Nos últimos anos Djonga vinha buscando leveza em seus lançamentos musicais, deixando um pouco de lado a rima afiada pela qual ele ganhou projeção nacional. Uma escolha válida e compreensível, mas que dividiu opiniões e não conseguiu evitar a redução do impacto dos seus últimos álbuns. Agora, o rapper mineiro volta recuperar o sangue nos olhos do início em “Quanto Mais Eu Como, Mais Fome eu Sinto.”
Como já adianta o título, em seu oitavo e mais novo disco, o artista mostra que ainda tem fome por explorar novos horizontes musicais, por justiça social e por abrir seus sentimentos para o público com seu flow inconfundível. Aqui, Gustavo Pereira Marques volta a surpreender e a provocar com reflexões pertinentes e ao mesmo tempo bastante íntimas sobre sua realidade.
O álbum abre com “Fome”, faixa que já declara toda a intenção da obra e versa sobre a constante inquietação e busca do artista por conservar o seu espírito rebelde, se manter na resistência da luta anti-racista e por alcançar novos lugares com seu rap. “Eu não vou trocar o moleque, que só pensa em dançar / Por um adulto covarde, que só pensa em sustento”, diz a letra.

Essa busca por novidade está refletida na sonoridade de “Quanto Mais Eu Como, Mais Fome eu Sinto.” A produção caprichada feita com os parceiros Coyote Beatz e Rapaz do Dread mantém a batida que remete ao rap clássico dos anos 1990, mas surpreende ao se conectar com vertentes inesperadas da música brasileira, além de trazer elementos do r&b, do jazz e do blues.
Um bom exemplo disso é “Melhor que ontem”, faixa romântica que inicia com um sample de “Último romance”, do Los Hermanos. O diálogo com a mpb segue também nos convidados do disco; sendo uma das músicas que mais se destaca “Demoro a Dormir”, em que a rima grave e potente de Djonga encontra com a voz fragilizada, mas não menos impactante de Milton Nascimento.
“Te Espero Lá” é, talvez, a faixa mais pop do álbum, trazendo a participação de um dos grandes hitmakers nacionais, Samuel Rosa. “Ainda” encerra o disco com uma bela letra e um refrão reforçado pela voz de Dora Morelenbaum. “No fundo o que me move é imaginar meus bisneto / Contando pros tataraneto / Que eu errei muito, mas não fui omisso”, diz os versos que remetem mais uma vez à ideia que move o álbum.
Ainda vale destacar faixas como “Real Demais”, que é uma das mais intensas e mais pessoais da obra em que o artista parece relembrar memórias e passagens da sua vida: “Ainda só penso em tudo que passei / Tipo a certeza que o demônio mora ao lado.” Em “QQ Cê Quer Aqui”, o rapper descreve uma diálogo com uma mulher branca de classe alta e as inseguranças em torno dessa relação: “O que que cê quer aqui? / Essas bolsas? Esses carros? / Ou o que eu sou quando me tiram tudo isso, um cara comum e sensível, diz, o que que cê quer aqui?”
Em “Quanto Mais Eu Como, Mais Fome eu Sinto”, Djonga recupera a forma dos primeiros anos da carreira e entrega o seu melhor álbum desde “Ladrão” (2019). Aqui, o mineiro equilibra bem os comentários sociais ácidos com reflexões sobre suas próprias experiências; além de apresentar uma sonoridade que amplia os seus horizontes e ganha com excelentes parcerias, mantendo o rapper como um dos mais relevantes da cena brasileira atual.
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