A Bloober Team ficou conhecida por mergulhar no psicológico com “Layers of Fear” e “The Medium”, mas ganhou projeção mundial ao assumir o ousado remake de “Silent Hill 2”. Contra todas as expectativas, entregou um trabalho que respeitou a essência do clássico e provou que o estúdio tinha maturidade para lidar com ícones do terror. Ainda assim, restava uma dúvida: seria capaz de criar algo próprio que se sustentasse sem o apoio de um nome consagrado? Cronos: The New Dawn é a resposta.
Lançado como uma nova (propriedade intelectual) IP, o jogo não apenas reafirma a Bloober como especialista no gênero, mas também mostra uma confiança inédita. The New Dawn é um survival horror que olha para o passado, aprende com os mestres e tenta trilhar seu próprio caminho. A experiência é tensa, envolvente e, acima de tudo, diferente o bastante para justificar sua existência.

Gráficos e desempenho
Do ponto de vista técnico, Cronos: The New Dawn não compete diretamente com produções gigantes em realismo visual. Seu mérito está na direção de arte e na forma como os cenários transmitem sensação de abandono. As ruas da Cracóvia, devastadas pela catástrofe chamada The Change, são cheias de detalhes que contam histórias sem precisar de diálogos: pichações, prédios corroídos, corredores tomados por ferrugem e névoa densa que encobre a visão.

Os ambientes carregam muito da cultura e da história polonesa, algo raro em jogos do gênero. A visita à Siderúrgica Tadeusz Sendzimir, por exemplo, mostra o cuidado em criar locações que não soam genéricas. É uma ficção científica de sobrevivência, mas com raízes em um passado alternativo da Polônia, o que dá identidade própria ao título.

No desempenho, o jogo se mantém estável. Mesmo com efeitos de fumaça, partículas e cenários mais pesados, não há quedas perceptíveis na taxa de quadros. O visual não reinventa a roda, mas cumpre seu papel de criar um clima de opressão constante. Só um adendo: o jogo é muito escuro, até de forma exagerada. Eu tive que aumentar o brilho do HDR para poder enxergar algo em alguns trechos. Claro que isso faz parte do mundo de Cronos, mas é algo que poderia ser melhor ajustado.

Jogabilidade e dificuldade
O coração de Cronos está em seu sistema de combate e gerenciamento de recursos. Os inimigos, chamados Órfãos, já seriam perigosos sozinhos, mas a mecânica de fusão transforma cada confronto em uma roleta russa de risco e estratégia. Quando derrotados, eles podem se fundir com cadáveres próximos, dando origem a monstros maiores, mais resistentes e, em alguns casos, com habilidades adicionais como cuspir ácido.

Essa fusão muda completamente o ritmo. Não basta eliminar inimigos; é preciso garantir que eles não voltem ainda mais fortes. O lança-chamas, limitado em combustível, se torna a ferramenta mais valiosa, podendo tanto atordoar adversários quanto queimar cadáveres e impedir fusões. Decidir entre gastar combustível para um inimigo imediato ou economizar para o próximo encontro gera tensão constante.
A dificuldade não é injusta, mas exige disciplina. Subestimar a fusão significa quase sempre encarar a morte. Não é exagero dizer que a frase “não deixe que eles se fundam” é uma regra de ouro. Basta uma distração para que a situação saia do controle.

Outro ponto interessante é a possibilidade de carregar os tiros da arma principal. Esse recurso simples acrescenta estratégia: o disparo carregado é mais poderoso, mas deixa o jogador vulnerável durante o carregamento. Saber quando arriscar vira parte da dança mortal com os inimigos.
Além do combate, há quebra-cabeças ambientais que reforçam o aspecto survival horror clássico. Eles não são complexos demais, mas funcionam como alívios entre confrontos. A exploração também cobra atenção: cada canto pode esconder munição, células de combustível ou pistas narrativas. Ignorá-los pode custar caro.

Dicas importantes para sobreviver em Cronos
Após várias horas e mortes, posso garantir que essas dicas podem salvar sua jornada, portanto, vale destacar alguns pontos:
- Não deixe que eles se fundam – Corpos caídos podem ser absorvidos por inimigos próximos, que voltam mais fortes e mortais. A solução é simples: queime os cadáveres, use ataques de fogo para interromper a fusão ou acerte tiros certeiros na cabeça para ganhar tempo. Campo limpo é campo seguro.
- Adapte-se ou morra – Gerencie cada recurso com cuidado. Decida se vai melhorar armas, investir em equipamentos ou guardar suprimentos para emergências.
- Carregue suas armas – Segurar o disparo libera ataques mais poderosos, mas exige precisão no timing. É arriscado, mas pode virar o combate a seu favor.
- Colheita de almas – Como agente coletor, o jogador usa uma ferramenta que permite extrair almas de figuras-chave do passado. Essa mecânica conecta diretamente a narrativa ao gameplay.
- Testemunhe a Mudança – Viagens no tempo para a Polônia dos anos 80 revelam segredos sobre o apocalipse e colocam o jogador no centro dos eventos que levaram à destruição do mundo.
- Explore sem medo – Suprimentos escondidos e segredos espalhados recompensam os mais atentos. Vasculhar cada canto é questão de vida ou morte.
- Som é sobrevivência – Fones de ouvido não são opcionais. Os sons guiam decisões e antecipam perigos. Ignorar isso é pedir para ser pego desprevenido.
- Melee é último recurso – Finalizar inimigos no corpo a corpo é possível, mas arriscado. O dano é baixo e a chance de levar a pior é grande.
Progressão de personagem e sala segura
Um dos elementos que mais lembram os clássicos do survival horror é a sala segura, o refúgio do jogador em meio ao caos. Em Cronos: The New Dawn, esse espaço funciona como base estratégica. É ali que você salva seu progresso, atualiza seu traje e fortalece suas armas, usando núcleos e energia coletados ao longo da exploração. Esses recursos podem ser obtidos ao derrotar inimigos, quebrar caixas ou explorar cantos escondidos do cenário.

Além disso, a sala segura oferece um baú de armazenamento, permitindo guardar materiais, munição e itens de cura. O mais interessante é que você pode acessar esse baú em outro ponto seguro do mapa, criando uma rede de logística útil em áreas mais perigosas. No início, o inventário é limitado, forçando escolhas estratégicas sobre o que carregar; com o tempo, o jogador pode expandir o espaço disponível usando materiais coletados.
A progressão do personagem também inclui a craftagem de itens. É possível criar munição extra e kits de cura, um recurso essencial para sobreviver aos encontros mais intensos. Esse sistema dá ao jogador controle sobre como se preparar para cada desafio, tornando cada escolha significativa.

Em resumo, a sala segura não é apenas um ponto de descanso: ela é a base de operações, onde planejamento e estratégia se encontram, oferecendo ao jogador a chance de se fortalecer antes de enfrentar novamente os Órfãos e os horrores que espreitam pelo mundo devastado de Cronos.
Narrativa densa
O protagonista, chamado apenas de Viajante, começa sem personalidade marcante, sem expressões, sem falas que criem empatia imediata. No início, isso soa como uma limitação, mas com o tempo se revela uma escolha narrativa. O jogo mostra, aos poucos, mudanças sutis no comportamento do Viajante, refletindo a própria transformação imposta pelos eventos do game.

A trama parte de uma premissa direta: voltar ao passado para salvar pessoas capazes de reverter a catástrofe. Mas essa simplicidade inicial esconde viradas que tornam a jornada mais pessoal e psicológica. A cada viagem temporal, a linha entre salvar o mundo e enfrentar os próprios traumas fica mais complicada.

Há também a sensação constante de estar sendo observado. Em determinados trechos, um Órfão parece acompanhar os passos do jogador, quase como o Xenomorfo em “Alien Isolation”. Essa construção de atmosfera é o que diferencia Cronos de jogos que apostam apenas no susto fácil.
A mecânica da fusão pode virar tendência
Vale reforçar: a fusão dos Órfãos é o diferencial do jogo. Em um gênero saturado de inimigos que só servem como obstáculos, aqui cada corpo no chão é uma ameaça potencial. O jogador precisa pensar além do combate imediato.

Deixar inimigos se fundirem é quase sempre sentença de morte. Testar os limites dessa mecânica leva a momentos de pura tensão. Quem arrisca, logo descobre que enfrentar uma monstruosidade formada por múltiplos Órfãos é praticamente impossível sem planejamento.
Essa característica traz ao jogo uma identidade tão marcante quanto o desmembramento em “Dead Space”. Assim como lá, não é apenas um recurso visual, mas algo que altera profundamente como você joga.

Atmosfera de terror
Cronos se equilibra entre duas tradições do horror: o psicológico, que fez a fama da Bloober, e o de massa, inspirado em títulos como “Resident Evil 4” e Dead Space. O resultado é uma mescla que não abre mão da tensão constante, mas oferece momentos de ação mais acelerados.

Os sustos existem, mas o terror aqui é mais sobre antecipação e pressão de recursos. O simples som de passos em corredores escuros ou o barulho viscoso de um corpo se movendo já são suficientes para gerar ansiedade.
Há também momentos de alívio, como a presença de colecionáveis que oferecem recompensas. Detalhes assim quebram a tensão sem destruir a atmosfera.

Identidade e legado da Bloober Team
Após tantos anos apostando no horror psicológico, a Bloober Team parecia destinada a repetir fórmulas. O remake de Silent Hill 2 mostrou que o estúdio sabia trabalhar com material já consagrado, mas Cronos vai além: prova que a equipe pode criar algo com identidade própria.
As influências são claras, de capítulos das franquias Resident Evil a Silent Hill e Dead Space, mas a fusão dos Órfãos, o cenário polonês alternativo e a narrativa sobre viagem temporal colocam o jogo em território inédito.
É um título que equilibra tradição e inovação, respeitando o gênero sem se prender apenas a ele.
Considerações finais
Cronos: The New Dawn não é apenas mais um survival horror. É a afirmação de que a Bloober Team finalmente encontrou uma voz própria dentro do gênero. O jogo traz tensão real, mecânicas únicas e uma narrativa que começa simples, mas cresce em complexidade até prender de vez a atenção.
Ainda há espaço para melhorias como a caracterização inicial do Viajante que pode afastar alguns jogadores. O combate cadenciado e a fusão dos Órfãos também corre o risco de se tornar repetitiva com o tempo. Mas, no todo, o resultado é sólido, instigante e marcante.
Se Silent Hill 2 Remake mostrou que a Bloober sabe honrar o passado, Cronos: The New Dawn prova que ela tem futuro nas mãos e se consolida como uma das principais desenvolvedoras do momento!
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