Idiocracia: quando o absurdo se torna assustadoramente próximo da realidade
The Daily Beast/Montagem

Idiocracia: Quando o absurdo se torna assustadoramente próximo da realidade

Se você assistiu a Idiocracia em 2006, talvez tenha se divertido com a bizarrice de um futuro dominado pela ignorância. Mas, ao olhar para os acontecimentos políticos dos últimos anos, o que parecia uma sátira exagerada começa a se transformar em um reflexo desconcertante da nossa realidade. A cada gesto de alguns líderes, parece que estamos indo mais fundo na distopia descrita por Mike Judge, onde o raciocínio lógico é uma raridade e os governantes surgem de um caldeirão de superficialidade, entretenimento e desinformação.

Na última segunda-feira (20), Donald Trump tomou posse novamente como presidente dos Estados Unidos e, em seu discurso de posse, declarou: “O declínio da América acabou”. Um tom triunfante, claro, para o homem que voltou ao poder com promessas de uma nova “Era de Ouro” para os Estados Unidos. A grandiosidade de sua retórica contrastava com a mais pura lógica de Idiocracia: um mundo onde a inteligência e o bom senso estão em baixa e os líderes são escolhidos mais pela habilidade de alimentar as emoções do público do que pela competência.

Entre as primeiras ações anunciadas por Trump estavam medidas como a revogação de ordens da administração anterior e o perdão aos seus apoiadores que invadiram o Capitólio, dando um tom de espetáculo à política e deixando claro que a luta contra a “cultura do politicamente correto” era prioridade. O novo governo parece mais preocupado em manter viva a chama das controvérsias populares do que em investir em soluções duradouras para os problemas reais da sociedade.

E, para quem acompanhou o Brasil durante os anos de governo de Jair Bolsonaro, essa cena é familiar. Não a dos discursos inflamados sobre grandes feitos, mas da transformação da política em uma espécie de reality show, onde a banalização do debate público, o ataque às ciências sociais e a glorificação da ignorância eram as grandes atrações.

O Brasil de Bolsonaro, entre 2019 e 2022, foi palco de um espetáculo grotesco, onde os debates foram trocados por memes e desinformação nas redes sociais, enquanto as questões mais sérias do país – como a educação, saúde e o meio ambiente – eram sistematicamente negligenciadas. O país parecia caminhar rumo a uma sociedade distópica, onde o anti-intelectualismo se tornava a norma e a política, um grande circo.

Em um artigo do jornal francês Le Monde, o Brasil foi comparado ao filme Idiocracia, destacando a ascensão de um governo em que a ausência de capacidade técnica e o desdém pela ciência pareciam ser não apenas tolerados, mas celebrados. O Brasil, segundo o artigo, estava à beira de se tornar uma “idiocracia”, em um cenário onde as prioridades estavam nas guerras culturais e nos ataques à inteligência e ao conhecimento, e não em reformas ou políticas públicas consistentes.

Não é difícil perceber os paralelos: o país sob Bolsonaro viu cortes de verbas para universidades e uma adesão crescente ao pensamento conspiratório, com até figuras de destaque, como o então “guru” Olavo de Carvalho, promovendo teorias como a de que a Terra seria plana. Esse jogo de ignorância se alinha diretamente com o que vimos em Idiocracia, onde um presidente ex-ator pornô e campeão de luta livre tomava decisões sem nenhuma competência técnica, enquanto a população se afundava cada vez mais na alienação.

Voltando a Trump, suas primeiras ações na presidência ecoam diretamente a política de Bolsonaro, não apenas pela ênfase em desafiar a verdade e as normas democráticas, mas também pela maneira como lida com a cultura e a mídia.

Seu foco parece estar em agradar a uma base de apoiadores sedentos por retórica simplista e promessas fáceis, deixando de lado qualquer tentativa de construir uma nação mais justa e igualitária. Idiocracia, com seu retrato de uma sociedade obcecada por diversão e consumo sem reflexão, torna-se uma espécie de manual de como a política e a cultura podem ser reduzidas a uma caricatura do que realmente deveriam ser.

Entretanto, ao olhar para o Brasil de hoje, pós-Bolsonaro, as lições da distopia de Judge continuam a ser relevantes. O país ainda se encontra em uma luta constante contra o desmonte da educação e da ciência, um legado do governo anterior que enfraqueceu as bases intelectuais necessárias para o avanço social e econômico.

A polarização ainda é imensa e as redes sociais continuam a ser usadas como palco para debates rasos e manipulações em massa. Em ambos os países, a luta pelo controle da narrativa – seja através de fake news ou simplificação de discursos – é central para a sobrevivência política de figuras populistas.

Por mais que Idiocracia tenha sido uma comédia exagerada, a realidade de 2025 começa a parecer com sua visão do futuro de forma alarmante. A cada passo dado por líderes como Trump e as heranças deixadas por Bolsonaro, o que poderia ter sido uma simples sátira se revela uma profecia amedrontadora. E a pergunta que fica é: até onde estamos dispostos a ir antes de percebermos que a realidade é mais distópica do que qualquer ficção científica poderia prever?

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor. Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Conecta Geek.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.