A cultura dos anos 2000 já virou peça nostálgica. Já falamos aqui sobre isso no mundo da música e por que não reviver um dos animes mais amados mais marcados por esse período? Death Note foi lançado em meados dos anos 2000, no auge do movimento emo, da popularização da internet, que consequentemente ajudou a criar comunidades online, seja para o bem, como para o mal.
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Embora a tentativa do live-action em 2017 não tenha pegado tão bem para um público, o produto ainda segue sendo muito popular, e, principalmente, muito fácil de se adaptar no ocidente. Diferente de “Ghost in the Shell”, que possuía questões culturais e de linguagens tão intrínsecas com o Japão, Death Note, por sua vez, busca se aproximar do público ocidental, na busca do que chamamos de “tema universal”.
Claro, existe um shinigami (entidade sobrenatural presente na mitologia japonesa, que convidam os seres humanos à morte), que é importante para a narrativa, mas Death Note se encorou numa suposta discussão de moralidade.
Além disso, o anime dirigido por Tetsuro Araki (“Highschool of the Dead“), e baseada no mangá de Tsugumi Ohba (“Bakuman”) e Takeshi Obata (“Hikaru No Go”) foi mais fundo nessa ideia de pegar o público ocidental, principalmente pela linguagem audiovisual do anime. Com uma trilha sonora orquestrada puxando para o épico, com uma montagem frenética, esse thriller investigativo era um dos primeiros a entender e performar bem o que hoje conhecemos como neo-noir.
Zack Snyder é o nome da emoção
Bom, se você leu o título, deve se perguntar o motivo pelo qual o diretor Zack Snyder seria ideal para essa empreitada. Pois bem, em 2021, o diretor disse em uma entrevista que consideraria adaptar um anime. O entrevistador em questão disse especificamente Dragon Ball, mas isso bastou para fãs de outras obras japonesas discutissem a respeito depois que o cineasta tinha acabado prematuramente seu projeto envolvendo personagens da DC Comics.
Vamos voltar à adaptação de 2017, dirigida por Adam Wingard (“Godzilla e Kong: Um Novo Império”) e bancada pela Netflix. O projeto era muito autoral e cineasta tinha uma ideia em mente: colocar em tela o quão ridículo seria Death Note no “mundo real”. Snyder, trabalha de forma oposta. Ele genuinamente acredita que suas obras, por mais bobas que sejam, realmente são maduras e profundas. Assim como Death Note se trata seus adolescentes com complexo de Deus.
Death Note não é tão inteligente assim
Vamos lá, embora exista adultos que gostem de Death Note, mas essa obra foi criada para pegar adolescentes. Um público que majoritariamente acredita ser mais esperto ou vivido que realmente é. De forma muito esperta a obra finge ser muito mais inteligente do que realmente é. As ideias são interessantes, mas elas não são aprofundadas e é aí que as semelhanças com Snyder aparecem:
Simbolismo cristão
Death Note é cheio de simbolismo cristão. Cruzes, sinos de igreja, maçãs (simbolizando o pecado) estão por toda parte. No entanto, esse simbolismo é puramente superficial. Não há ideias cristãs, agnósticas ou bíblicas na série. O caderno é associado à maçã, mas nunca está conectado ao Pecado Original ou ao conhecimento proibido.
Light Yagami é apresentado como uma espécie de anjo caído, semelhante a Lúcifer (Lúcifer = Portador da Luz), mas não vemos sua queda, ele é apenas uma pessoa muito má com um complexo de Deus.
O Dies Irae toca sempre que Ryuk ou Light fazem algo sinistro ou divino, mas por quê? Não há propósito — mas convenhamos, tornam as cenas mais épicas. Light nem sequer é apresentado como um Jesus ou uma representação do cristianismo que deu errado. Ele é adorado por umas pessoas que gostam de violência e acreditam que justiça é algo muito simples. Aos olhos do mundo ele é um criminoso muito perigoso. Só isso.
Incrivelmente tudo que disse acima pode ser adaptado para o que Zack Snyder fez em seus trabalhos usando personagens da DC. Sobretudo com o Superman. Esqueçam os valores morais mundanos de um humilde casal rural. Essa versão é o novo Jesus. Existe muito simbolismo e nenhuma substância. Mas estando na trama dá uma falsa sensação de profundidade de ideias e novas referências.
Personagens
Light, L e Misa são personagens estáticos sem complexidade. Eles nunca mudam ou crescem, jamais desafiam suas as crenças — diferente do L interpretado por Lakeith Stanfield no live-action — uns dos outros e nem mesmo dão contexto sobre o porquê de acreditarem no que acreditam.
Light acha que o mundo deve ser expurgado dos indignos, mas por qual razão? L não parece ter nenhuma moral ou valores. Misa é apenas uma fã de Kira e nada mais. O conflito entre eles parece até intelectualmente interessante, mas na verdade, eles são movidos por “roteirice”, onde novas soluções são criadas na hora para pegar o público desavisado e achar que os dois estudam o movimento entre os outros. Mas basta ler com mais atenção que você nota um grande vazio.
Claro, nem toda história precisa de personagens dinâmicos ou completos. Mas Death Note é a história perfeita para examinar a psicologia dos protagonistas e quebrar suas respectivas ideologias — e se vende dessa forma.
Justiça
Justiça é um tema central de Death Note, mas a história não tem nada a dizer sobre isso. O que é justiça? A história nunca fala muito sobre isso. Os personagens dizem muito a palavra “justiça”, mas é só isso. Talvez justiça não esteja se referindo à lei em geral, mas à pena de morte? Mas também não há muito sobre isso.
Light apoia a pena de morte, e L… também apoia a pena de morte. Ambos acreditam exatamente na mesma coisa, a única diferença é que Light acha que está acima da lei. Não há nenhuma nuance aqui, apenas uma luta entre um moleque fascista e um detetive com mais poder que deveria.
Não estou querendo dizer que Death Note seja uma obra ruim, pelo contrário, acho que ela acerta em cheio no que se propõe e o fato de ter virado sucesso mundial é a prova principal disso. Mas se, por acaso, você quiser ver algo que desafia o que seria um crime perfeito, discussões com referências filosóficas, eu recomendo você assistir “Festim Diabólico” (1948) de Alfred Hitchcock.
Já uma imaginária nova adaptação estadunidense de Death Note, pelo seu histórico de Snyder, ele não leria essa história de adolescente com tanto cinismo, como um adulto normal faria e que Wingard fez, mas tentaria transformar isso na coisa na coisa mais épica possível — já consigo até visualizar uma cena em câmera lenta do Light mordendo uma maçã ao som de um tema sacro.
Os fãs não querem profundidade, eles querem simbolismo vazio e supostas discussões de ideológicas e ninguém melhor que Zeca para isso. Aliás, não sou o único que acredita que seus filmes já soam com o anime. Ou seja, ele parece ser o único no marcado capaz de exercer em tela toda sua megalomania adolescente numa obra que se acha maior do que realmente é.
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