A noite do Oscar 2025 foi, sem dúvida, uma daquelas que ficarão gravadas na história do cinema, pelo menos para o cinema independente. Não estou falando da grandiosidade do evento, mas pelo que ele representou para a indústria. Sean Baker, o diretor independente que há anos vem construindo uma carreira sólida e sensível, foi o grande vencedor da cerimônia. Seu filme Anora levou para casa os prêmios de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro e Melhor Montagem. E, como se não bastasse, sua protagonista, Mikey Madison, levou o prêmio de Melhor Atriz. Foi uma noite de celebração, mas também de reconhecimento de um cineasta que, desde o início, optou por contar histórias que muitos preferem ignorar.
Baker não é um nome novo no cinema. Ele já havia chamado a atenção com “Tangerine” (2015), filme rodado inteiramente com iPhones 5s, que narrava a vida de duas prostitutas transgênero em Los Angeles. O longa foi um sucesso de crítica, mas Baker não parou por aí. Em “Projeto Flórida” (2017), ele explorou a vida de crianças vivendo à margem da sociedade em motéis baratos perto da Disney. Em “Red Rocket” (2021), mergulhou no universo de um ex-ator pornô tentando reconstruir sua vida em uma cidade pequena do Texas. E agora, com Anora, ele alcançou o ápice de sua carreira, não apenas conquistando a Palma de Ouro em Cannes ano passado, mas também dominando o Oscar nas suas principais categorias.

O que torna Baker tão especial? Talvez seja sua capacidade de enxergar beleza e humanidade onde muitos veem apenas miséria e desespero. Seus personagens são imperfeitos, cheios de falhas e contradições, mas também de uma vulnerabilidade que os torna profundamente reais. Eles não são heróis nem vilões; são pessoas tentando sobreviver em um mundo que parece não se importar com elas. E é justamente essa humanidade que faz com que suas histórias ressoem tanto com o público.
Anora é um exemplo perfeito disso. O filme conta a história de uma jovem trabalhadora do sexo que se apaixona por um herdeiro russo, filho de um oligarca. O enredo poderia facilmente cair no melodrama ou na caricatura, mas Baker consegue evitar esses clichês, entregando um filme que é ao mesmo tempo engraçado, comovente e profundamente humano. A protagonista, é uma figura complexa e cheia de nuances, onde seu estilo de vida não lhe permite ser vulnerável. Ela não é uma vítima, nem uma heroína; ela é uma mulher tentando encontrar seu lugar em um mundo que parece não ter espaço para ela.
E foi justamente essa nesse aspecto que, aparentemente, conquistou a Academia. Baker levou o prêmio de Melhor Diretor por sua habilidade em conduzir o filme com uma sensibilidade rara, equilibrando humor e drama de uma forma que poucos conseguem. O prêmio de Melhor Roteiro foi um reconhecimento à sua capacidade de criar diálogos afiados, que por vezes, parece ter saídos de improvisos . Já o prêmio de Melhor Montagem foi uma celebração do ritmo, que vai da construção rápido, para um longo plano-sequência num momento chave da jornada de Anora.

Mas talvez o maior triunfo de Baker tenha sido o prêmio de Melhor Atriz para Madison. Em um ano repleto de performances memoráveis, — incluindo, evidentemente, o poderoso de Fernanda Torres em “Ainda Estou Aqui” — ela conseguiu se destacar por sua interpretação visceral e cheia de verdade. Foi uma vitória não apenas para ela, mas para todas as mulheres que Baker já retratou em seus filmes — mulheres que muitas vezes são invisibilizadas pela sociedade, mas que, em suas mãos, ganham voz e protagonismo.
Baker é, acima de tudo, um defensor do cinema independente. Em um mundo onde os blockbusters dominam as bilheterias e as plataformas de streaming ditam as regras, ele insiste em fazer filmes pequenos, mas poderosos e para serem assistidos na tela grande. Ele prefere editar seus próprios trabalhos, trabalhar com atores desconhecidos e contar histórias que desafiam as convenções. E, ao fazer isso, ele não apenas mantém viva a chama do cinema independente, mas também mostra que é possível fazer arte de qualidade sem grandes orçamentos ou estúdios por trás.
Em sua fala de agradecimento no Oscar, Baker foi direto ao ponto: “experiência cinematográfica está ameaçada” e fez um apelo para que cineastas “façam filmes para as grandes telas” e que os estúdios apoiem essa iniciativa. “Os filmes precisam ter um intervalo de lançamento nos cinemas, como o nosso teve. É preciso formar a nova geração de pessoas que amam cinema”, concluiu, lançando uma indireta ao mercado sendo ditado por serviços de streaming.
E é por isso que Anora é mais do que um filme; é um manifesto. Um manifesto sobre a importância de olhar para aqueles que estão à margem, de dar voz aos que foram silenciados e de celebrar a humanidade em todas as suas formas. Em um mundo cada vez mais dividido e desigual, Baker nos lembra que o cinema pode ser uma ferramenta poderosa de empatia e transformação.
Agora, com o Oscar nas mãos, Baker tem diante de si um novo desafio: como continuar fazendo o cinema que ama sem se perder nas armadilhas da fama e do sucesso. Mas se há algo que sua trajetória nos mostrou, é que ele não tem medo de desafios. Ele já provou que é possível fazer filmes incríveis com um iPhone, que é possível contar histórias poderosas com orçamentos mínimos e que é possível conquistar o mundo sem abrir mão de suas convicções.
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