenética e você pode chutar tudo que quiser, pegar armas e continuar com o massacre até o fim.
A maioria dos níveis pode ser completado em 1 minuto, se estiver com pressa, mas não passa de 4 minutos, mesmo se parar pra explorar cada cantinho. E parte da experiência — que é comum nesse tipo de shooter desde os primórdios com “DOOM” e “Wolfenstein” — é encontrar alguns segredos nas fases.
Estrelas
Cada nível oferece três estrelas: uma recebida ao terminar o nível e outras duas como recompensas por desafios específicos. É aqui que a rejogabilidade mais brilha! As estrelas, no geral, oferecem objetivos simples (mas não menos desafiadores): completar uma fase em menos de 1 minuto, completar uma fase sem matar ninguém e sem pular, usando um tênis específico ou descalço etc.
Para os que querem mais que a dose de dopamina e satisfação em violência gratuita que o jogo oferece, esses desafios vão exigir atenção especial e, consequentemente, horas adicionais.
Calçados
Mas as estrelas não são só de enfeite ou para auto-realização. É através delas que os outros brinquedinhos entram em cena, no caso: os pisantes, calçados, sapatos, saltos, tênis, chuteiras, chinelos, sandálias… São eles não só o objetivo do próprio Anger Foot mas também abrem portas para uma boa dose extra de diversão e caos.
Cada calçado tem um efeito diferente. A maioria fornece efeitos passivos, como dar uma segunda vida, reduzir sua altura, mudarem seus chutes para um gancho vertical digno de contorcionismo; ou seja, efeitos que te ajudam, te atrapalham, adicionam uma camada a mais de bagunça ou só te fazem sentir como um maníaco.
Chefes
Os chefes, embora poucos, são bem memoráveis. Em um dos chefes, para exemplificar, você vai ter que chutar um helicóptero… Pois é.
Os chefes são todos divididos em três partes, e alguns apresentam umas mudanças bem dinâmicas na jogabilidade. Eles também podem acabar sendo um desafio se não prestar atenção. E cuidado para não se frustar, pois se morrer no final da terceira parte, vai ter que fazer tudo de novo.
Acessibilidade
O ritmo acelerado de Anger Foot combinado às cores realmente pode ser difícil para os que lidam com epilepsia, por exemplo. O jogo oferece algumas boas opções para evitar qualquer tipo de problema, no entanto, a cautela ainda é recomendada — como o próprio jogo avisa assim que é aberto.
Anger Foot conta com opções simples de acessibilidade, como um modo assistido, onde pode-se escolher deixar os inimigos mais fáceis e/ou tornar o jogador imortal. Claro, é possível diminuir o brilho, os efeitos de luz e o chacoalhado da câmera, que podem ser fundamentais para quem sofre com isso.
Se sofre com qualquer condição afetada por cores e luzes piscantes, NÃO COMA OS LAGARTOS!
Sobre a linguagem, o jogo foi, em geral, muito bem traduzido pela equipe composta pelos PM Dulce Nogueira e Mateus Andrade, o tradutor Antônio Amarante e as revisoras Lia Bittencourt e Diva Nogueira — com elogios particularmente aos diálogos dos NPCs nos níveis mais calmos. Os diferentes calçados também foram traduzidos, a maioria mantendo a piada ou trocadilho, mas não de forma tão criativa.
Conclusão
Anger Foot sabe o que quer ser e faz isso muito bem: um simulador de violência colorida e cartunesca ao som de eletrônica hipnotizante.
Com controles e mecânicas responsivas e bem simples, trazer a carnificina em nome da sua coleção de tênis é divertido por várias horas. Merdópolis é uma fossa nojenta complementada por cidadãos ainda mais nojentos, ainda bem!
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