Em uma sessão dupla no Cinemateca Brasileira, em meu terceiro dia cobrindo a 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, assisti dois longas. Um documentário nacional e uma cinebiografia, em uma das sessões mais concorridas da mostra. A princípio, tanto No Céu da Pátria Nesse Instante, quanto Maria Callas, dentro do que cada obra se propõe, representaram grandes decepções para quem vos escreve. Saiba o motivo abaixo:
No Céu da Pátria Nesse Instante
Soa até estranho dizer isso, mas dentro do atual cenário político brasileiro, é muito difícil documentar algo ruim, mas Sandra Kogut, responsável pelo ótimo “Mutum”, conseguiu fazer um documentário sem foco, perdido e corta o carisma de seus melhores personagens por uma escolha errada na sala de edição.
A música “Tá na Hora do Jair Já Ir Embora”, de Juliano Maderada funciona como uma espécie de trilha de encerramento e esse tom humorístico involuntário são os melhores momentos de seu longa.
No Céu da Pátria Nesse Instante se vende como um filme sobre os acontecimentos do dia 8 de janeiro de 2023, quando, em Brasília, milhares de pessoas foram até a Praça dos Três Poderes, invadiram as sedes do executivo, do legislativo e do judiciário e destruíram tudo o que viram pela frente. Embora recente, o acontecimento já pode ser considerado um fato histórico. O trabalho de Sandra era construir a tensão até esse clímax, no entanto, ela opta em construir uma narrativa, por diversos personagens, sendo eles, a maioria envolvida diretamente no trabalho eleitoral.
Não existe problema nenhum em escolher um lado, afinal, se nem no jornalismo existe imparcialidade, não é no cinema que vamos exigir. No entanto, No Céu da Pátria Nesse Instante sofre de um problema muito comum: é uma obra para já convertidos.
Particularmente acho muito interessante a documentação do processo eleitoral em áreas ribeirinhas, mas o que isso vai me levar aos atos terroristas do dia 8 de janeiro? Qual o papel de Antonia Pellegrino nesse documentário? A roteirista parece uma simples representação de “mulher de político”.
Além disso, existem dois personagens bolsonaristas no longa, e eles são, com alguma folga, os mais interessantes do longa, mas nenhum deles esteve em Brasília durante o ato terrorista. Esse documentário falha em tudo que se propõe, sobretudo no peso histórico que seria relatar esse ataque direto à democracia. Uma pena.
Maria Callas
O diretor chileno Pablo Larraín, conhecido por suas cinebiografias ambiciosas, como “Jackie” e “Spencer”, tenta novamente com Maria Callas explorar os últimos dias de uma figura feminina icônica, solitária e melancólica. No entanto, o que poderia ter sido um retrato íntimo e emocional da lendária cantora de ópera acaba se revelando um exercício de pretensão visual que falha em capturar a profundidade da sua personagem.
Com roteiro de Steven Knight e fotografia de Ed Lachman, o resultado final é uma bela sessão de fotos para Angelina Jolie como uma aproximação superficial da diva notoriamente difícil, há muito considerada por muitos como a melhor cantora de ópera que já existiu.
Por falar na protagonista, Jolie, apesar da sua competência como atriz, parece perdida numa personagem que nunca se torna verdadeiramente sua. A performance como Callas é ofuscada pelo artifício da produção, e a tentativa de dublar as árias da diva transforma momentos chave em algo quase paródico, me fazendo revisitar um fantasma cinematográfico do passado: “Florence: Quem é Essa Mulher?”
Jolie aposta numa performance superficial, de uma nota só, onde o foco parece estar mais em recriar poses glamorosas do que em explorar as profundezas de uma mulher atormentada pela perda da sua voz e do seu propósito.
Maria Callas é quase todo ambientado numa casa luxuosa, o filme oferece interações monótonas entre a protagonista e seus empregados, sem conseguir adicionar profundidade ao drama. Mesmo as tentativas de criar tensão dramática, como uma entrevista imaginária que deveria revelar o passado de cantora, soam artificiais e deslocadas. A produção falha em captar a dor e a angústia que deveriam definir essa fase final de vida de Callas.
As relações centrais da trama, especialmente com Aristóteles Onassis (Haluk Bilginer), são caricaturais e desprovidas de química, esvaziando os momentos que deveriam refletir o amor e a traição.
No final, Maria Callas não consegue equilibrar sua estética visual com a profundidade emocional necessária. O filme transforma a vida trágica de Callas em uma sessão de fotos vazia, sacrificando a complexidade da sua personagem por uma abordagem visualmente bonita, mas emocionalmente estéril.
Leia outros textos da 48ª mostra:
Deixe uma resposta