O sentimento de “as coisas estão começando a caminhar e fazer sentido” misturado com “ainda faltam muitas peças nesse quebra-cabeça” é algo que Ruptura nos entrega com maestria. Se os dois primeiros episódios passaram a impressão de ser um carro com a bateria arriada, necessitando daquele empurrãozinho maroto para pegar no tranco, “Quem está vivo?”, o terceiro episódio, definitivamente, é um carro iniciando a descida de uma ladeira, sem freio de mão. Não seria exagero dizer que soou quase como uma resposta dos roteiristas a uma reclamação futura dos fãs sobre o ritmo pacato e sem muitas respostas dos primeiros episódios.
O texto a seguir contém spoilers do episódio “Quem está vivo?” da série Ruptura. Siga por sua conta e risco!
Incógnitas conhecidas
Antes de nos aprofundarmos no terceiro episódio, acho interessante fazer uma breve recapitulação do que já vimos e sabemos até o momento, mesmo com apenas dois episódios. O primeiro episódio nos entregou a visão dos innies, mostrando o que, supostamente, aconteceu com Mark, Helly, Dylan e Irving e o que cada um se lembrava – ou não – dos eventos ocorridos no episódio final da 1ª temporada. Também apresentou quatro novos personagens: Mark W., Gwendolyn Y., Dario R. e a misteriosa Srta. Huang (Sarah Bock); revelou demissões e promoções dos implacáveis Sra. Cobel e Sr. Milchick; e, por fim, destacou a grande mudança que a Lumon Industries estava empenhada em fazer por seus funcionários.
Já o segundo episódio nos trouxe a visão dos outties e os acontecimentos reais dos innies. Nele, descobrimos que não houve uma rebelião bem-sucedida; entendemos a ordem cronológica dos fatos; vimos a incredulidade (ou inveja?) de Helena em relação ao comportamento de Helly; presenciamos Cobel rejeitando sua promoção e a de Milchick, devido à sua evidente fissura com o andar da ruptura; percebemos o claro favoritismo da Lumon para com Mark; assistimos Irving fazendo um telefonema suspeito, passando um recado ainda mais suspeito, e Burt aparentemente o seguindo; e, por fim, testemunhamos a colaboração e obediência de Dylan sendo compradas com um benefício que apenas ele poderia usufruir.
Diria que temos informação suficiente para prosseguir aos próximos acontecimentos.
Crianças enxeridas
Iniciamos o episódio com Mark começando sua jornada de trabalho – ou busca – dividindo locais de investigação e continuando seu plano de descobrir o paradeiro da Srta. Casey (Dichen Lachman). Curiosamente, esse episódio me fez lembrar das manhãs em que eu acordava cedo para assistir Scooby-Doo, pois, assim como no desenho animado, onde Fred sempre separava a equipe para cobrir mais áreas, Mark também distribui as tarefas. Ele pede para Irving cobrir o setor Óptica e Design, local que já lhe é bastante familiar, apesar das lembranças potencialmente dolorosas; Dylan deveria voltar à Sala de Descanso, onde possivelmente encontraria pessoas de outros setores, mas, após a proposta tentadora do episódio anterior de encontrar a família do seu outtie, ele não demonstrou muito interesse em ajudar seus “amigos” na caçada; por fim, o próprio Mark faria a exploração em conjunto com Helly (que coincidência, não?).
A exploração em dupla levou Mark e Helly ao setor Mamíferos Nutríveis, onde uma equipe peculiar cuida de vários cabritos. Achei inusitado – e até um pouco cômico – o fato de eu ter citado na crítica do episódio anterior que, na primeira temporada, mostraram de relance uma sala com baby cabras, sem nunca mais mencionarem ou explicarem. Neste terceiro episódio, tivemos um “aqui está sua resposta”.
A responsável pelo setor, Lorne (Gwendoline Christie), não aparenta muita receptividade no início, pois as perguntas incisivas de Mark sobre a Srta. Casey a estressam, a ponto de ela acionar o restante da equipe para amedrontar Mark e Helly. Apesar disso, depois de muita insistência, Lorne e a equipe contam que a Srta. Casey costumava frequentar o setor, era gentil e ajudou as pessoas com a autoestima, mas que parou repentinamente de aparecer, tendo sido informados de que ela havia se aposentado. Comovidos com a busca, eles decidem liberar a dupla, mas somente após verem seus umbigos (Oi?).
Essa parte levantou duas possibilidades: ou eles queriam sanar a lenda de que os funcionários do MDR tinham bolsões marsupiais no lugar dos umbigos, ou queriam confirmar se não eram clones, dado o boato (não oficial) de que clones não possuem umbigos.
Quero deixar claro que não estou tentando reforçar a teoria da clonagem, mas que seria hilário, ninguém pode negar.
Ocorrências simultâneas e relevantes
Enquanto Mark e Helly vivem sua aventura de exploração, outros acontecimentos interessantes ocorrem em paralelo com nossos outros personagens. Milchick é recebido por balões azuis irritantes, uma Natalie (Sydney Cole Alexander) assustadoramente sorridente e um presente de boas-vindas bizarro: pinturas da história de Kier, adaptadas com sua cor de pele e rosto, sob a premissa de que ele se sentisse parte da história. Nem ele, nem eu soubemos reagir a esse presente sem um evidente choque.
Irving, que antes de ir ao O&D confessa a Dylan que conseguiu recriar o corredor das pinturas de seu outtie, o convida a sair em busca do local com ele. No entanto, Dylan, mais uma vez, demonstra zero interesse. Irving então vai diretamente para o setor e encontra Felicia (Claudia Robinson) no local. Após muita conversa, e para nossa agradável surpresa, Felicia conhece muito bem o local que Irving passou tanto tempo tentando entender.
O desinteresse de Dylan pelas atividades ilegais de seus colegas, é “recompensado” com uma visita de 18 minutos da esposa de seu outtie, Gretchen (Merritt Wever). Mesmo sendo uma visita breve, somos apresentados a um Dylan que tem três filhos, não se fixa em nenhum emprego e não possui uma aspiração pessoal, enquanto sua esposa, aparentemente cansada, mas orgulhosa de seu marido, se revela. Apaixonar-se por outra versão do próprio marido pode ser considerado infidelidade matrimonial? Fica aí o questionamento.
Por fim, Cobel reaparece na Lumon, aguardando Helena sair de mais um expediente satisfatório, com algumas exigências para seu retorno à empresa. Ela só aceitará retornar se for colocada como gerente do andar de ruptura novamente, pois, em sua visão, Milchick não tem o conhecimento necessário para avançar com o projeto Cold Harbor. Tenho a dúbia sensação de que este projeto só será esclarecido no último episódio, mas, no fundo, quero acreditar que não. Helena deixa claro que as coisas não funcionam como ela quer e que precisam “recomeçar”. Aqui, percebi que meus sentidos estavam enferrujados, pois, até Cobel sair correndo antes de entrar na empresa, não tinha notado que esse “recomeço” não era uma boa notícia. Ah, a inocência…
Medidas desesperadas
Após uma chuva de informações, o final chega com o que podemos chamar de “a cereja do bolo”. Os acontecimentos seguem no lado externo da empresa. Natalie aparece na casa de Devon (Jen Tullock) com o pretexto de que o livro de seu marido, Ricken (Michael Chernus), impactou tanto os innies que a Lumon deseja fazer uma versão adaptada. Embora questione as mudanças propostas, Devon parece aceitar a ideia, já que, ao sair e ir para a casa de Mark para ajudá-lo em um projeto secreto, ela comenta a informação com ele, rindo da audácia do Conselho.
O projeto “secreto” de Mark, consiste em levar uma informação para o seu innie, gravando-a em sua retina com uma luz forte. Isso explica a cena inicial, onde ele chega desesperado na Lumon e conta o tempo. A contagem é para saber quanto tempo levaria até a entrada no elevador e por quanto tempo teria que gravar a informação em seus olhos. Para testar sua teoria, ele vai a um local isolado realizar alguns testes, mas logo seus planos são interrompidos pela Dra. Reghabi (Karen Aldridge).
A médica que fez a reintegração de Petey (Yul Vazquez) chega, frustrando os planos de Mark, informando que só existe uma forma de saber ou levar informações na Lumon: a reintegração. Além disso, ela confirma que Gemma está viva – pelo menos até a última vez que a viu – e que pode ajudá-lo, já que aperfeiçoou o procedimento.
Diante da confirmação da informação e do desespero em ver a esposa novamente, Mark toma decisões impulsivas, aceitando passar pelo procedimento de reintegração. Ao fim, somos agraciados com uma sequência das versões de Mark se misturando e tornando-se uma só: “Quem é você?”
A engrenagem acelerando
Ao contrário da 1ª temporada, o ritmo da 2ª temporada de Ruptura tem se mostrado um pouco mais intenso, arrisco dizer que talvez propositalmente. O tom investigativo está mais crescente e eufórico, o que tem alimentado o público ávido por respostas. Sabemos que continuações tendem a não ser bem aceitas, especialmente quando a história não é construída de forma sequencial e muitas vezes serve apenas para “encher linguiça” e prender o público até o último episódio, quando o desfecho finalmente acontece.
É mais comum ainda vermos séries ou filmes com uma certa investigação se perderem no caminho, tentando encaixar fatos desnecessários apenas para chocar o telespectador e entregar o elemento surpresa. Dito isso, Ruptura tem sido uma grata surpresa nesse quesito, e deposito esperanças de que continue assim.
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Leia as críticas dos episódios anteriore:
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