Há algo de profundamente brasileiro em rir das próprias desgraças. Não por masoquismo, mas por resiliência. E é essa essência que Pablo & Luisão, série da Globoplay baseada nas memórias do ator Paulo Vieira, captura com rara maestria. Em um cenário onde o humor televisivo muitas vezes oscila entre o pastelão e o politicamente estéril, a produção surge como uma ode ao cotidiano caótico das famílias trabalhadoras – um sucessor espiritual de “A Grande Família”, mas com o DNA das redes sociais, onde histórias como essas, antes confinadas a threads do finado Twitter, ganham vida em cores vibrantes e elenco estelar.
O primeiro acerto da série está na tradução do absurdo real para a linguagem televisiva. As histórias de Luisão (Ailton Graça) e Pablo (Otávio Muller) – dois amigos cujos esquemas de enriquecimento rápido sempre terminam em fracassos épicos – são tão surrealistas que, não fossem as confirmações dos personagens reais no final de cada episódio, pareceriam invenções de roteiristas desesperados por risadas fáceis. Mas aí reside a genialidade: o roteiro, assinado por Vieira ao lado de nomes como Mauricio Rizzo, Caito Mainier e Bia Braune, não precisa forçar a barra. A realidade já fez o trabalho pesado. A cerca elétrica que eletrificou meio bairro, a família morando em uma sala comercial dividida por fitas adesivas, a invasão da escola para provar que o filho não era o fedido da turma – tudo isso é apresentado com um timing cômico preciso, mas também com uma fotografia que oscila entre o calor do cerrado e a os enquadramentos sóbrios de uma sitcom clássica.
Falando em fotografia, é impressionante como a direção de arte e a cinematografia conseguem equilibrar o tom de documentário afetivo com a linguagem visual da comédia. As cenas em Palmas são filmadas com uma luz que parece emanar do asfalto quente, enquanto os closes nos rostos de Dira Paes (Conceição) e Ailton Graça capturam microexpressões que elevam o humor além do verbal. A montagem, ágil sem ser frenética, lembra o ritmo das melhores sitcoms afro-americanas, mas com pausas deliberadas para deixar a tragédia do personagem respirar – como na cena em que Luisão, em câmera lenta, percebe que seu plano deu errado mais uma vez.
E é impossível falar de Pablo & Luisão sem destacar o elenco. Ailton Graça e Otávio Muller têm uma química que transcende a ficção; parece mesmo que são amigos de infância, com suas manias e frustrações entranhadas. Dira Paes, como a matriarca que segura a família no grito, rouba cenas sem precisar de exageros – um olhar seu vale mais que dez piadas. E os jovens Yves Miguel (Paulo) e João Pedro Martins (Neto) entregam performances que evitam os clichês da “criança irritante” ou do “adolescente rebelde”, mostrando uma família que, apesar de tudo, se apoia.

Mas o que realmente faz a série brilhar é sua capacidade de transformar memórias pessoais em espelho coletivo. As aventuras de Luisão e Pablo não são apenas engraçadas; são reconhecíveis. Quem nunca teve um tio que investiu em pirâmide? Ou uma mãe que acreditou no poder milagroso do noni, mesmo com o cheiro de “bunda suja” (como bem descreve o texto original)? A série acerta ao não tratar essas histórias como mera caricatura, mas como parte de um imaginário nacional onde a criatividade e a precariedade andam de mãos dadas.
Tecnicamente, e em termos de produção nacional, a série inova ao quebrar a quarta parede sem perder o tom documental. As cenas finais, onde o Paulo Vieira real conversa com os personagens que inspiraram a série, poderiam soar como um recurso batido, mas aqui funcionam como um carimbo de autenticidade. É como se a série dissesse: “Você não acreditaria se não mostrássemos a prova”. E, no entanto, mesmo sem essas confirmações, a direção de Pablo & Luisão já teria conquistado o público pela forma como equilibra o caos narrativo com uma estrutura redonda.

Eis o grande trunfo da série: ela é sobre gente comum, mas não é para gente comum – é feita como gente comum. Não há aqui a distância elitista de quem olha a pobreza de cima para baixo, nem a romantização do “brasileiro que se vira”. Há, sim, um afeto que permeia cada quadro, cada piada, cada desastre. E é esse afeto que faz Pablo & Luisão ser mais do que uma comédia; é um retrato do Brasil que a TV – ou o streaming, nesse caso – há muito não ousava mostrar.
No fim, a série cumpre o que promete: fazer rir, mas também fazer lembrar. E, num país onde a memória é tão frágil quanto os planos de Luisão e Pablo, isso já é vitória. Que venham mais temporadas – e que a TV aberta perceba o que a Globoplay já entendeu: o melhor humor é aquele que nasce da vida real, sem medo de rir dela, mas também sem deixar de amá-la.
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