Hollywood sempre foi um circo. Um espetáculo de egos, cifrões e ilusões que, de tão grandioso, muitas vezes escapa ao ridículo por pura falta de autoconsciência. Mas e se alguém decidisse filmar esse circo, amplificar seus absurdos e ainda rir deles com a cumplicidade de quem conhece cada truque por trás da cortina? É isso que O Estúdio, série criada por Seth Rogen e Evan Goldberg, faz com uma mistura de anarquia e precisão cirúrgica. A 1ª temporada, produzida pela Apple Tv+, não é apenas uma sátira – é um espelho deformado, mas incrivelmente fiel, de uma indústria que vive de narrativas, mas raramente enxerga a própria.

A premissa é simples: acompanhamos os bastidores de um grande estúdio de cinema, o Continental, liderado pelo inseguro Matt Remick (Rogen), um executivo que sonha em ser artista. O conflito entre o comercial e o criativo, no entanto, vira pano de fundo para uma série de esquetes que satirizam desde as premiações até as gravações de blockbenders sem alma. O que poderia ser apenas uma sequência de piadas sobre celebridades e drogas – marca registrada da dupla – ganha camadas graças a uma direção que não tem medo de arriscar. Planos-sequência elaboradíssimos, como o do episódio do Globo de Ouro, mostram um controle de mise-en-scène raro em comédias, com centenas de extras e movimentos de câmera que lembram “Birdman”, mas sem o peso pretensioso. A fotografia, sempre dinâmica, usa luzes artificiais e cores saturadas para reforçar o clima de farsa, enquanto a montagem ágil garante que nenhuma piada perca o ritmo.
O que mais impressiona, porém, é como O Estúdio consegue ser tão cruel e tão afetuoso ao mesmo tempo. A série zomba de Hollywood, mas também celebra seu poder de fascínio. Remick pode ser um protagonista patético, mas sua paixão pelo cinema é genuína – e é isso que faz com que o público, mesmo rindo dele, acabe torcendo por seu sucesso. Esse equilíbrio entre crítica e admiração é o que transforma a série em algo maior que uma simples comédia. Ela é, no fundo, um retrato tragicômico de quem ama algo que nem sempre merece esse amor.

Um dos trunfos da produção está no elenco, que parece ter sido montado sob a premissa de “quanto mais, melhor”. Além de Rogen no papel principal, figuras como Catherine O’Hara (como a ex-diretora demitida Patty) e Kathryn Hahn (a caótica chefe de marketing Maya) roubam cenas com performances que oscilam entre o hilário e o comovente. O’Hara, em especial, brilha como uma mulher que conhece todos os segredos da indústria e os usa sem pudor, enquanto Hahn entrega uma personagem tão extravagante quanto humana – algo raro em comédias desse tipo. Até as participações especiais, como a de Bryan Cranston no último episódio, são usadas com inteligência, evitando o mero cameo vazio. Cada ator parece estar lá não só para fazer graça, mas para compor um mosaico de personalidades que, juntas, formam o retrato perfeito de um ambiente tóxico e irresistível.
Tecnicamente, a série é um espetáculo à parte. Os planos-sequência, já mencionados, não existem por acaso: eles imitam a sensação de caos e urgência de um set de filmagem, onde tudo pode dar errado a qualquer momento. A direção de arte é outro destaque, com cenários que vão de mansões luxuosas a corredores de estúdio sujos, sempre cheios de detalhes que remetem a filmes reais – uma homenagem discreta, mas perceptível para quem conhece o universo satirizado. A fotografia, por sua vez, abraça o artificialismo de Hollywood, com tons quentes em cenas de premiação e luzes cruas nos bastidores, reforçando a dualidade entre glamour e realidade.
O roteiro, escrito por Rogen, Goldberg e sua equipe, acerta ao não tentar ser mais esperto que o público. As piadas são escrachadas, sim, mas nunca vazias. Quando um diretor interpretado por Ron Howard discursa sobre “arte” enquanto segura um cachorro-quente, a crítica ao discurso vazio do meio artístico é óbvia, mas eficaz. E quando Remick tenta agradar a todos e acaba pisando em ovos, vemos um retrato preciso da insegurança que move muitos dos que trabalham na indústria. A série não precisa de sutilezas para fazer seu ponto – e é justamente essa falta de pretensão que a torna tão preciosa.

Claro, nem tudo é perfeito. Algumas piadas se esticam demais, como os tropeços físicos repetitivos que, em excesso, perdem a graça. E, por mais que o elenco seja forte, alguns personagens secundários – como o executivo Sal, interpretado por Ike Barinholtz – ficam presos a clichês, sem evoluir muito ao longo da temporada. Mas são falhas menores em um conjunto tão ambicioso e bem-executado que fica difícil cobrar perfeição.
Mas, no final das contas, O Estúdio funciona porque entende uma verdade simples: Hollywood é um lugar tão absurdo que, para retratá-lo direito, é preciso abraçar o nonsense. A série não tem medo de ser exagerada, porque a indústria que ela critica também não tem. E, ao fazer isso, acaba criando algo raro—uma comédia que é tão inteligente quanto engraçada, tão cruel quanto carinhosa. É como se Rogen e Goldberg dissessem, entre uma piada e outra: “Nós amamos esse mundo, mas sabemos que ele é uma piada pronta.” E o melhor é que, depois de assistir, fica impossível discordar.
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