25 anos depois, Moon Safari do Air é a revolução suave da música eletrônica
Air/Divulgação

Moon Safari do Air é a revolução suave da música eletrônica

Em 1998, a música francesa vivia um momento singular. No auge de um cenário musical dominado por ritmos anglo-saxões, uma dupla de Versailles, cidade vizinha a Paris, lançou Moon Safari e, de forma inesperada, fez mais sucesso internacional do que em sua própria terra natal. O álbum não só trouxe o Air à tona, mas também deu ao mundo uma nova percepção do pop francês, até então pouco explorado fora da França.

A estreia do Air é um marco na história da música contemporânea, especialmente por seu papel em suavizar as fronteiras culturais do pop. Moon Safari é uma fusão de sonoridades eletrônicas, influências clássicas e uma sensibilidade quase cinematográfica. Uma das faixas mais intrigantes do duo é “Mike Mills”, um instrumental minimalista e meticuloso que exemplifica a abordagem única da banda. Com um contraponto ao estilo de Bach e um ritmo metronômico que encanta pela simplicidade, a música faz uma homenagem ao polímata de mesmo nome, que foi essencial na formação visual e conceitual do Air.

Mills, designer gráfico e diretor de videoclipes, ajudou a moldar a estética da banda, e isso se reflete não apenas na música, mas também na icônica arte da capa de Moon Safari, que se tornou um símbolo da identidade sonora e visual do grupo.

25 anos depois, Moon Safari do Air é a revolução suave da música eletrônica
Air/Divulgação

O Air, cujo nome é uma sigla para “Amour, Imagination, Rêve” (Amor, Imaginação, Sonho, em tradução livre), parecia brincar com as expectativas desde o início. Na capa do álbum, quase como uma provocação, as palavras “banda francesa” aparecem de forma discreta, sugerindo um certo exotismo que, na época, soava inusitado no universo anglófono.

No final dos anos 90, a música francesa, especialmente a eletrônica, vivia um momento de efervescência, com a chamada “french touch” conquistando seu espaço. No entanto, o Air sempre esteve na periferia desse movimento: sua sonoridade era mais suave, lenta, voltada ao relaxamento e à introspecção, mais próxima do “easy listening” do que das pistas de dança dominadas por nomes como Daft Punk e Cassius.

Mas é justamente essa recusa em se encaixar em categorias pré-estabelecidas que faz de Moon Safari um álbum tão singular. No Reino Unido, onde o Britpop começava a dar sinais de cansaço, a estreia do Air foi um sopro de ar fresco.

Eles eram exóticos o suficiente para despertar curiosidade, mas ainda traziam elementos familiares, como as influências do rock progressivo e do pop sofisticado dos anos 70, representadas por artistas como Electric Light Orchestra e The Carpenters. A faixa “All I Need”, com vocais de Beth Hirsch, é um exemplo claro dessa mistura, trazendo uma nostalgia ao mesmo tempo que consegue ser melancólica e futurista.

No entanto, esse sucesso no exterior não se refletiu da mesma forma na França. O Air nunca foi totalmente aceito em sua terra natal, e Moon Safari chegou apenas ao 21º lugar nas paradas francesas, um desempenho modesto considerando o impacto global do álbum. Isso pode ser explicado, em parte, pela escolha de cantar em inglês, o que, segundo Jean-Benoît Dunckel, um dos membros da dupla, fez com que o som fosse percebido como algo mais britânico do que francês.

O que há de diferente?

O que torna Moon Safari, do Air, uma obra acima da média não é apenas sua técnica ou suas influências, mas a humanidade que Nicolas Godin e Dunckel conseguiram injetar em sua música, diferenciando-a de tudo o que havia sido lançado até então. Embora mergulhado nas texturas eletrônicas, o álbum mantém uma alma palpável, com ecos de soul, referências ao movimento new romantic dos anos 80 e pinceladas de synth pop — que se tornaria muito mais popular no futuro.

Contudo, o que torna essa música eletrônica tão singular é que ela não soa puramente eletrônica. Quem adentrasse o estúdio da dupla poderia facilmente se confundir, pensando estar diante de uma banda de rock progressivo, dada a quantidade de instrumentos analógicos, como melotrons, órgãos e pianos, em harmonia com sintetizadores e guitarras. Essa fusão de tecnologias antigas e novas dá ao álbum uma profundidade rara no gênero.

Sucesso fora de casa

É curioso observar como Moon Safari desafiou expectativas tanto dentro quanto fora da França. Enquanto muitos esperavam que uma banda francesa tivesse que abraçar completamente sua nacionalidade para ser levada a sério, o Air escolheu uma rota diferente, criando uma sonoridade global que transcendeu rótulos. E talvez seja essa a maior conquista do álbum: ele abriu portas para a música francesa no mercado internacional, mostrando que, sim, uma “banda francesa” poderia ser relevante, inovadora e universal.

Apesar das vendas modestas na França, Moon Safari continua sendo um dos álbuns mais influentes da música eletrônica e pop das últimas décadas, tendo vendido mais de 2 milhões de cópias globalmente. Ao fundir a eletrônica suave com uma estética sonora sofisticada, o Air criou um trabalho que ainda soa atemporal e que ajudou a consolidar o pop francês como algo mais do que apenas uma curiosidade exótica.

Em 2008, para comemorar os 10 anos de lançamento de Moon Safari, uma edição comemorativa com remixes foi lançada, reafirmando seu impacto duradouro. Além disso, o documentário “Eating Sleeping Waiting & Playing”, dirigido pelo amigo Mike Mills, trouxe mais detalhes sobre a vida criativa da banda.

Contudo, fora isso, a trajetória do Air seguiu uma linha discreta, longe dos holofotes da EDM e dos números expressivos de venda. Hoje, a dupla continua com uma carreira focada em trilhas sonoras e projetos musicais mais experimentais, ainda encantando aqueles que buscam uma música capaz de transcender o tempo e as tendências.

Mas Moon Safari permanece como uma obra fundamental, referência para qualquer artista que busque criar algo além do comum. Mesmo sem o glamour ou o sucesso comercial de outros projetos eletrônicos, o Air provou que é possível criar música que, ao mesmo tempo, toque a alma e desafie as convenções. Uma verdadeira joia para quem se permite explorar os recantos mais sensíveis e humanos da eletrônica.

Leia outros especiais:

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.