The Magic Whip | 10 anos de um disco que renasceu das cinzas de um show cancelado do Blur
Blur/Divulgação

The Magic Whip | O ‘disco japonês’ do Blur, completa 10 anos

Em 2015, o Blur nos presenteou com The Magic Whip, um álbum que surgiu de forma quase acidental, mas que se tornou um marco na carreira da banda britânica. Dez anos depois, o disco ainda ecoa como um testemunho da capacidade do grupo de se reinventar, mesclando nostalgia e inovação. A história por trás desse trabalho é tão fascinante quanto as músicas que o compõem.

Tudo começou em 2013, quando o Blur teve um show cancelado no Japão. Presos em Hong Kong, sem agenda e com tempo livre, os membros da banda decidiram entrar em um estúdio local para improvisar algumas sessões de gravação. O que poderia ter sido apenas uma maneira de passar o tempo se transformou no primeiro álbum do grupo com o guitarrista Graham Coxon desde “13”, lançado em 1999. Damon Albarn, vocalista e principal compositor, descreveu o processo como orgânico e despretensioso.

Não havia um plano grandioso. Apenas entramos no estúdio e começamos a tocar. Foi mágico.

O resultado foi The Magic Whip, um disco que captura a essência do Blur enquanto explora novos territórios sonoros. Produzido por Stephen Street, que já havia trabalhado com a banda durante o auge do Britpop nos anos 90, o álbum é uma viagem que equilibra o experimentalismo de Albarn com a veia rock’n’roll de Coxon, tudo sustentado pela base rítmica sólida da cozinha composta por Alex James (baixo) e Dave Rowntree (bateria).

Lonesome Street

A abertura do álbum, “Lonesome Street”, é uma declaração de intenções. Com guitarras vibrantes e um vocal cheio de sotaque cockney de Albarn, a música é uma homenagem ao passado do Blur, mas sem se prender a ele. A letra, que menciona pegar o “5:14 para East Grinstead”, é uma ode às pequenas histórias do cotidiano, algo que sempre caracterizou a banda. A produção é impecável, com camadas de sintetizadores e backing vocals que remetem ao clássico “Parklife”. É como se o Blur dissesse: “Estamos de volta, mas não somos os mesmos.”

Go Out

Go Out é uma das faixas mais energéticas do disco, com guitarras distorcidas e um ritmo pulsante que lembra os dias de “The Great Escape”. A música é uma mistura de pop e ruído, com Albarn cantando sobre isolamento e alienação em meio a uma cidade que nunca dorme. Coxon brilha aqui, com solos que parecem desafiar a estrutura da música, enquanto a seção rítmica mantém tudo coeso. É uma faixa que mostra o Blur em sua melhor forma: caótico, mas sempre no controle.

Ice Cream Man

Em contraste com a energia de Go Out, “Ice Cream Man” é uma balada introspectiva que flerta com o surreal. A letra fala de um sorveteiro, mas a atmosfera da música sugere algo mais profundo e sombrio. A produção é minimalista, com batidas eletrônicas e guitarras que ecoam como suspiros. Albarn canta com uma doçura melancólica, enquanto Coxon acrescenta camadas de textura com sua guitarra. É uma das faixas mais emocionantes do álbum, mostrando que o Blur ainda sabe como tocar o coração do ouvinte.

Ghost Ship

Meu último grande destaque desse grande álbum é “Ghost Ship” é uma surpresa deliciosa. A música mergulha no dub e no reggae, gêneros que o Blur havia explorado brevemente no passado, mas nunca com tanta profundidade. A linha de baixo de Alex James é hipnótica, enquanto a guitarra de Coxon flutua como uma brisa suave. Albarn canta sobre solidão e conexão, temas que permeiam todo o álbum. A produção, cheia de ecos e efeitos, cria uma atmosfera que é ao mesmo tempo relaxante e inquietante, soando como uma tentativa desses estrangeiros traduzirem Hong Kong.

A magia de Hong Kong

O ambiente de Hong Kong, onde o álbum foi gravado, é palpável em cada faixa. A cidade, com seus arranha-céus iluminados e ruas movimentadas, serve como pano de fundo para as letras de Albarn, que refletem sobre isolamento, alienação e a busca por significado em um mundo cada vez mais caótico. Em “Pyongyang”, por exemplo, ele canta sobre sua visita à Coreia do Norte, criando uma música que é ao mesmo tempo bela e perturbadora.

“Senti-me um pouco como um homem do espaço, e comecei enfrentar níveis distópicos de isolamento pessoal, angústia e medo”, diz o vocalista sobre o modo como a região inspirou as letras das faixas, em um mini-documentário que a banda lançou sobre o disco, em 2015. Assista o documentário (em inglês) completo:

A produção de Stephen Street merece destaque. Ele conseguiu capturar a essência do Blur enquanto permitia que a banda explorasse novos horizontes. O álbum soa moderno, mas sem perder a identidade que fez do Blur uma das bandas mais importantes dos anos 90.

Dez anos depois, The Magic Whip continua a ser um disco relevante. Ele mostra que o Blur não precisa se apoiar em seus sucessos passados para criar música de qualidade. O álbum é uma celebração da amizade e da criatividade, um lembrete de que, mesmo após décadas, a química entre Albarn, Coxon, James e Rowntree ainda é poderosa.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.