Crítica | Adolescência: a série do momento é uma espetacularização do vazio
Netflix/Divulgação

Crítica | Adolescência: a série do momento é uma espetacularização do vazio

Cheguei atrasado à discussão – e, depois de assistir Adolescência, percebi que o burburinho era mais sobre como a série foi feita do que o que ela realmente diz. A minissérie britânica, que viralizou graças ao seu ambicioso plano-sequência contínuo em todos os episódios, é um estudo de caso fascinante sobre como uma técnica impressionante pode ofuscar — e até prejudicar — a narrativa. Mas será que o impacto justifica os elogios? Vamos além da superfície.

Quando a técnica sufoca a substância

Não há como negar: filmar uma série inteira em planos-sequência é um feito técnico e logístico admirável. No primeiro episódio, a câmera nos arrasta para dentro de uma delegacia, seguindo Jamie (Owen Cooper), um adolescente acusado de um crime violento, enquanto ele é interrogado.

A falta de cortes proposta por Philip Barantini cria uma tensão claustrofóbica, quase como se estivéssemos presos naquela sala com ele. Stephen Graham, como Eddie Miller, o pai do garoto, domina a cena com uma atuação contida, mas carregada de urgência. Até aqui, o recurso faz sentido — reforça o desespero do personagem e a gravidade da situação.

Mas a magia começa a se dissipar quando percebemos que o plano-sequência não está a serviço da história, e sim da própria técnica. No terceiro episódio, que se concentra em um diálogo entre Jamie e uma psicóloga, a câmera insiste em circular os dois como um pássaro inquieto. Ora, se a cena é um confronto psicológico, por que tanto movimento? A resposta é óbvia: porque podem. E é aí que o artifício, em vez de imersivo, vira distração. Embora tenha uma narrativa poderosa, muitas vezes não estamos totalmente imersos nos conflitos porque ficamos tentando adivinhar como filmaram aquilo — e isso é um problema.

Adolescência se propõe a discutir um tema urgente: a radicalização de jovens homens pela cultura incel — aquele ecossistema tóxico que inclui figuras como Andrew Tate. Mas, em vez de investigar as causas, a série se contenta em apontar o fenômeno, como quem diz: “Olha só que coisa horrível, né?” sem se perguntar por quê.

Jamie, o protagonista, é um garoto de classe média, com pais presentes e uma vida aparentemente estável — um perfil que, convenhamos, não é o mais comum em casos reais de violência misógina. Sua radicalização acontece fora da tela; não vemos sua jornada online, suas crises pessoais, ou mesmo a influência de amigos. Em vez disso, o roteiro joga termos como red pill e incel como se fossem suficientes para explicar tudo. É como se a série dissesse: “Ei, isso existe!” sem nunca perguntar “Como chegamos aqui?”

E pior: a série humaniza o agressor enquanto apaga a vítima. Katie, a garota assassinada, não tem rosto, não tem família, não tem história. Jamie, por outro lado, ganha três episódios de drama pessoal, incluindo uma cena constrangedora que sugere que a vítima o “provocou”. Se o objetivo era criticar uma cultura que glorifica homens violentos, por que reproduzi-la?

Quem realmente importa?

Há um momento no segundo episódio em que um detetive diz: “Depois que um homem comete um crime contra uma mulher, é ele quem é lembrado.” A ironia é cruel, porque Adolescência faz exatamente isso. Enquanto Jamie ganha profundidade, Katie é reduzida a uma nota de rodapé. A série critica um sistema que valoriza mais o criminoso que a vítima — e, no processo, torna-se parte desse sistema.

E não são só as escolhas narrativas que falham; a própria estrutura reforça esse desequilíbrio. O plano-sequência, em sua ânsia de ser “cinematográfico”, acaba espetacularizando o sofrimento. Em vez de nos fazer refletir, nos distancia — porque estamos mais preocupados com “como filmaram isso?” do que com “por que isso aconteceu?”

Comparações inevitáveis

Adolescência não é a primeira obra a lidar com violência juvenil ou misoginia, e compará-la a outras produções só evidencia suas falhas. “Elefante” (2003), de Gus Van Sant, também usa planos longos, mas lá eles têm uma razão de ser: criam um clima de inevitabilidade, quase documental. Já “A Besta” (2023) explora a solidão e a raiva por trás da violência misógina de forma muito mais incisiva.

Até “O Chef” (2021), outro projeto do diretor Barantini que usa plano-sequência, justifica melhor a técnica — o caos de um restaurante exige aquela fluidez. Em Adolescência, porém, o recurso parece gratuito, como se a série dissesse: “Olha o que conseguimos fazer!” em vez de “Veja o que precisamos discutir.”

O quefica (e o que não fica) depois do fim

No quarto episódio, há uma cena poderosa entre Jamie e seu pai — Stephen Graham novamente brilhante —, onde a família desmorona. Mas, novamente, a técnica atrapalha: o plano-sequência corta a emoção, porque estamos mais focados na coreografia da câmera do que no diálogo. É sintomático: Adolescência prioriza como as coisas são ditas em vez de o que está sendo dito.

E, no final, o que resta? Uma série que parece importante, mas que, no fundo, é sobre parecer importante. Uma discussão urgente — a radicalização de jovens, a violência misógina — reduzida a estética.

Cheguei atrasado, mas talvez tenha sido melhor assim. Porque Adolescência é como um fogos de artifício: deslumbra no momento, mas não deixa rastro. E, no fim, é isso que fica: a lembrança de uma técnica brilhante a serviço de um discurso raso. Uma pena. Porque o assunto merecia mais — muito mais — do que espetáculo.

Adolescência está disponível na Netflix.

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Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor valvulado. Editor-chefe, crítico, roteirista, nortista e traficante cultural.