Primeiras Impressões | Demolidor: Renascido
Disney+/Divulgação

Primeiras Impressões | Demolidor: Renascido

Quando a Marvel anunciou que o Demolidor retornaria em uma nova série no Disney+, muitos fãs se perguntaram: seria um recomeço ou uma continuação? A resposta, após assistir aos dois primeiros episódios de Demolidor: Renascido, é clara: estamos diante de uma sequência direta da série da Netflix, que foi concluída em 2018. A nova produção não apaga o passado, mas o reinventa, mantendo a essência do Homem Sem Medo enquanto abre espaço para novas camadas narrativas. No entanto, como toda reinvenção, o processo não é imune a tropeços.

A estreia de Renascido começa com uma escolha ousada, mas que divide opiniões. O primeiro episódio, dirigido por Aaron Moorhead e Justin Benson (conhecidos por “Loki” e “Cavaleiro da Lua”), tenta capturar a intensidade das cenas de ação que consagraram a série original, especialmente a famosa “cena do corredor”. No entanto, a tentativa soa um tanto forçada. A sequência inicial, repleta de efeitos visuais questionáveis e uma coreografia de lutas menos impactantes, parece mais um tributo desajeitado do que uma evolução natural. É como se a produção sentisse a necessidade de provar, desde o início, que ainda é capaz de entregar aquele nível de brutalidade e realismo que marcou a série anterior.

Felizmente, após esse início irregular, o episódio encontra seu ritmo. A trama nos reintroduz a Matt Murdock (Charlie Cox), agora afastado de sua vida como vigilante após um evento traumático. O salto temporal permite que a série explore um Matt mais introspectivo, lidando com culpas e dilemas morais, enquanto tenta seguir em frente como advogado. A reconstrução do personagem é um dos pontos fortes do episódio, especialmente pela maneira como o roteiro, assinado por Dario Scardapane, equilibra o drama pessoal com a mitologia já pré-estabelecida de sua persona de vigilante.

A volta de Wilson Fisk (Vincent D’Onofrio) como o Rei do Crime é outro destaque. Desta vez, ele não está apenas interessado em controlar Hell’s Kitchen, mas em se tornar prefeito de Nova York. Essa mudança de abordagem transforma Fisk em uma figura ainda mais perigosa e ambígua, refletindo um tipo de vilania que vai além da violência física. D’Onofrio, como sempre, entrega uma atuação magnética, tornando Fisk um antagonista assustadoramente real.

O segundo episódio, dirigido por Michael Cuesta (“Homeland”), é onde a série realmente encontra seu tom. A narrativa se aprofunda no conflito interno de Matt, enquanto ele é forçado a reconsiderar seu papel como Demolidor diante da ascensão política de Fisk. A violência, que no primeiro episódio parecia um tanto gratuita, aqui ganha propósito narrativo. Uma cena em particular, serve como uma catarse para o protagonista, marcando o momento em que ele renasce, literal e metaforicamente, como o Homem Sem Medo.

A direção de Cuesta é mais contida e eficiente, focando no desenvolvimento dos personagens e na tensão dramática. A fotografia, com tons sombrios e contrastes marcantes, reforça o clima neo-noir que sempre caracterizou o Demolidor, no entanto, fica perceptível um nível maior de iluminação nos cenários, inclusive dentro do apartamento do Matt – uma escolha um tanto estranha para um homem cego, não? A edição, mais fluida que no episódio anterior, permite que as cenas de ação e os momentos de diálogo coexistam harmoniosamente, sem que um sobreponha o outro.

Primeiras Impressões | Demolidor: Renascido
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Um dos aspectos mais interessantes de Renascido é como a série utiliza o contexto político para tecer comentários sociais. A candidatura de Fisk à prefeitura não é apenas um plot device, mas uma alegoria sobre a ascensão de figuras autoritárias e como o medo pode ser instrumentalizado para ganhar poder. Embora a Disney não permita que a série se aprofunde demais nesse tema, o subtexto está lá, esperando para ser decifrado por espectadores atentos.

No campo técnico, a série oscila entre o impressionante e o mediano. Os efeitos visuais, como mencionado, deixam a desejar em alguns momentos, especialmente nas cenas de ação. No entanto, a reconstrução de Nova York como um personagem em si é impecável. A cidade, com seus becos escuros e ruas movimentadas, continua a ser um pano de fundo essencial para a história, reforçando a atmosfera de decadência e resistência que define o universo do Demolidor.

O elenco, por sua vez, está em plena forma. Charlie Cox continua a ser a encarnação perfeita de Matt Murdock, equilibrando a vulnerabilidade do advogado cego com a ferocidade do vigilante. Deborah Ann Woll, como Karen Page, e Elden Henson, como Foggy Nelson, aparecem menos, mas eles seguem trazendo profundidade emocional aos seus papéis. A química entre os três é palpável, e suas interações são alguns dos momentos mais humanos e comoventes da série.

Vincent D’Onofrio, no entanto, rouba a cena. Sua interpretação de Wilson Fisk compõe uma ótima construção de um vilão multifacetado. Ele não é apenas um criminoso; é um estrategista, um manipulador e, em muitos aspectos, um espelho distorcido do próprio Matt. A dinâmica entre os dois personagens é o coração da série, e é nessa relação que Renascido encontra sua força narrativa.

Apesar dos altos e baixos, Demolidor: Renascido começa com um saldo positivo. A série consegue honrar o legado da produção da Netflix enquanto abre novas portas para o futuro do personagem. Se o primeiro episódio tenta encontrar seu lugar, o segundo já mostra o potencial do que está por vir. Assim como Matt Murdock, a série parece ter encontrado seu caminho após um início turbulento. O renascimento, afinal, nem sempre é fácil, mas pode ser glorioso.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.