Nesta sexta-feira 13, que tal explorar o terror produzido no Brasil? O cinema nacional vem ganhando destaque no gênero, trazendo histórias que misturam o medo com as peculiaridades da nossa cultura. Filmes como “As Boas Maneiras”, de Juliana Rojas e Marco Dutra, misturam terror com elementos de contos de fadas, trazendo uma nova roupagem ao gênero. Mas não faltam clássicos que merecem ser revisitados, como “Excitação”, de Jean Garrett, um dos filmes mais marcantes da Boca do Lixo, que representa as obras que desafiam as normais sociais e se focam na tensões psicológicas e no sexuais.
O terror brasileiro está longe de ser apenas um subgênero esquecido; ele está se consolidando, com roteiros ousados e uma identidade própria. Então, aproveite essa sexta-feira 13 para descobrir ou revisitar esses filmes!
13 – Propriedade (2022)
Propriedade, dirigido por Daniel Bandeira, é um filme que mistura suspense psicológico com uma crítica social incisiva sobre as relações de poder entre patrão e trabalhador. A história gira em torno de um homem que herda uma propriedade isolada, onde começa a confrontar segredos familiares, mas também as desigualdades que marcam as interações entre aqueles que detêm o poder e aqueles que estão à sua mercê. Ao usar essa dinâmica social como pano de fundo, o filme constrói um ambiente de tensão, onde a opressão e o medo vão além do sobrenatural, refletindo as disparidades entre classe dominante e subalterna.
O terror em Propriedade utiliza da alegoria das relações trabalhistas para criar um ambiente de inquietação crescente. O isolamento da propriedade, o controle do patrão sobre seus empregados e o peso das decisões de quem detém o poder tornam-se metáforas para as dificuldades vividas pelo trabalhador. Nesse sentido, o filme transita entre o psicológico e o social, mostrando como o medo pode ser, muitas vezes, uma construção gerada pela exploração e pela dominação. Através dessa lente, Bandeira não apenas entrega um thriller, mas também provoca uma reflexão sobre as estruturas de poder em nossa sociedade.
12 – O Animal Cordial (2017)
O Animal Cordial, de Gabriela Amaral Almeida, é um suspense psicológico que mergulha no lado sombrio da natureza humana, colocando em cena a transformação de um homem aparentemente comum em uma figura monstruosa. A trama se passa em um restaurante, onde um assalto inicialmente planejado como simples roubo se transforma em um verdadeiro pesadelo. A partir de uma narrativa tensa e cheia de reviravoltas, o filme questiona os limites da moralidade e o que acontece quando a máscara da civilidade se rompe, expondo os instintos mais primitivos.
A atmosfera claustrofóbica do restaurante e o jogo psicológico entre os envolvidos criam um clima perturbador, onde as aparências e os comportamentos civilizados desmoronam, dando espaço para uma brutalidade inesperada. Gabriela Amaral Almeida consegue transformar um cenário aparentemente comum em um ambiente de terror psicológico, fazendo o espectador se perguntar até onde o instinto de sobrevivência pode nos levar e qual a verdadeira face do ser humano quando pressionado ao limite.
11 – Morto Não Fala (2018)
Em Morto Não Fala, dirigido por Dennison Ramalho, Stênio, interpretado por Daniel de Oliveira, é um plantonista de necrotério que possui um “dom” peculiar: ele consegue se comunicar com os mortos. Acostumado a ouvir relatos dos falecidos todas as noites, sua habilidade começa a se voltar contra ele quando usa essas conversas para resolver um problema pessoal. A partir daí, uma maldição recai sobre Stênio e todos ao seu redor, criando uma espiral de angústia e erros sucessivos que o atormentam, enquanto ele tenta lidar com as consequências de seus impulsos.
A estreia de Dennison Ramalho na direção de longas-metragens traz à tona um conto escrito por Marco de Castro, que mescla terror psicológico e sobrenatural de forma hábil. Morto Não Fala transita com fluidez entre o estranho e o angustiante, explorando o gore e o sobrenatural sem perder o ritmo. A performance de Oliveira é essencial para a construção de um protagonista falho, cujos erros tornam a narrativa ainda mais perturbadora e cheia de tensão.
10 – Ninfas Diabólicas (1978)
Em sua estreia na direção, o lendário John Doo nos apresenta Ninfas Diabólicas, um filme enigmático que se destaca pela simplicidade de sua trama e pelo erotismo refinado. A história acompanha Úrsula e Circe , duas caroneiras que seduzem Rodrigo, um pai de família, levando-o para uma praia deserta. Ali, a tensão sexual cresce, transformando Rodrigo em uma figura cada vez mais animalesca, consumido pela paixão por elas. O que poderia ser apenas uma história de sedução se torna um jogo psicológico de desejo e obsessão.
Ninfas Diabólicas é uma mistura de erotismo e surrealismo, onde o comum se transforma em algo perturbador e cheio de simbolismos. Ao invés de seguir a fórmula das tradicionais pornochanchadas, Doo cria uma atmosfera carregada de intensas emoções e climas opressivos, que culminam em um final eficaz, ainda que previsível. O filme é uma prova da versatilidade do cinema nacional, que, por meio de uma produção simples, consegue entregar uma experiência única e memorável no universo do cinema fantástico.
9 – Mate-me Por Favor (2015)
Mate-me Por Favor, de Anita Rocha da Silveira, é um filme de terror psicológico que mergulha no universo perturbador da adolescência. A trama acompanha a história de uma jovem em um subúrbio carioca, onde a morte e o desejo se entrelaçam de forma desconcertante. Ao lidar com questões de identidade, sexualidade e o medo do futuro, a protagonista se vê em um turbilhão de sensações e impulsos que a levam a questionar seu lugar no mundo. A direção de Silveira é afiada, criando uma atmosfera tensa que mistura o grotesco e o sensual, em um retrato cru do desespero juvenil.
Com uma fotografia vibrante e um roteiro que flerta com o surreal, Mate-me Por Favor é uma reflexão sobre a violência, o amor e o vazio existencial. O uso da estética pop e de referências ao cinema de horror é uma maneira de fazer o público mergulhar em um pesadelo consciente, onde a linha entre o real e o imaginário se dissolve.
8 – Quando Eu Era Vivo (2014)
Quando Eu Era Vivo, dirigido por Marco Dutra, é um suspense psicológico que mistura mistério e elementos sobrenaturais de forma inquietante. A trama acompanha o engenheiro Edgar (Antônio Fagundes), que se muda para a casa de seu falecido pai, onde começa a perceber estranhas ocorrências, entre elas, a presença de uma figura do passado que parece querer algo de sua família. O filme explora com sensibilidade temas como a solidão, o luto e as memórias que, muitas vezes, nos assombram de maneiras inesperadas.
Com atuação imersiva de Fagundes, Quando Eu Era Vivo se destaca pela sua atmosfera densa e pelo clima de crescente tensão, que prende o espectador do início ao fim. A mistura de realismo e elementos sobrenaturais é conduzida com sutileza, fazendo com que o medo venha mais da psicologia dos personagens do que de sustos óbvios.
7 – As Boas Maneiras (2018)
As Boas Maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra, começa como uma história de suspense, mas logo nos leva por um caminho imprevisível, onde o terror e o drama se entrelaçam com uma delicadeza perturbadora. Clara, uma enfermeira que começa a trabalhar para uma mulher rica e misteriosa, Ana, logo se vê envolvida em uma trama que vai além do simples cuidado de uma gravidez. O que parece ser apenas uma relação de trabalho, vai se transformando em algo muito mais sombrio e fantástico, com o filme entregando, aos poucos, uma história que mistura medo com fantasia, sem perder a delicadeza nas trocas de poder e na construção de suas personagens.
A beleza de As Boas Maneiras está na forma como ele fala sobre o corpo, a transformação e as desigualdades sociais sem gritar por isso. Em vez de seguir uma fórmula de terror convencional, Rojas e Dutra criam um conto de fadas moderno e grotesco, onde a violência e o encantamento coexistem. As atuações de Isabél Zuaa e Marjorie Estiano são arrebatadoras, entregando personagens complexas que desafiam o espectador a pensar sobre o que é monstruoso e o que é humano.
6 – A Sombra do Pai (2018)
Em A Sombra do Pai, Gabriela Amaral Almeida cria uma atmosfera densa e perturbadora, onde o luto se transforma em um verdadeiro labirinto emocional. A história de Dalva, uma menina de nove anos que assume responsabilidades adultas após a morte da mãe, e seu pai Jorge, um homem endurecido pela perda, é contada com uma sensibilidade que não poupa o espectador. O incômodo vem da interação entre eles, onde o sobrenatural de Dalva, que acredita conversar com espíritos, se mistura com a brutalidade de Jorge, cujas feridas emocionais são tão visíveis quanto suas cicatrizes físicas. O terror aqui não se dá por monstros explícitos, mas pela desolação interna dos personagens, cada um reagindo à perda de uma maneira visceral e assustadora.
A direção de Amaral é habilidosa ao construir um mundo onde o medo está nas entrelinhas, nas sombras e nos silêncios. O filme se apoia em uma montagem que sugere mais do que revela, e cada corte, cada silêncio, carrega o peso do que está por vir. A fotografia opaca e a trilha sonora angustiante acentuam a sensação de que, dentro daquele lar quebrado, o verdadeiro monstro é o sofrimento não resolvido. Dalva, com seu olhar vazio e sua postura robótica, carrega consigo uma estranheza que nos deixa inquietos, enquanto Jorge, cada vez mais desfigurado por seu próprio luto, parece menos vivo do que os mortos que ele tenta enterrar. A Sombra do Pai é um retrato sombrio de como o luto pode devorar por dentro, transformando as pessoas em espectros de si mesmas.
5 – Caçada Sangrenta (1974)
Em Caçada Sangrenta, é um retrato brutal e poético do Brasil à margem, onde Ozualdo Candeias transforma o sujo e o feio em matéria prima para sua arte. O filme segue a fuga de David Cardoso, um homem carregando uma valise misteriosa, através de estradas de terra e cenários de poeira, perseguições em fuscas e kombis e uma luta de cores grotescas.
O diretor Ozualdo Ribeiro Candeia não precisa de glamour: a câmera, com ângulos simples e criativos, encontra a beleza nos lugares mais inusitados – entre corpos mal cuidados e cenários de escombros, a miséria vira poesia. Não há distância entre o diretor e os marginalizados que ele filma, há um olhar direto, sem o fascínio da classe média pela decadência. O que ele faz é dar uma voz para os invisíveis.
O filme se torna um documentário não oficial de um Brasil profundo e sem cortes. Prostitutas paraguaias, garimpeiros e indígenas entram em cena com naturalidade, sem qualquer preconceito ou exotização. A fuga do protagonista, entre encontros e desencontros, é também uma viagem pelos recantos esquecidos do país, onde a miséria é constante, mas a humanidade nunca desaparece.
4 – Espelho de Carne (1985)
Em Espelho de Carne, o espelho não reflete apenas o que está diante dele, mas também o que se esconde nas sombras da vida burguesa carioca. No interior de um apartamento, onde os personagens se sentem prisioneiros de suas próprias vidas de aparências, surge um objeto que irá desencadear a transformação de uma rotina morna e entediante em uma espiral de desejos reprimidos e luxúria sem freios. A classe média carioca, em sua busca insaciável por prazer, começa a se despir de suas máscaras, revelando um lado sombrio que, antes, estava guardado a sete chaves. O espelho, que deveria ser um simples presente, se torna a chave para uma exploração do desejo que transcende os limites do aceitável e do moralmente correto.
Antônio Carlos Fontoura mostra que Espelho de Carne não é só sobre o sexo – é sobre o poder das convenções sociais e o modo como elas prendem os indivíduos. A empregada, que ousa explorar seu próprio prazer, é excluída, enquanto os burgueses se entregam à luxúria sem culpa. O filme, com uma precisão afiada, expõe a hipocrisia de um sistema que permite o prazer apenas para os que pertencem à classe certa e de forma que não ameace a ordem estabelecida.
3 – Excitação (1976)
Entre as pornochanchadas que inundaram os cinemas brasileiros nos anos 70, Excitação se destaca como uma peculiar mescla de erotismo e suspense, revelando o apurado olhar de Jean Garrett para um fetiche audiovisual mais atmosférico do que explicitamente sensual. Apesar da nudez abundante, o diretor parece mais interessado em provocar um voyeurismo desconfortável, traduzido por zooms abruptos e cortes diretos que amplificam a tensão. No centro da trama, Helena e Renato vivem um casamento à deriva, enquanto as escapadas do marido com a vizinha Arlete e a prima Lu adicionam um tempero agridoce à narrativa, que parece não buscar o prazer, mas sim a inquietação.
Garrett ancora sua história em um senso de isolamento quase claustrofóbico, explorando as dinâmicas entre quatro personagens em um litoral desolado. Helena, fragilizada após um surto psiquiátrico, enfrenta madrugadas de terror com eletrodomésticos revoltados, enquanto Renato, mais fascinado pela eficiência tecnológica do que pela esposa, desconsidera seus relatos. Em meio às relações entre o quarteto, as pistas para os eventos sobrenaturais se acumulam, transformando o lar praiano em um palco de mistério. Excitação é, ao mesmo tempo, um experimento visual ousado e um retrato da brasilidade setentista que, mesmo dentro de suas limitações, diverte e mantém vivo um gênero que flertava com o potencial de um terror tropical.
2 – Trabalhar Cansa (2011)
Em Trabalhar Cansa, o diretor Marco Dutra usa o cotidiano de um casal simples como pano de fundo para expor uma crítica feroz ao capitalismo, transformando o ambiente de trabalho em um verdadeiro campo de terror. Helena (Helena Albergaria), ao se mudar para uma cidade do interior e começar a trabalhar em um supermercado, logo percebe que a rotina extenuante e desumanizadora não é apenas um meio de sobrevivência, mas uma força opressiva que corrói suas esperanças e sua saúde mental. O filme se utiliza de uma atmosfera crescente de tensão, onde a sensação de prisão vai se intensificando, refletindo de forma alegórica o terror de um sistema que exige o sacrifício do ser humano em nome da produtividade.
O verdadeiro horror em Trabalhar Cansa não vem de criaturas ou fenômenos sobrenaturais, mas da alienação imposta pelo capitalismo, que consome a vida de seus trabalhadores de maneira insaciável. A jornada de Helena se torna um pesadelo existencial, onde cada movimento no trabalho e nas interações sociais se transforma em uma busca vazia e angustiante por algo que parece cada vez mais distante. O filme nos confronta com a ideia de que o capitalismo, com sua lógica de exploração e esgotamento, é o verdadeiro monstro que nos devora, fazendo do desgaste físico e psicológico uma representação do terror mais genuíno e aterrador.
1 – À Meia Noite Levarei Sua Alma (1964)
Zé do Caixão é o anti-herói por excelência do cinema nacional, uma figura que mistura horror clássico com um tempero profundamente brasileiro. O personagem, criado por José Mojica Marins, é um coveiro amoral e iconoclasta que desafia as tradições religiosas enquanto busca a mulher ideal para gerar seu herdeiro. A trama de À Meia Noite Levarei Sua Alma subverte os padrões ao colocar o vilão como protagonista, exibindo suas ações vis e filosofias perturbadoras sem filtros. Seja ao profanar rituais religiosos ou humilhar os supersticiosos de sua cidade, Zé domina com violência, deboche e uma crença feroz na perpetuação do sangue como única imortalidade verdadeira. A fotografia em preto e branco, com jogos de luz e sombra, intensifica o clima aterrador e a força simbólica do personagem.
A narrativa é visceral e não poupa o espectador, trazendo um cinema físico e brutal que revela a decadência moral e o medo primitivo da morte. Mojica mergulha no absurdo e usa o terror como ferramenta de crítica social, expondo o atraso de uma sociedade aprisionada por crenças cegas. A jornada de Zé culmina em um embate entre sua filosofia e o sobrenatural, simbolizando o colapso de suas convicções. Com uma abordagem crua e ousada, este é um marco do gênero no Brasil, que combina o grotesco, o filosófico e o popular em um espetáculo inesquecível.
Menções honrosas
O terror é um gênero que funciona muito quando falamos de curtas-metragens. Aliás, muitos acabam se tornam longas e até mesmo franquias. Pensando nisso, não pude deixar de citar dois dos meus curtas de terror brasileiros preferidos:
- A Mão Que Afaga (2012)
- Vinil Verde (2004)
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