A 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo começa na quinta (17) e vai até 30 de outubro. O evento, um dos mais importantes festivais do país, traz 417 títulos de 82 países em sua programação. As sessões acontecem em salas de cinemas, espaços culturais e CEUs espalhados pela capital. Nossa redação inicia a cobertura com dois filmes que tivemos a oportunidade de assistir em cabine de imprensa. Confira:
Sujo
As cineastas Astrid Rondero e Fernanda Valadez exploraram questões sociais e destino através de uma lente profundamente pessoal. Infundindo seu filme com visuais poéticos e uma atmosfera de fábula, seu mais recente trabalho, Sujo, acompanha a vida do garoto titular enquanto ele cresce à sombra da morte de seu pai, Josué El Ocho (Juan Jesús Varela Hernández), morto por um cartel rival, e da mulher que tenta guiá-lo com segurança até a idade adulta.
Órfão aos quatro anos de idade, Sujo (interpretado por Kevin Uriel Aguilar Luna quando criança) é criado por sua tia eremita Nemésia (Yadira Pérez Esteban), cujo nome significa vingança. Neme, como ele a chama, vive em uma isolada fazenda nas montanhas, onde histórias míticas brotam da terra como os lobos, cujos uivos são sempre ouvidos, mas seus corpos nunca vistos.
Neme é a protetora de Sujo, mas emocionalmente distante. Ela pode ver fantasmas e sabe que o futuro reside em deixar o passado para trás, mantendo o olhar firme no que está à frente. Quando sua amiga — e amante — Rosalía (Karla Garrido) sugere que o carro e o dinheiro do tráfico de Josué são a herança de Sujo, Neme se afasta dela. “Nada disso nos pertence”, ela sussurra.
No entanto, a violência do cartel — e o apelo do dinheiro que ela traz — nunca está muito distante e logo chama os filhos de Rosalía, Jeremy (Jairo Hernández Ramírez) e Jai (Alexis Jassiel Varela). Quando os adolescentes começam a puxar Sujo (Juan Jesús Varela) de volta para o mundo da violência, Neme o envia para a Cidade do México, onde uma professora de literatura igualmente determinada, Susan (Sandra Lorenzano), pode ajudá-lo a finalmente se salvar.
Uma fábula sobre traçar ou não o seu destino
Cada capítulo do filme é nomeado por uma força impressionante na vida de Sujo: Josué El Ocho, Nemésia, Jeremy e Jai, e finalmente Susan, com suas histórias entrelaçadas como em um romance, tecendo-se umas nas vidas das outras. No entanto, no fim, Sujo deve perceber seu próprio valor, ele deve comandar seu próprio destino. As cineastas frequentemente o enquadram sozinho, uma figura solitária cercada pela paisagem de Michoacán e o cenário urbano da Cidade do México.
Embora esse fábula moderna e urbana dialogue muito sobre destino, escolhas e família, a mão da direção pesa quando pensamos nos estereótipos de povos latinos. A violência, que parece um fantasma perseguindo o personagem nem sempre é justificado, mas o texto reforça isso. Tanto é que, mesmo quando Sujo faz progressos para deixar essa vida para trás, ela continua a puxá-lo de volta. O final do filme deixa muitas perguntas sobre para onde a vida desse jovem o levará.
Não Chore, Borboleta
Não Chore, Borboleta começa com o ponto de virada de uma história de traição: o caso extraconjugal de Ông Thành (Lê Vũ Long) é descoberto durante uma partida de futebol transmitida ao vivo.
Tâm (Tú Oanh) e sua filha Hà (Nam Linh) pegam a moto para confrontar a amante, mas a falta de determinação de Tâm deixa Hà frustrada: “Quem obriga você a sofrer assim?”. Uma simples pergunta que evoca a imagem clássica da mulher vietnamita: abandonada, priorizando a família acima da própria felicidade, aceitando sacrifícios para manter o lar em harmonia.
Ao focar nos papéis de gênero, o filme pinta um retrato familiar que parece comum: enquanto Tâm é uma mulher trabalhadora, que se desdobra para dar conta tanto do trabalho quanto das tarefas domésticas, seu marido não contribui em nada. Ao descobrir que o marido tem outra mulher, Tâm não o confronta diretamente, mas recorre a feitiços, na esperança de que ele mude de ideia e volte para a família.
Enquanto isso, Hà representa uma geração mais jovem de mulheres com uma mentalidade moderna, incapaz de aceitar as escolhas da mãe, o que gera um distanciamento entre elas. Insatisfeita com a infelicidade familiar, Hà sonha em escapar e estudar na Europa.
Misturando elementos da cultura popular com questões sociais
Tâm não imaginava que o feitiço que usou não teria efeito sobre seu marido, mas acabaria atraindo uma força sobrenatural, que se esconde dentro da casa. No entanto, apenas as mulheres conseguem vê-la. A princípio, sua presença se manifesta como pequenas manchas de água gotejando do teto, mas depois se transforma em uma substância pegajosa, de cor preta e opaca como piche, que se enraíza e cresce, espalhando tentáculos que dominam o ambiente e afetam principalmente Tâm.
Com inspiração no imaginário espiritual vietnamita e questões sociais relevantes, a diretora Dương Diệu Linh criou cenas fascinantes que combinam diversos gêneros, como comédia, fantasia e até toques de terror. A mistura de feminismo, folclore e superstição pode atrair um público aberto a conhecer novas culturas. No entato, a narrativa surreal e “desorientadora” que permeia o filme também enfraquece a conexão com o público, apesar do tema central ser sobre questões de gênero e desconexões entre gerações.
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