Crítica | Until Dawn: adaptação acerta no terror e no fan service, mas esquece a interatividade
Sony Pictures/Divulgação

Crítica | Until Dawn: adaptação acerta no terror e no fan service, mas esquece a interatividade

O fascínio da indústria do entretenimento por adaptações não é nenhuma novidade. Em uma era em que o risco financeiro é temido tanto quanto um vilão de filme slasher, os estúdios se agarram a propriedades intelectuais como boias de salvação. Qualquer título com uma base de fãs — seja ele livro, game ou até brinquedo — vira alvo de adaptações, com a esperança de converter esse apelo prévio em bilheteria. Só que nem sempre o que brilha é ouro. Until Dawn: Noite De Terror, por exemplo, é um típico caso em que o nome famoso é utilizado mais como chamariz do que como essência.

Inspirado no game Until Dawn, da Supermassive Games, lançado originalmente para PlayStation 4 em 2015, o longa-metragem se apresenta como uma “adaptação”. No entanto, essa associação é quase puramente comercial. O que torna o jogo marcante — a interatividade baseada em escolhas, a tensão de cada decisão, e a imprevisibilidade da sobrevivência dos personagens — simplesmente não encontra paralelo no filme. O que temos aqui é uma obra que carrega o nome, mas ignora a alma do material original.

Crítica | Until Dawn: adaptação acerta no terror e no fan service, mas esquece a interatividade
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A trama do filme gira em torno de Clover (Ella Rubin), uma jovem determinada a encontrar sua irmã desaparecida. Com um grupo de amigos, ela viaja até uma cidade remota dos Estados Unidos, e é nesse cenário que os eventos sobrenaturais começam a se desenrolar. O grupo acaba se abrigando em um prédio abandonado durante uma tempestade e, dali em diante, mergulha em um ciclo infernal: sempre que um deles morre, a noite reinicia, obrigando todos a reviver os mesmos acontecimentos, mas com pequenas variações e marcas do que já enfrentaram.

Embora a premissa do looping temporal lembre obras como “Feitiço do Tempo” ou mesmo “A Morte Te Dá Parabéns”, a execução de Noite de Terror não consegue explorar de maneira criativa essa estrutura. O filme se limita a repetir fórmulas já conhecidas do gênero, e raramente se arrisca a desenvolver suas ideias mais interessantes. A cada novo ciclo, as mortes se acumulam e os personagens vão adquirindo cicatrizes físicas e emocionais — um conceito instigante que poderia render profundidade, mas que rapidamente é abandonado em nome de soluções apressadas e um final inconclusivo.

A ambientação, apesar de bem construída, carece de identidade. Os cenários — a floresta, o casarão sombrio, os becos mal iluminados — são comuns a qualquer produção de terror genérica. Há, sim, um cuidado estético, mérito do diretor David F. Sandberg, que já demonstrou domínio sobre o gênero em “Quando as Luzes se Apagam” e “Annabelle 2: A Criação do Mal”. Aqui, Sandberg tenta manter o filme minimamente acima da mediocridade, criando atmosferas tensas e conduzindo algumas boas sequências de susto. Ainda assim, ele não tem muito com o que trabalhar, já que o roteiro — assinado por Gary Dauberman, veterano da franquia “Invocação do Mal” — parece mais um projeto reciclado do que uma criação pensada para o universo de Until Dawn.

E talvez essa seja a maior frustração: o sentimento de que o roteiro já existia de forma genérica e ganhou o selo Until Dawn apenas para surfar na onda de outras adaptações bem-sucedidas, como “The Last of Us”. O que poderia ser um estudo atmosférico sobre medo e sobrevivência em loop, acaba preso em uma narrativa batida, com personagens rasos e arcos sem resolução.

Crítica | Until Dawn: adaptação acerta no terror e no fan service, mas esquece a interatividade
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A atuação de Ella Rubin até se destaca dentro do elenco, especialmente por conseguir imprimir algum senso de urgência e empatia na jornada de Clover. Mas seus colegas de tela são esquecíveis, funcionando mais como peças descartáveis no ciclo de mortes do que como personagens com motivações claras. A presença de Peter Stormare, reprisando seu papel como O Analista — figura simbólica do game que servia como uma espécie de consciência do jogador — surge como um agrado aos fãs. No entanto, sua participação é breve e inócua, como um easter egg que pouco contribui para a trama.

Em termos de horror gráfico, o longa entrega boas doses de gore. As mortes são brutais, com efeitos práticos que remetem a um terror físico mais visceral: olhos arrancados, membros decepados e até explosões sangrentas pontuam o filme com certa irreverência. Há um humor macabro aqui que dá um tempero interessante, embora esse tom não seja explorado a fundo. São momentos esporádicos que mostram um vislumbre do que poderia ter sido uma produção mais ousada.

O maior pecado de Noite de Terror, no entanto, é o abandono de suas próprias ideias. Ao invés de desenvolver o impacto psicológico do looping nos personagens ou aprofundar o mistério por trás da maldição que os prende, o roteiro prefere pular etapas e entregar um terceiro ato apressado. Um salto temporal quebra o ritmo da história e deixa no ar uma sensação de que os roteiristas desistiram de explorar caminhos mais criativos, optando por um desfecho que busca emoção fácil e finais grandiosos — mas que, na prática, não entregam nem uma coisa nem outra.

No fim das contas, o filme se resume a uma experiência derivativa. Para o espectador que nunca teve contato com o jogo, pode funcionar como um passatempo mediano, com sustos competentes e visuais sombrios. Mas para quem conhece o material original, a decepção é inevitável. Until Dawn foi celebrado justamente por simular a linguagem do cinema de terror de forma interativa, colocando o jogador no papel de diretor e sobrevivente. Ao adaptar essa proposta para um formato passivo, sem entender o que tornava a experiência única, o filme perde a essência do jogo — e o faz sem oferecer nada de realmente novo.

Com tantas adaptações em andamento na indústria — de Ghost of Tsushima a God of War —, é cada vez mais claro que nem todo game foi feito para virar filme. Alguns títulos são especiais justamente por sua interatividade. E ao retirar essa camada essencial, o risco é grande de se transformar algo envolvente em um produto genérico. É o que acontece aqui.

Until Dawn: Noite de Terror já está em cartaz nos cinemas brasileiros. E, apesar do potencial, passa longe de justificar a existência.

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Redatora apaixonada por gatos e pela cultura pop